06 Abril 2019
"A Constituição deu destaque ao direito à aposentadoria, instituindo várias modalidades, para assegurar uma sobrevivência digna ao trabalhador ao esmorecer a sua força de trabalho. Considerou, certamente, que os proventos de aposentadoria tem a mesma natureza do salário. Se este, sendo destinado a produção e reprodução da força de trabalho, é atribuído à pessoa do trabalhador garantindo sua manutenção, a aposentadoria deve lhe assegurar a continuidade do direito à vida, em face do trabalho já prestado a sociedade", escreve Rogério Viola Coelho, advogado, em artigo publicado por CSPM Advogados Associados, 04-04-2019.
Segundo ele, "com a aprovação da PEC, gestada pela doutrina do ultraliberalismo, caberá ao próprio trabalhador a obrigação de prover a sua aposentadoria. No caso em exame irão desaparecer as obrigações fundamentais correspondentes ao direito fundamental dos trabalhadores. KELSEN já dizia que não há direito subjetivo em relação a uma pessoa sem o correspondente dever jurídico de outra. Um direito sobre si mesmo é – evidentemente – um não direito; o direito fundamental à aposentadoria restará por esta via convertido em uma obrigação".
E conclui:
"A norma do § 4º do artigo 60 da Constituição, que regula a competência dos poderes constituídos para emendá-la, dispõe que “não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir os direitos e garantias individuais”. É notória a tendência estabelecida pela proposta de emenda de abolir concretamente o direito fundamental à previdência para os trabalhadores públicos e privados, em particular o direito a aposentadoria, direitos que são de titularidade individual, impondo a sua substituição por uma poupança forçada que imputa ao titular do direito a obrigação correspondente".
I - O direito fundamental dos trabalhadores à previdência social
II - Estratégia da Emenda para mudança radical da previdência social
III - O novo regime de previdência e o direito fundamental à aposentadoria
IV - Novo regime em face do princípio fundamental da solidariedade
V - Tendência a abolir garantias e o direito fundamental à aposentadoria
1.1. O direito à previdência foi consagrado pelo poder constituinte como um direito fundamental a prestações, concretizado para os trabalhadores da esfera privada com a instituição da Previdência Social e do Regime Geral no capítulo da seguridade social, e para os trabalhadores do Estado com a instituição dos Regimes próprios dos entes federados, no capitulo da Administração Pública. E em ambos os regimes o poder constituinte optou por benefícios definidos; é dizer, os benefícios têm valor determinado em função do salário de contribuição, ficando assegurados ao universo dos trabalhadores privados e ao universo dos trabalhadores do Estado. Em ambos os regimes foi agregada a garantia de seu reajustamento periódico “para preservar-lhes, em caráter permanente, o valor real”.
A Constituição deu destaque ao direito à aposentadoria, instituindo várias modalidades, para assegurar uma sobrevivência digna ao trabalhador ao esmorecer a sua força de trabalho. Considerou, certamente, que os proventos de aposentadoria tem a mesma natureza do salário. Se este, sendo destinado a produção e reprodução da força de trabalho, é atribuído à pessoa do trabalhador garantindo sua manutenção, a aposentadoria deve lhe assegurar a continuidade do direito à vida, em face do trabalho já prestado a sociedade.
Além disto, o constituinte assegurou o financiamento compartilhado dos benefícios, imputando obrigações fundamentais (a) às empresas e aos empregadores, beneficiários diretos do trabalho prestado ao longo da vida profissional; (b) à toda a sociedade, beneficiária mediata do trabalho (através dos tributos pagos); (c) aos entes federados e ao próprio trabalhador[1]. E no artigo 40, o constituinte originário assegurou ao servidor público regime de previdência de caráter contributivo e solidário, atribuindo a obrigação correspondente a este direito ao ente público tomador do trabalho e ao próprio servidor. As obrigações fundamentais instituídas pelo constituinte para assegurar a efetividade dos direitos fundamentais à previdência são uma concretização do princípio da solidariedade, consagrado entre os objetivos fundamentais da República. Este o sentido maior da afirmação de que os regimes de previdência instituídos são solidários.
