05 Agosto 2019
Não era qualquer padre, mas sim uma figura nacional e influente, venerado pelos empresários, querido pelas pessoas e de potente enraizamento social. Um religioso icônico para os chilenos, próximo a presidentes como Sebastián Piñera e Michelle Bachelet, e com uma aura de santidade que o transformou em intocável, porém que caiu essa semana: o jesuíta Renato Poblete, falecido em 2010 aos 85 anos, foi declarado culpado de abusar de 22 mulheres, entre elas, quatro menores de idade.
A reportagem é de Victor García, publicada por La Nación, 03-08-2019. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Uma investigação canônica realizada pela Companhia de Jesus entregou os antecedentes dos ataques perpetrados entre 1968 e 2008. Segundo o relatório de mais de 400 páginas, que incluiu uma série de diligências anexas, ademais de entrevistas com mais de 100 pessoas –, Poblete manteve seis relações estáveis, em que se estimou a “existência de aspectos abusivos em ao menos cincos delas”. Ademais, se corroboraram antecedentes, sobre sua participação em denúncias de aborto.
“As condutas de abuso de poder, de consciência sexual e outros delitos cometidos por Renato Poblete se sustentaram em uma espécie de vida dupla, amparado pela sua imagem pública de pessoa de bem”, reconheceu o líder dos jesuítas, Cristián del Campo.
“O país se sente muito estremecido, enganado e impactado”, agregou o ministro do Interior, Andrés Chadwick, dando conta do estupor que causou no próprio governo e sociedade chilena a revelação, que significou uma nova fratura na cabisbaixa imagem da Igreja Católica, golpeada há anos por uma crise de confiança e desatada a partir do escândalo dos abusos sexuais.
“Se já estava em crise, esse é um transe demasiado potente para a Igreja chilena. Como instituição, está no chão. Sua crise é sistêmica e estrutural: os templos estão se esvaziando, o povo não crê nos padres e adesão baixou a mínimos históricos”, disse à nação Marcial Sánchez, doutor em História e especialista em temas religiosos, em referência às pobres cifras de confiança que a Igreja tem atualmente no Chile. Sofreu uma brusca caída de 18% para 9%, segundo a última pesquisa Bicentenario.
“É preciso mudar a forma de fazer a Igreja: desde a inclusão das mulheres até a discussão do tema do celibato. O caso Poblete acelera o debate sobre todos esses temas”, agregou o especialista.
Da mesma forma, os casos de abusos em que estão envolvidos padres, continuam aparecendo. Na sexta-feira, 02-08, na cidade de Ovalle (400 quilômetros ao norte de Santiago), foi condenado o padre Luciano Antonio de la Barrera Arancibia como autor do delito de abuso sexual cometido contra um menor, de 6 anos, dentro de um orfanato, em 2018. Esse caso se soma ao registro que o Ministério Público chileno tem sobre os casos de abusos protagonizados por religiosos: a última atualização contabilizou 246 vítimas, de 220 investigados e 164 causas abertas.
“A crise da Igreja Católica reflete a dificuldade que estamos tendo para escutar e atender às vítimas. A indiferença do Estado frente ao problema, a incapacidade dos bispos para pedir e receber a ajuda e conselho que outros possam lhes dar, e a demora com que nós leigos assumimos nossas responsabilidades. Para os padres isso foi uma tragédia”, diagnostica Eduardo Valenzuela, presidente da comissão que organizou a Pontifícia Universidade Católica do Chile, para identificar as causas da crise.
“Todo o avanço que se conquistou com a visita do enviado do papa Francisco, dom Charles Scicluna, poderia sofrer um estancamento. Ele disse que a Igreja Católica chilena era uma Caixa de Pandora”, expressou o especialista religioso Marcial Sánchez.
As congregações também ressentiram o clima interno e, desde 2012, 26 partiram do Chile: 17 femininas e nove masculinas, de acordo com a Conferência de Religiosos e Religiosas do Chile (Conferre). As inscrições para entrar no seminário, no entanto, caíram quase um terço em 15 anos.
“O Chile era um país muito católico, e passou a ser o com maior distanciamento da Igreja Católica na América Latina. A fratura inicial provocou o caso Karadima, um padre da elite identificado com a direita, porém esse caso de Poblete é uma fratura que se sobrepõe de maneira brutal. E também saem muito machucados os jesuítas, que, diferente de outras partes, no Chile são parte de uma elite”, disse Óscar Contardo, autor de Rebaño, livro que retrata a história da crise que atravessa a Igreja Católica.
“Poblete era o todo. E esse padre mentiu a um país completo. Sua vida foi plácida e morreu sem lhe pagar uma conta a ninguém, porém não se pode esquecer que terminou sendo um criminoso em série. E era de longe mais importante que um cardeal, porque era um mito. Então se o povo não quer crer em nada e não pisa mais em uma igreja, estão no seu justo direito. Ninguém poderia lhes culpa e essa é uma parte chave da crise”, sentenciou o escritor.
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Chile. A queda de um padre carismático completa o desmoronamento da Igreja - Instituto Humanitas Unisinos - IHU