03 Mai 2019
No Sábado Santo, o New York Times publicou a entrevista de Páscoa do colunista Nicholas Kristof com a teóloga Serene Jones, reitora do famoso Union Theological Seminary de Nova York. Na entrevista, Kristof, assim como Nicodemos, se aproxima da fé cristã com hesitação, mas com sincero interesse. “Para alguém como eu”, disse ele, “que se sente atraído pelo ensinamento de Jesus, mas não acredita no nascimento virginal ou na ressurreição física, o que eu sou? Eu sou um cristão?”. “Bem”, respondeu Jones, “você se parece muito comigo, e eu sou uma ministra cristã”.
O comentário é do teólogo estadunidense Wesley Hill, professor de Estudos Bíblicos da Trinity School for Ministry, em Ambridge, Pensilvânia, Estados Unidos. Ele é o autor de “Paul and the Trinity: Persons, Relations, and the Pauline Letters” [Paulo e a Trindade: pessoas, relações e as cartas paulinas]. O artigo foi publicado em Commonweal, 29-04-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Em outra parte da entrevista, ela elabora:
“Para mim, a mensagem da Páscoa é que o amor é mais forte do que a vida ou a morte. Essa é uma afirmação muito mais impressionante do que a de que eles colocaram Jesus no túmulo e, três dias depois, ele não estava lá. Para os cristãos para os quais a ressurreição física se torna uma espécie de obsessão, essa me parece ser uma fé muito vacilante. E se amanhã alguém encontrasse o corpo de Jesus ainda no túmulo? Isso significaria então que o cristianismo era uma mentira? Não, a fé é mais forte do que isso.”
Você pode ser tentado, ao ler isso, a repreender os protestantes liberais – Jones é uma ministra ordenada na Igreja Cristã (Discípulos de Cristo) e na Igreja Unida de Cristo – e a se lançar em uma lamúria sobre o declínio das denominações de linha principal. Se assim for, eu entendo. Alguns anos atrás, eu teria me unido a você. Mas agora que eu sou membro de uma denominação protestante histórica – eu pertenço à Igreja Episcopal e atualmente estou no processo de discernimento de um chamado à ordenação –, eu cheguei a pensar que afirmações como as de Serene Jones não representam realmente o futuro da teologia na linha principal.
Evidências anedóticas podem ser suspeitas, mas considere isto: no sábado, quando os comentários de Jones apareceram no site do Times, foi apenas uma questão de minutos até que o meu feed no Twitter fosse inundado de desânimo. Os evangélicos que eu sigo estavam, com razão, embora de modo previsível, chateados. Mas eu também sigo muitos outros episcopais e outros protestantes progressistas de linha principal. Os que eu tenho em mente são, na maior parte, jovens, instruídos, de centro-esquerda em seus posicionamentos políticos, afirmativos dos LGBTQ e comprometidas com todas as outras causas progressistas de justiça social, e principalmente desinteressados pelas últimas tendências na música religiosa ou na edificação de Igrejas, preferindo a estabilidade de instituições veneráveis e a liturgia formal. E eles aproveitaram os comentários de Jones como uma oportunidade para afirmar – não, celebrar – a doutrina tradicional do túmulo vazio e da vida corporal de Jesus após a morte. Eles estavam tristes e perplexos com as opiniões de Jones e prontos para proclamar sua própria confiança de que, na manhã de Páscoa, “if he rose at all / It was as His body” [se ele realmente ressuscitou, foi com o Seu corpo].
Para alguns observadores, essa “volta à ortodoxia” parece ser o produto de uma mudança geracional. Em uma pesquisa de 2016 com estudantes LGBT matriculados nos seminários episcopais, Ian Markham e Paul Moberly Mazariegos constataram que praticamente todos (92%) os entrevistados concordavam com a afirmação de que os “credos ensinam que Jesus Cristo ressuscitou dos mortos, o que tradicionalmente significa que o túmulo estava vazio”. Pode-se lamentar que a cifra não seja 100%, mas, tendo como pano de fundo a deriva das gerações anteriores, isso continua sendo um sinal encorajador.
Como afirmam Markham e Moberly Mazariegos, “está chegando um bloco eleitoral que quer afirmar a autoridade das Escrituras e defender a fé histórica encarnacional e trinitária da Igreja”. E é um bloco composto não apenas por pessoas LGBTQ. Durante a última Convenção Geral da Igreja Episcopal, por exemplo, um grupo diverso de clérigos e leigos – muitos deles líderes emergentes na denominação – elaboraram um memorial exortando a Convenção a “continuar no ensinamento dos apóstolos” ao seguir de perto as Escrituras e a herança do credo da Igreja. Se o revisionismo doutrinal do bispo John Shelby Spong era o rosto de uma vertente significativa da religião “Boomer”, a nova face do Protestantismo histórico pode muito bem ser alguém de colarinho clerical que marcha em defesa do controle das armas e diz: “Eu acredito na ressurreição do corpo”, sem cruzar seus dedos.
