25 Junho 2019
Eleonora, Susan, Renate... por trás desses três nomes fictícios se escondem – talvez fosse melhor dizer: se revelam – três pessoas reais, três histórias tremendamente verdadeiras, três dores profundas que, graças à força das vítimas, depois de anos de sofrimentos surgiram rasgando o véu do silêncio. Três mulheres pertencentes a diferentes associações católicas de fiéis, que ali onde acreditavam que poderiam encontrar e viver a salvação, foram vítimas de abusos de poder, de consciência e sexual.
A reportagem é publicada por Religión Digital, 24-06-2019. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
“Nessas experiências de abuso – explica uma delas – posso dizer que algo da morte foi semeada em minha alma e em toda a minha pessoa”.
A confrontação com essa trágica realidade, marcou com sua crua e dura concreção, o encontro anual do Dicastério para os Leigos, a Família e a Vida com as associações e movimentos eclesiais, que ocorreu no último 13 de junho, na Cúria Geral dos Jesuítas.
De fato, o Dicastério, disse o cardeal prefeito Kevin Farrell, em consonância com seu papel de vigilância e acompanhamento, converteu-se em “intérprete da preocupação e urgência segundo a qual o Santo Padre, o papa Francisco, nos pede que atuemos, todos os contextos sociais e eclesiais, saindo à luz, olhando a realidade de maneira honesta, chamando-a por seu nome com parrésia, procedendo à purificação necessário e dispondo da prevenção adequada”.
E por isso convocou a mais de uma centena de moderadores, responsáveis e delegados dos movimentos eclesiais e das associações internacionais reconhecidas pela Santa Sé para refletir sobre o tema: “A prevenção dos abusos sexuais: o compromisso das associações e movimentos eclesiais”.
O tema, destacou o cardeal ao começo dos trabalhos, “assume um desafio que a Igreja e a sociedade civil, em todas as partes do mundo, tem que afrontar”.
Sobretudo – explicou o cardeal Farrell – são fundamentais o exercício da verdade, o conhecimento e a consciência de “um crime historicamente estendido em todas as culturas e sociedades”, e o desejo de superar a perigosa tentação da subestimação.
“Somente enfrentando-se esse fenômeno, estudando-o, se produz uma mudança de mentalidade e de sensibilidade na opinião pública”: de fato, “até pouco tempo se considerava um tabu e ainda hoje o é para muitas pessoas, para muitos católicos, homens e mulheres da Igreja”.
Um tabu que, na Igreja, “muitos conheciam”, porém “ninguém falou”. E assim, explicou o prefeito, se adicionaram a dor e a injustiça:
“Houve um duplo abuso: aos abusos perpetrados se adicionou, de fato, um silêncio que inevitavelmente, se converteu em cúmplice dos crimes e os permitiu multiplicar-se sem serem molestados”. Tanto é assim que os mesmos dados estatísticos não podem restaurar o alcance real do fenômeno, mas sim que são somente “a ponta do iceberg”.
Sobretudo tem que se recordar, continuou o cardeal, que por trás dos números e das tábuas que descrevem o fenômeno há pessoas: “as pessoas implicadas, as vítimas e seus abusadores, tem um nome e sobrenome, um rosto, uma história pessoal e familiar, social e eclesial, tem feridas marcadas na mente, no coração e na carne”.
Por ocasião dessa reunião anual, o cardeal quis envolver diretamente realidades convocadas, lembrando-lhes que a praga do abuso sexual não está ausente nas associações de fiéis e movimentos eclesiais, e convidando-os a se encarregar da responsabilidade eclesial que corresponde a eles e envia-os a serem protagonistas e testemunhas "da conversão necessária, que não distrai o olho, mas confronta e previne estes crimes graves, que são os abusos sexuais”.
E ele deu indicações precisas: "Antes de mais nada, você tem que purificar as relações que vive entre si, assim como com os destinatários do seu compromisso evangelizador". Por isso, é necessário estabelecer "relações saudáveis em ambientes saudáveis, onde será difícil para a dominação, submissão, dependência, violação da liberdade, violação de consciência, abuso de poder, abuso sexual são introduzidos furtivamente". Finalmente, é necessário "cultivar a necessária formação humana, moral, intelectual e espiritual".
O prefeito reclamou que ele tinha recebido das associações e movimentos respostas insatisfatórias à carta do Departamento, que em maio de 2018, pedia que se elaborassem normas e procedimentos para a proteção de menores e de pessoas vulneráveis, e exortou os presentes:
"É necessário que vocês se equipem corretamente e sem perder tempo, vocês assumam as responsabilidades que lhe são, percebendo o que foi confiado, sem tirar os olhos das feridas infligidas ao corpo de Cristo que é a Igreja em nossos irmãos e irmãs, cuidando dos feridos e trabalhando para que não ocorram mais abusos".
Consciência da responsabilidade compartilhada, como membros do corpo da Igreja, em virtude do batismo e do compromisso pessoal dos Movimentos Eclesiais, caracterizado a intervenção de Linda Ghisoni, subsecretário do Departamento. Em suas palavras foi o testemunho de Eleonora, Susan e Renate encontrou espaço, a partir do qual emergiu claramente a estreita interligação entre os abusos de poder, consciência e sexualidade.
Ghisoni primeiro recordou a reunião realizada em fevereiro de 2019, no Vaticano, e dedicada à proteção dos menores na Igreja: uma ocasião importante para promover a consciência de que, infelizmente, continua a ser inadequada e que nos faz refletir.
"Com que valor", disse ele, "uma vítima, que tem mil dúvidas antes de falar, se dirige aos homens da Igreja que negam a priori?"
O método para resolver o problema é aquele indicado naquela ocasião e, necessariamente, parte de uma atitude de escuta das vítimas. Ouvir as vítimas nos permite superar a abordagem "respeitosa", que tende a considerar apenas o "fenômeno" e esquece a vida concreta do povo.
E como aconteceu na reunião de fevereiro, o confronto direto com as palavras das vítimas abalou as consciências. O subsecretário compartilhou com os presentes as confidências das vítimas, as "manipulações psicológico-espirituais" às quais foram submetidas por alguns padres para impor violência. A passagem em que Eleonora explica: "Ela repetiu para mim que ela fez isso apenas para meu próprio bem..." foi arrepiante.
Ghisoni, em seguida, invocou a necessária distinção entre a esfera da consciência e da esfera de governo em agregações eclesiais, ilustrando os riscos que se espreitam em relações que não são livres devido a contextos superestruturados ou subestruturados.
Referindo-se às vítimas citadas, ele concluiu:
"Eleonora, Susan, Renate: são mulheres de três diferentes associações de mulheres fiéis que, como todas as vítimas de abuso de poder, de consciência e de sexualidade, viveram no Gólgota, às vezes durante anos, um Gólgota não a céu aberto, mas fechado em quatro paredes, muitas vezes escuros, consumidos pela chantagem, para comprar o seu silêncio que as impregnou de sentimento de culpa. Os abusos as pregaram a uma cruz que ninguém podia ver, precisamente porque foi levantada em um Gólgota secreto. E as vezes inclusive terceiros que conheciam ou imaginavam foram vítimas ou cúmplices, aumentando assim o sistema de abuso físico, moral, psicológico, espiritual. Vamos encontrar este Gólgota escuro. O departamento está ao seu lado para aconselhá-las e apoiá-las nesta responsabilidade eclesial compartilhada".
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Cardeal adverte que os dados oficiais de abuso são somente a “ponta do iceberg” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU