25 Abril 2019
“Se os discípulos tivessem de alguma forma encontrado um corpo no túmulo, de fato, isso significaria que Jesus não havia ressuscitado dos mortos, o que negaria a mensagem da Páscoa. O túmulo, como narram as narrativas da Páscoa, estava vazio – algo que inicialmente encheu os discípulos de medo e de confusão.”
A opinião é do jesuíta estadunidense James Martin, editor-geral da revista America, em artigo publicado por America, 23-04-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Houve uma grande discussão sobre uma provocativa coluna publicada no Domingo de Páscoa por Nicholas Kristof no The New York Times, na qual ele entrevistou a minha amiga Serene Jones, presidente do Union Theological Seminary e uma ilustre professora de teologia.
No início da entrevista, Kristof faz várias perguntas sobre a ressurreição à professora Jones. É necessário acreditar em uma “ressurreição literal, de carne e sangue”? Em resposta, ela se concentra nos relatos do Evangelho sobre o túmulo vazio. Mas Kristof a pressiona na pergunta: “Um cristianismo sem uma ressurreição física não seria menos poderoso e impressionante?”.
Sua resposta, que gerou algumas críticas online, deve ser citada na íntegra:
“Para mim, a mensagem da Páscoa é que o amor é mais forte do que a vida ou a morte. Essa é uma afirmação muito mais impressionante do que a de que eles colocaram Jesus no túmulo e, três dias depois, ele não estava lá. Para os cristãos para os quais a ressurreição física se torna uma espécie de obsessão, essa me parece ser uma fé muito vacilante. E se amanhã alguém encontrasse o corpo de Jesus ainda no túmulo? Isso significaria então que o cristianismo era uma mentira? Não, a fé é mais forte do que isso.”
Deixe-me oferecer a minha própria perspectiva sobre isso.
Eu acredito que Jesus Cristo ressuscitou dos mortos no primeiro Domingo de Páscoa. E eu não vejo isso como qualquer tipo de parábola ou de metáfora. Francamente, esse é o coração da minha fé. Eu também não acredito que possamos ou devamos reduzir o grande mistério da ressurreição a uma experiência que ocorreu dentro da comunidade. É isso que alguns teólogos contemporâneos têm postulado: que Cristo “ressuscitou” dentro da comunidade.
As abordagens teológicas diferem, mas, em essência, alguns teólogos oferecem a história sobre como, enquanto os discípulos passaram a refletir sobre a vida e a morte de Jesus Cristo, ele se tornou “presente” para eles de uma nova maneira, por meio do Espírito. Isso, por sua vez, deu-lhes o poder de proclamar a boa notícia do seu Evangelho. Alguns teólogos oferecem isso como um modo mais crível ou contemporâneo de entender a “ressurreição”.
Mas há um problema com essa ideia da ressurreição como um efeito posterior de uma “memória compartilhada”. Certamente, depois da ressurreição e da ascensão, os discípulos se “lembraram” de Jesus e certamente podem ter tido poderosas experiências repletas do Espírito, como tiveram, muitas vezes enquanto estavam reunidos em comunidade. Mas, na minha opinião, apenas algo tão vívido, surpreendente e, em uma palavra, real como as múltiplas aparições do Cristo ressuscitado poderia ter movido os discípulos de um medo abjeto (encolhidos atrás de portas fechadas) a estarem dispostos a dar suas vidas por Jesus. Nada mais pode explicar credivelmente a transformação de discípulos aterrorizados em mártires dispostos.
Além disso, se os discípulos tivessem de alguma forma encontrado um corpo no túmulo, de fato, isso significaria que Jesus não havia ressuscitado dos mortos, o que negaria a mensagem da Páscoa. O túmulo, como narram as narrativas da Páscoa, estava vazio – algo que inicialmente encheu os discípulos de medo e de confusão.
Mas a que se parece o “corpo glorificado” de Jesus (o termo que muitos teólogos usam hoje)?
Isso é muito mais difícil de explicar, e talvez seja um pouco a isso que a professora Jones estava se referindo. Em alguns relatos do Evangelho, a fisicalidade do Cristo ressuscitado é enfatizada (“Eu não sou um fantasma”, diz ele em uma passagem). Em outros, ele parece fantasmagórico (por exemplo, sua aparência repentina em uma sala onde as portas estão trancadas). Do mesmo modo, em algumas narrativas do Evangelho, o Cristo ressuscitado é reconhecível (por exemplo, o café da manhã no mar e as aparições no Cenáculo). Em outros, os discípulos acham difícil, quase impossível, reconhecê-lo (por exemplo, Emaús).
Para mim, isso indica a novidade radical, a completa novidade, a qualidade irrepetível daquilo que os discípulos estavam experimentando. O corpo glorificado é algo que ninguém havia encontrado antes – ou nunca encontrou desde então (para antecipar a óbvia objeção: Lázaro foi levantado dos mortos, mas mais tarde morreria. Ele foi levantado por Jesus em seu corpo ainda muito mortal).
Portanto, não é de se surpreender que os discípulos não pudessem compreender a experiência do Ressuscitado. Da mesma forma, décadas depois, os escritores dos Evangelhos naturalmente lutam para descrevê-lo. Ele parecia um fantasma, mas não parecia. Era fácil reconhecê-lo, mas não era. Mas todas as aparições pós-ressurreição concordam em uma coisa: era Jesus.
No Evangelho de hoje, 24 de abril, Maria Madalena reconhece Jesus chamando seu nome porque ela já sabia quem era. O Cristo ressuscitado é identificável com Jesus de Nazaré. “Ele ressuscitou”, dizem – não “uma pessoa nova ressuscitou”. Ele é Jesus.
Para mim, o melhor resumo dessa ideia vem de Stanley Marrow, SJ. Em seu comentário sobre o Evangelho de João (Paulist Press), ele liga Jesus de Nazaré ao Cristo ressuscitado. Eu volto a esta passagem frequentemente:
“O Senhor Ressuscitado tinha que ser reconhecível e identificavelmente Jesus de Nazaré, o homem que os discípulos conheciam e a quem seguiam, a quem viram e ouviram, com quem comeram e por quem agora se acovardavam atrás de portas fechadas. Para eles, ressuscitar como qualquer outro que não o Jesus de Nazaré que eles conheciam anularia a ressurreição de todo o seu significado. Aquele que eles haviam confessado como seu Senhor Ressuscitado é o mesmo Jesus de Nazaré que eles conheceram e seguiram. Mostrar-lhes ‘as mãos e o lado’, que traziam as marcas da crucificação e da perfuração da lança, não era um gesto teatral, mas sim as credenciais necessárias da identidade do Senhor Ressuscitado, que estava diante deles, com o Jesus de Nazaré crucificado que eles conheciam.”
Em uma palavra, ele ressuscitou.
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A ressurreição literal, de carne e sangue, é o coração da minha fé. Artigo de James Martin - Instituto Humanitas Unisinos - IHU