18 Outubro 2019
Alguns podem dizer que David Wallace-Wells é um catastrofista, ou um pessimista. Contudo, quando se lê a sua obra, El Planeta Inhóspito (Ed. Debate), o que fica claro é que muitos milhares de cientistas, reunindo dados há décadas em toda a Terra, não podem estar errados e que esse jornalista da revista New York Magazine soube reunir muitos desses trabalhos para fazer um retrato cruel, mas real, do mundo que estamos criando. Em conversa com El Asombrario, alerta não apenas sobre o aquecimento global. Acredita que a crise climática trará mais líderes populistas e ultranacionalistas perigosos ao estilo de Trump e Bolsonaro.
Wallace-Wells, que confessa que nunca se sentiu ambientalista antes, aproximou-se do complicado tema da mudança climática por causa de uma reportagem, há alguns anos. E decidiu não ser complacente e contar as coisas como são. Começando pelo que chama de “elementos do caos” (morte por calor, incêndios, fome, violência, pragas, etc.) e concluindo com a “ética do fim dos tempos”. Recebe El Asombrario em sua passagem por Madri, poucos dias após as grandes mobilizações pelo clima, que levaram mais de 7 milhões de pessoas para as ruas do mundo.
A entrevista é de Rosa M. Tristán, publicada por El Asombrario-Público, 17-10-2019. A tradução é do Cepat.
Após escrever este livro, continua não se sentindo ambientalista?
Qualquer um que olha nos olhos da crise climática muda de perspectiva. Na verdade, me sinto como um chauvinista humano, porque estou especialmente interessado no bem-estar de minha espécie, mas agora conheço o suficiente sobre a interação do mundo natural e humano e posso dizer que sem o primeiro não sobreviveremos. E continuo sendo jornalista, apesar de me ver cada vez mais ativista.
Em setembro, houve grandes mobilizações pelo clima. Não se falava tanto sobre isso desde o documentário de Al Gore, de 2006. O que aconteceu nesses anos?
Entre um momento e outro, houve uma recessão econômica que foi um bofetão na mudança climática, porque as pessoas deram prioridade a outras coisas. Além disso, em 2006, era futuro e agora é presente. Nos últimos dois verões no hemisfério norte, houve um evento climático por semana. A tecnologia também mudou. Agora, temos energias renováveis mais barata que as energias sujas. E, finalmente, a intensidade da preocupação das pessoas está aumentando e não estou falando que existam mais pessoas preocupadas, mas, sim, que são mais os que veem a urgência. Ainda são poucos, mas mais que há 30 anos. Por último, surgiu Greta Thunberg. Uma mobilização em larga escala como a última era impensável há pouco tempo. A questão é que estamos sem tempo e as emissões continuam aumentando e será impossível não atingir os 2 graus, que causarão muito sofrimento em todo o mundo.
Se estamos progredindo, como você explica o surgimento de líderes como Trump e Bolsonaro em países onde convencem seus eleitores?
Ambos são vilões do clima. Cometem crimes contra o futuro da humanidade. E é um novo tipo de resposta, porque eles não são negacionistas, ao contrário, atuam pelos interesses nacionais, pressões que se intensificarão. Não me estranharia ver mais líderes como eles no futuro, que ressaltem sua responsabilidade para com seus cidadãos e esqueçam o resto do mundo.
Contudo, a geopolítica do clima é muito problemática, porque não é possível proteger do aquecimento alguns cidadãos e um território. É global. E fico preocupado que existam países que se retirem de instituições internacionais, em um universo no qual será mais difícil coordenar as ações sobre o clima que há dez anos.
Não esqueçamos que Trump não venceu pelos votos e que Bolsonaro ganhou por causa dos problemas de Lula, mas dá medo o aumento da xenofobia porque, mesmo entre meus amigos progressistas, vejo que é difícil reconhecer o sofrimento em outros países.
Diante dessa situação, qual deve ser o papel dos comunicadores?
É complicado. Eu acho que não existe uma fórmula para contar essa história, porque diferentes pessoas respondem a diferentes histórias. O certo é que, durante muito tempo, jornalistas, cientistas e defensores do meio ambiente não foram sinceros com o que sabiam que aconteceria conosco e os cidadãos não estavam conscientes da emergência que pairava sobre nós.
No último ano, isso mudou com base no relatório do IPCC, muito mais alarmista. Esse foi o início do novo capítulo da política do clima que produziu mais movimentos e debates sobre os limites das emissões no Reino Unido e no norte da Europa. E não digo que a retórica alarmista seja melhor, mas, sim, acredito que durante muito tempo não se falou sinceramente sobre como estaríamos mal.
Há quem defenda que esse alarmismo gera um medo paralisante. Não é um risco?