É justo perguntar se essa mistura entre progressismo político e ético e a teologia dos velhos tempos é coerente ou até sustentável. Será que o verdadeiro dínamo da fé dos protestantes históricos é o ativismo de esquerda, enquanto a crença na ressurreição é um tipo de acessório não relacionado, sinceramente conservado, mas majoritariamente desconectado do restante das suas convicções?
Sem dúvida, esse é o caso de alguns. No entanto, uma das coisas marcantes sobre as reações que eu vi no último sábado e domingo aos comentários de Jones foi que muitos protestantes históricos entrelaçaram muito firmemente a sua crença na ressurreição do corpo com a sua preocupação com a justiça social.
Foi assim, por exemplo, que Andrew McGowan, deão da Berkeley Divinity School, o seminário episcopal de Yale, respondeu a Jones: “Se a Páscoa realmente significa apenas que o amor é mais poderoso do que a morte, mas Jesus não ressuscitou, como está o placar amor-morte hoje?”. O “hoje” em questão foi o dia em que bombas terroristas mataram centenas de cristãos no Sri Lanka. “É uma coincidência”, perguntou McGowan, “que o protestantismo liberal cresce em solo privilegiado?”
Mais tarde, quando o presidente Trump foi ao Twitter para usar a Páscoa como uma ocasião para celebrar a economia em expansão, McGowan brincou que é isso que você recebe em troca “quando a Páscoa tem a ver com bondade, primavera ou mesmo ‘amor’, sem um sentido de como a ressurreição perturba os nossos ídolos e fantasias. Esse império vai sucumbir, e se você fundamenta o contentamento sobre suas falsidades, aproveite-as enquanto puder. Um mundo diferente está chegando”. Essa é uma acusação calculada para atormentar um eleitorado progressista: renunciar à crença na ressurreição corporal de Jesus é ajudar e apoiar o trumpismo!
Em suma, se meus amigos online representam algum indicador, o futuro do protestantismo histórico verá uma forte conexão entre a política radical e a esperança da ressurreição corporal. Perca o último, e o primeiro será perdido também.
O teólogo George Hunsinger argumentou, ao longo dos anos, que a teologia cristã tradicional – ortodoxia robustamente bíblica, niceana, calcedônica – naturalmente levanta uma preocupação pelos pobres e pelos oprimidos, e um compromisso com a mudança política.
“A opção forçada entre a política progressista e a fé tradicional está errada”, diz Hunsinger, citando Dorothy Day, Fannie Lou Hamer e Óscar Romero, entre outros, como testemunhas. Se Hunsinger está certo ou errado em seu julgamento, muitos jovens protestantes históricos parecem concordar com ele (se ele estivesse escrevendo hoje, ele poderia apontar para o crescente número de jovens católicos que também uniram a sua adesão à teologia tradicional com compromissos políticos de esquerda). Diante da escolha entre ficar com e junto aos marginalizados e sustentar a convicção na ressurreição corporal de Jesus, eles estão educadamente recusando-a e cunhando novamente a palavra “progressista” nesse processo. Você pode debater com eles, como eu faço, sobre quais causas de justiça social os cristãos deveriam priorizar – ou então conceber completamente de novo. Mas o que você não deveria fazer é assumir que o que Serene Jones disse ao Times na semana passada representa o único futuro da linha principal.
Lembro-me de um momento, alguns anos atrás, quando eu me encontrei com uma amiga com quem eu tinha feito faculdade. Durante os nossos dias de estudante, minha amiga tinha migrado cada vez mais para a esquerda em seus compromissos políticos e sociais, e na época eu me perguntava se ela logo decidiria que uma fé cristã robustamente ortodoxa era mais uma estrutura de opressão patriarcal e racista que precisava ser desmantelada. Nós perdemos contato depois da formatura, e, anos depois, quando nos encontramos, eu esperava que a minha amiga me dissesse que não tinha mais uma fé evangélica. Contudo, o oposto era verdadeiro. Não tendo perdido nenhum de seus instintos políticos progressistas, minha amiga se tornou mais cristã desde que eu a conheci. “Eu percebi”, ela me disse, em muitas palavras, “que o mundo pelo qual eu venho trabalhando é o mundo prometido por Deus quando ressuscitou Jesus dos mortos. O que Niceia tem a ver com Selma? Pelo visto, tudo!”.
Essa amiga frequenta agora uma igreja episcopal. Vai entender...
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Religião pós-“boomer” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU