Sínodo para a Amazônia: da fé à política, tudo está interligado. Artigo de Antonio Spadaro

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19 Outubro 2019

"Hoje a Igreja tem uma necessidade extraordinária de profecia diante dos grandes desafios do presente e para discernir que futuro queremos construir."

A opinião é do jesuíta italiano Antonio Spadaro SJ, diretor da revista La Civiltà Cattolica e membro de nomeação pontifícia do Sínodo Amazônico. O artigo foi publicado na revista Famiglia Cristiana, n. 49, de outubro de 2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

Tudo está interligado, cantaram na sala alguns membros do Sínodo para a Amazônia, que, para se expressarem, recorrem às vezes à poesia do seu povo. No meio do caminho, vivendo-o a partir de dentro, posso evidenciar alguns aspectos desse grande evento eclesial. Faço isso tendo vivido, no dia 19 de janeiro de 2018, o extraordinário encontro de Francisco com 22 povos indígenas em Puerto Maldonado (Peru), onde ele exortou todos eles a “moldar uma Igreja com rosto amazônico e uma Igreja com rosto indígena”.

A Amazônia, que e estende sobre nove nações (Guiana, Guiana Francesa, Suriname, Venezuela, Colômbia, Equador, Brasil, Bolívia, Peru), está falando a partir de Roma. A periferia fala do centro com a consciência de que a sua experiência é escutada como uma voz profética para toda a Igreja. E, justamente por isso, julgada por alguns como incômoda.

Este é o ponto: hoje a Igreja tem uma necessidade extraordinária de profecia diante dos grandes desafios do presente e para discernir que futuro queremos construir.

A Igreja busca a profecia deslocando o centro de gravidade da área euro-atlântica e apontando diretamente para uma terra onde se concentram gigantescas contradições de caráter político, econômico e ecológico. Aqui a Igreja faz experiência um povo que não coincide com um Estado nacional, um conjunto de povos perseguidos e ameaçados por tantas formas de violência. São povos portadores de uma enorme riqueza de línguas, culturas, ritos, tradições ancestrais.

As intervenções na sala e nos grupos estão pintando um grande afresco no qual tudo está interligado: a e a história, a esperança e a geografia, a caridade e a política.

Por isso, os ataques preventivos ao Sínodo vieram de grupos que protegem interesses político-econômicos revestidos de uma religiosidade fundamentalista que não despreza os tons racistas. As temáticas teológicas na sala sinodal estão intimamente entrelaçadas com a vida dos povos, com as tensões geopolíticas, com o cuidado da “casa comum”.

Os temas ecológicos são vividos em uma perspectiva de fé, como parte da doutrina social da Igreja e nas suas íntimas conexões com o desejo de justiça. Mas são enquadrados em uma perspectiva que vai muito além da Amazônia: a preocupação com a salvação – a salus animarum – está profundamente conectada com a do destino do planeta Terra e de toda a humanidade. A partir dessa experiência madura, será possível identificar “novos caminhos” para a Igreja universal.

Para além das soluções possíveis sobre as quais se discute, expressa-se, por exemplo, a consciência da dificuldade das comunidades de celebrar regularmente a Eucaristia devido à falta de sacerdotes. Falou-se claramente do direito dos fiéis de não permanecer em jejum eucarístico e da obrigação dos pastores de prover o pão.

Mas também foi expressada uma visão mais ampla e madura da Igreja, finalmente alheia ao clericalismo, consciente da necessidade de imaginar novos ministérios eclesiais, também para as mulheres. Fica claro pelos testemunhos o quanto a Igreja da região pan-amazônica deve sua vida às mulheres. Também se compreendeu como os leigos já têm a tarefa de ensinar e de reger comunidades eclesiais.

Por fim, a sala sinodal revela uma alma profundamente mestiça.

O próprio conceito de inculturação parece obsoleto. A Igreja amazônica é feita de pastores indígenas e missionários: o espanhol e o português falados também ressoam com sotaques italianos, poloneses, alemães, e os indígenas não esquecem o uso das línguas nativas. A herança dos conquistadores do passado entrou no sangue que corre na vida e na devoção.

Tudo está misturado e interligado, dando vida a um organismo vivo, vivaz e original. Essa é a Igreja de rosto amazônico.

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