É que a ciência é alarmante e o jornalista deve ser transparente ao comunicá-la. Seria paternalista mastigar o que sabemos para o público. Muitas pesquisas refletem que o público quer mais respostas que nossos líderes, que muitos confiam mais nos cientistas do que nesses líderes. Quando viajo, vejo pessoas autocomplacentes e pessoas que se afundam ao ver o que está por vir e pode ser que joguem a toalha, mas temos que acordar o mundo para que se envolva e exija novas políticas. E acredito que o medo é importante porque é a minha história.
Eu era autocomplacente e me comprometi porque me deu medo conhecer o futuro. Também olhei para trás e vi que no passado houve progressos em casos de alarma. Os Estados Unidos participaram da Segunda Guerra Mundial para evitar um final catastrófico, por medo. Agora, após 30 anos sem progressos, o IPCC lançou um alerta e estamos diante de um cenário diferente. Greta nos diz que a casa já está queimando. E acredito que isso é exagerado, mas o certo é que agora mais pessoas se comprometem de forma mais intensa para exigir dos líderes mudanças que, embora pareçam inimagináveis, não são.
Considera que os líderes levam a sério essas demandas por mudanças tão intensas no sistema global?
Acredito que, até o momento, a resposta das nações é inadequada. Estamos em crise por causa da indiferença dos líderes políticos, econômicos e culturais ... Eles nos decepcionaram. Assim como também são necessários alguns anos para mudar as coisas. No meu país, graças às mobilizações, a questão é debatida, no Reino Unido, foi declarada a urgência de reduzir as emissões, na União Europeia, dedica-se dinheiro ao meio ambiente... É verdade que muitos são compromissos vazios e que no passado não foram cumpridos, mas são sinais de progresso há apenas dois anos. Os protestos são valiosos. Alguns anos atrás, alguém que quisesse redirecionar sua vida não sabia como agir. Agora, podem se somar ao movimento.
Por onde começar para, dentro de um século, tornar o planeta habitável?
É necessário eliminar o carbono o mais rápido que pudermos. Isso é o mais complexo. E as energias renováveis são a melhor opção para os Estados investirem. O FMI estima que em todo o mundo financiamos combustíveis fósseis com 5,2 bilhões de euros e há especialistas que estimam que com 12% desse financiamento em energias renováveis, em pouco tempo, o sistema energético seria renovado.
Hoje, não temos capacidade renovável para atender a demanda global de energia, mas se começarmos a implantá-la, será possível substituir fontes poluentes. Também precisaríamos de energia nuclear para reduzir parte da carga, mas a eólica e a solar são os caminhos a percorrer. Contudo, não se trata apenas da eletricidade, mas, sim, de renovar setores como as infraestruturas, transportes, agricultura ...
É um desafio avassalador porque se trata de atingir zero emissões. Mesmo que produzamos 10% das emissões atuais, o planeta se aquecerá e alcançará os 4 ou 5 graus. Por isso, é necessária uma solução sistêmica e global, ou muitas soluções. No entanto, temo que serão inadequadas e que não teremos tempo para implantá-las.
Qual a sua opinião a respeito do Acordo de Paris?
Gostaria de ter fé nesses tipos de instrumentos, mas nenhum país respeitou o acordado e três anos se passaram. Em dezembro, vão se reunir no Chile e, como não fizeram nada, não sei como avaliarão os compromissos do futuro. Agora, não vejo um caminho para que as ações de todos os países se coordenem de maneira eficaz. Um Trump ou Bolsonaro nos apontam que em um mundo danificado pelas mudanças climáticas, surgirão líderes que sairão da perspectiva humanitária universal e abraçarão um cálculo nacionalista, colocando em risco o controle do aquecimento e se esquivando do sofrimento humano. É tolice pensar que viveremos como hoje. Eu já consideraria um sucesso se atingirmos um aumento de 2 graus.
E que futuro vislumbra para a espécie humana em um planeta inóspito?
Acredito que o cenário de extinção em massa da Humanidade requer muitos séculos e uma total indiferença ao sofrimento de todas as espécies. Mas, o certo é que em muitos lugares da Terra já são vividas situações inaceitáveis que, do Ocidente, vemos como normais. Um estudo explica que meio grau a mais mataria 153 milhões de pessoas. E ninguém quer um mundo com 25 holocaustos, mas agora todos os anos nove milhões de pessoas morrem por causa da poluição do ar e o dado não está na boca dos políticos.
Em uma visão mais global, os seres humanos são adaptáveis, nossa civilização é assim, mas isso tem a ver com o crescimento tecnológico e econômico, um progresso que foi potencializado pelos combustíveis fósseis. Haverá progresso sem eles? Sim, embora não com 4% ao ano. Existem estudos que dizem que o mundo terá um PIB 30 vezes menor sem combustíveis fósseis. É difícil imaginar como responderemos a esta crise. Acredito que a civilização sobreviverá e teremos tanta população quanto hoje, mas com outra forma de vida. E o século XXI será lembrado como o século do clima no qual todas as formas de vida se viram atingidas por esse clima.
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“A crise climática trará mais líderes populistas como Trump e Bolsonaro”. Entrevista com David Wallace-Wells - Instituto Humanitas Unisinos - IHU