1.2. Todas as garantias institucionais foram positivadas no topo do ordenamento pelo constituinte para que o direito fundamental ficasse fora do alcance da vontade das maiorias eventuais, expressa pelos poderes constituídos. Somente por emenda constitucional poderiam ser modificados, ainda assim sem que a vontade da maioria qualificada exigida (de 3/5 com duas votações em ambas as casas) tenha discricionariedade ilimitada. Daí o propósito do governo, ao projetar em duas etapas a reforma da previdência – primeiro remete o ajuste dos dois regimes para o legislador complementar, autorizando também os poderes constituídos a instituir o novo regime de previdência social com base no sistema de capitalização individual. Nos pronunciamentos ministeriais e nas falas dos agentes autorizados de sua base ficou claro que o governo visava contornar a dificuldade de sua aprovação.
A Previdência Social e o Regime Geral, ou os Regimes próprios, são consideradas garantias institucionais porque foram positivadas pelo poder constituinte no topo do ordenamento, com o propósito de guarnecer os direitos fundamentais dos trabalhadores à previdência. Assim sendo, a sua retirada da Constituição, com atribuição aos poderes constituídos de competência para reescrevê-los com ampla discricionariedade, corresponde a uma abolição de tais garantias institucionais, sendo garantias institucionais que correspondem a direitos fundamentais, tem o estatuto de garantias fundamentais. Assim sendo, a retirada do Regime Geral e dos Regimes Próprios da Constituição afronta o disposto no § 4º, inciso IV, do artigo 60 da CF, que veda a deliberação de emenda tendente a abolir essas garantias.
2.1 A Emenda proposta pelo governo projeta radical transformação no direito fundamental dos trabalhadores à previdência, com o objetivo principal de abolir o seu benefício mais relevante - a aposentadoria. Ela promove a substituição do Regime geral por um “novo regime de previdência social”, baseado no sistema de capitalização individual, impondo também este sistema aos Regimes próprios dos entes federados. E procede em duas etapas:
Primeira: introduz na Constituição uma autorização aos poderes constituídos para instituir os novos sistemas de capitalização individual, destinado aos novos trabalhadores privados e públicos, adiantando que serão abertas contas individuais para o depósito dos valores descontados na fonte de salários ou vencimentos, para serem entregues obrigatoriamente a empresas gestoras de planos de previdência, privadas ou públicas, gerando pequenos investidores involuntários.
Segunda: os poderes constituídos, por iniciativa do governo, instituirão os sistemas de capitalização individual, através de leis complementares, aprovadas pela vontade da maioria eventual, portanto, passando a ser a aposentadoria – o benefício primordial do direito fundamental a previdência - calculado com base nos montantes capitalizados nas contas individuais ao longo de décadas, para cobrir a sobrevida estimada caso a caso, com base na longevidade média do país à época. Um beneficio de valor totalmente indefinido.
A mudança radical incide na redução da base de financiamento dos benefícios, que foi partilhada pelo poder constituinte entre as empresas e os empregadores, que são beneficiários diretos do trabalho; toda a sociedade, que é beneficiária mediata, (através dos tributos pagos); os entes federados e os próprios trabalhadores (art.195). Estas obrigações fundamentais, que asseguram a efetividade dos direitos fundamentais à previdência, caracterizam o Regime Geral como solidário. Nos Regimes próprios, é a contribuição (duplicada) dos entes federados que os define como solidários.
Além deste movimento em direção ao novo regime de previdência social, a emenda retira do corpo da Constituição as modalidades de aposentadoria e demais benefícios hoje positivados, introduzindo autorização aos poderes constituídos para reeditá-las, por lei complementar, apenas para os atuais trabalhadores privados e públicos, mas com enormes ajustes, incluindo ampliações nos tempos de contribuição e de idade, elevação das contribuições ordinárias e criação de extraordinárias, mais a redução dos benefícios.
2.2. O novo regime de previdência social seria formalmente opcional para os que ingressarem posteriormente no mercado, mas ele na prática será imposto pelos empregadores no ato da contratação, evitando assim a contribuição patronal de 20% existente no atual Regime Geral. Para os que ingressarem no serviço público depois da criação do sistema de capitalização individual nos Regimes Próprios, ele será obrigatório.
Os já integrados no Regime Geral antes da instituição do novo regime, poderão ser induzidos a migrar para o regime de capitalização. Por um lado, eles estarão sujeitos a agravação das exigências e das suas contribuições, inclusive extraordinárias, que tendem a crescer, eis que impostas com a simples alegação de desequilíbrio financeiro, medido arbitrariamente sem as contribuições constitucionalmente impostas ao Estado e sem considerar os superávits acumulados ao longo de décadas. De outra parte, estarão sujeitos ao poder de imposição dos empregadores para sua contratação, com eficácia tanto maior quanto maior for o desemprego.
Poderão ainda ser eventualmente incentivados com lento depósito nas contas individuais de valores já pagos no Regime Geral, pelo governo e/ou pelas empresas, eis que só liberados após a aposentadoria. É, assim, notório que o novo regime previdenciário poderá ser estendido gradualmente ao universo dos trabalhadores já integrados no regime geral, pela vontade dos poderes constituídos, combinada com o interesse objetivo das empresas.
3.1 A aposentadoria – o benefício maior da previdência social - no sistema de capitalização individual será custeada exclusivamente pelo próprio trabalhador, mediante o desconto imperativo em folha de uma parte de seu salário, destinado obrigatoriamente, para empresas gestoras de planos de previdência, convertendo os trabalhadores em investidores involuntários.
Sobre o sistema de capitalização individual instituído nos EUA há muitas décadas, incidiu aguda crítica de MILTON FRIEDMAN, o grande formulador e propagador da doutrina do ultraliberalismo no continente americano, no livro “Capitalismo e Liberdade”[2] da década de sessenta. Sustentando a existência de inter-relação necessária da liberdade econômica com as liberdades civis e políticas, ele sentenciou então que “O cidadão dos Estados Unidos que é obrigado por lei a destinar algo como 10% da sua renda à compra de um tipo especial de contrato de aposentadoria, administrado pelo governo, está sendo privado de parte correspondente de sua liberdade pessoal”.
Para ele, esta privação de liberdade poderia ser tida como comparável à usurpação da liberdade religiosa, considerada por todos como civil ou política, e não econômica. Friedman ilustra esta percepção com um episódio com um grupo de agricultores da seita Amish, relatando que “por questão de princípios, este grupo considerava os programas federais compulsórios para idosos como transgressão da liberdade pessoal e se recusava a pagar contribuições ou a aceitar benefícios. Em consequência, parte de seus rebanhos foi vendida em leilão judicial a fim de pagar as dívidas com a previdência social americana.”
3.2. Mas Friedman já observava então que a privação da liberdade contida no sistema de capitalização individual não seria percebida pela maioria: “É verdade que poucos são os cidadãos que consideram privação da liberdade a contribuição compulsória para a previdência social, mas os cultivadores da liberdade nunca contaram as cabeças.”
Convém ainda lembrar o precedente próximo de adoção do sistema de capitalização individual, que foi instituído no Chile em 1981, também com caráter obrigatório, contando com contribuição apenas do trabalhador, sem nenhuma contribuição do empregador ou do Estado. A instituição deste sistema no País latino teve a participação do atual Ministro da Economia, PAULO GUEDES, convocado por seu mestre na Universidade de Chicago, MILTON FRIEDMAN, então chamado por Pinochet para aplicar no País a doutrina do ultraliberalismo. GUEDES segue hoje vendo aquela obra como exitosa, negando o catastrófico resultado para a primeira geração de trabalhadores participantes. E dá sinais inequívocos de que sustentará a adoção no Brasil do sistema de capitalização individual da forma mais pura, impondo a contribuição exclusiva do trabalhador.
3.3. MILTON FRIEDMAN apoiou o sistema de capitalização individual obrigatório no Chile, porque já havia então proclamado a necessidade do advento de regimes políticos de exceção, ou o surgimento de catástrofes para viabilizar a aceitação da doutrina ultraliberal, em face das medidas impopulares que ela encerra. (A doutrina do choque).
Em face da constatação original de FRIEDMAN e dos antecedentes narrados é fácil entender porque hoje no Brasil – ainda com regime de liberdades formalmente vigente – a reforma projetada é acompanhada pela exaltação desmedida do novo regime de previdência social, baseado no sistema de capitalização individual, como senda a verdadeira garantia da aposentadoria dos trabalhadores, eis que deixariam de contribuir para os regimes existentes hoje, fadados a falência antes que chegue a hora de sua aposentaria. Além disto, repete-se a toda hora que ele estará contribuindo como investidor para a ativação da economia e a consequente geração de empregos. O trabalhador poderá então ufanar-se de ser um empresário de si mesmo, realizando “no mundo da vida” a nova razão do mundo[3].
4.1. Os regimes previdenciários instituídos pela Constituição - o Regime Geral, para os trabalhadores da esfera privada e os Regimes próprios dos servidores dos entes federados - são de caráter solidário, além de contributivo. Vale dizer, incide na sua estruturação o principio da solidariedade, consagrado entre os princípios fundamentais elencados no artigo 3º, inserido no Título I da Constituição. O seu enunciado consagra a ideologia social eleita pela soberania popular, dispondo que constituem objetivos fundamentais da República, “I – construir uma sociedade livre, justa e solidária”.
Este princípio, sendo vinculado aos objetivos fundamentais da República, tem uma função estruturante das instituições geradas na arquitetura constitucional. Com efeito, segundo o Preâmbulo, o primeiro objetivo do Estado Democrático é o de assegurar o exercício dos direitos fundamentais sociais e individuais, cabendo ao principio fundamental da solidariedade gerar a garantia fundamental que irá viabilizar a efetividade dos direitos a previdência social.
O PRINCÍPIO FUNDAMENTAL DA SOLIDARIEDADE contribuiu para assegurar o exercício dos direitos, gerando obrigações fundamentais para sujeitos determinados. Como leciona PECES BARBA[4], “diversamente dos demais valores, que fundamentam diretamente direitos, a solidariedade o faz indiretamente, por intermédio dos deveres. Refletindo desde comportamentos solidários se deduz a existência de deveres positivos que correspondem diretamente aos poderes públicos, ou que estes atribuem a terceiros, pessoas físicas ou jurídicas.”
4.2 O poder constituinte realizou uma concretização do princípio fundamental da solidariedade ao instituir na parte orgânica da Constituição o financiamento compartilhado da Seguridade Social, imputando obrigações fundamentais: (a) às empresas e aos empregadores, beneficiários diretos do trabalho prestado ao longo da vida, (b) à toda a sociedade, beneficiária mediata do trabalho (através dos tributos pagos); (c) aos entes federados e ao próprio trabalhador (art.195). E no artigo 40, outorgou ao servidor público regime de previdência de caráter contributivo e solidário, atribuindo a obrigação correspondente a este direito ao ente público tomador do trabalho e ao próprio servidor.
Ao afastar a norma instituínte das obrigações fundamentais enumeradas no artigo 195, destinadas ao financiamento da previdência, com a implementação do projeto da nova previdência social - baseado no sistema de capitalização individual - a emenda proposta elimina da Previdência Social a primeira e mais relevante das concretizações do princípio fundamental da solidariedade.
Obrando de forma a desconstituir a manifestação mais relevante socialmente do princípio fundamental da solidariedade gerada pelo poder constituinte, a emenda proposta atinge e esvazia um princípio fundamental estruturante das instituições do Estado e da sociedade. Assim procedendo, os poderes constituídos excederam um dos limites materiais implícitos no texto existentes para as emendas da Constituição.
4.3. PEDRO DE VEGA, em estudo consagrado sobre os limites do poder de emenda, trata mostrar o seu caráter subalterno em relação ao poder constituinte, que constitui a primeira expressão da soberania popular. Assevera ele que o poder de reforma, conforme as mais elementares exigências do Estado constitucional, não admite outra configuração possível que a de entende-lo como um poder constituído e limitado. E prossegue com o questionamento: “Se o título e a autoridade do poder de reforma descansa na Constituição, poderia esse poder destruir aqueles supostos constitucionais que constituem seu próprio fundamento e razão de ser?” [5]
Do que se trata, é de identificar, além dos limites explícitos positivados no texto pelo poder constituinte, os limites implícitos materiais existentes na Constituição. Este autor traça o caminho lembrando que “desde suas primeiras manifestações históricas, os textos constitucionais se identificaram indefectivelmente, em todas as ocasiões com sistemas de valores e com princípios que, no plano histórico e político, atuaram como pressupostos legitimadores.”
E a seguir conclui que “quando aparecem como elementos claramente definidos nos textos constitucionais ou nos preâmbulos dos mesmos, ou bem quando se apresentam como supostos indiscutíveis da ideologia social imperante, estes princípios e valores legitimadores do ordenamento, terão por força que configurar-se como zonas isentas ao poder de revisão, e adquirir, por tanto, o indubitável caráter de limites materiais implícitos a toda operação de reforma”[6]
Parece não comportar dúvida que o preâmbulo da nossa constituição erigiu a solidariedade como valor superior do ordenamento, ao projetar a edificação de “uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos ....”. Alem disto, como vimos, o princípio fundamental da solidariedade tem uma função estruturante das mais relevantes instituições do Estado e da sociedade, convergindo assim para formar a “ideologia social imperante”. Eis porque tal princípio fundamental e suas manifestações no corpo da constituição ficam fora do alcance do poder de emenda.
5.1. A instituição do sistema de capitalização individual projetado pela emenda conduz a eliminação da obrigação dos demais contribuintes para a concretização do direito fundamental dos trabalhadores à previdência. Para os trabalhadores da esfera privada, autorizarão os poderes constituídos para a sua criação no art. 201-A[7], inserido pela emenda no corpo da Constituição. E para os servidores públicos foi autorizada na norma do § 6º do artigo 40, que regula o Regime próprio. O único obrigado, assim, será o próprio trabalhador, e teremos realizada a tautologia de um direito do trabalhador sobre si mesmo.
No sistema proposto, a “iniciativa” do trabalhador de investir parte do seu salário não será livre, mas obrigatória; a sua vontade será livre apenas para eleger a empresa privada que vai administrar esse investimento, naturalmente cobrando uma taxa de administração, em percentual fixado pelo mercado, em regime de concorrência, sem nenhuma garantia real contra a sua insolvência. Chega a ser uma ironia que, num regime de livre iniciativa, enquanto todas as pessoas têm a liberdade de fazer investimentos, para o trabalhador o investimento será imperativo, retendo-se na fonte parte do seu salário. É estabelecida para ele uma obrigação jurídica consigo mesmo, cujo adimplemento ficará sob o controle do tomador do serviço.
Com a aprovação da PEC, gestada pela doutrina do ultraliberalismo, caberá ao próprio trabalhador a obrigação de prover a sua aposentadoria. No caso em exame irão desaparecer as obrigações fundamentais correspondentes ao direito fundamental dos trabalhadores. KELSEN[8] já dizia que não há direito subjetivo em relação a uma pessoa sem o correspondente dever jurídico de outra. Um direito sobre si mesmo é – evidentemente – um não direito; o direito fundamental à aposentadoria restará por esta via convertido em uma obrigação.
5.2. A norma do § 4º do artigo 60 da Constituição, que regula a competência dos poderes constituídos para emendá-la, dispõe que “não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir os direitos e garantias individuais”. Como se demonstrou, é notória a tendência estabelecida pela proposta de emenda de abolir concretamente o direito fundamental à previdência para os trabalhadores públicos e privados, em particular o direito a aposentadoria, direitos que são de titularidade individual, impondo a sua substituição por uma poupança forçada que imputa ao titular do direito a obrigação correspondente.
[1] Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais (...)
[2] FRIEDMAN, Milton. Capitalismo e Liberdade. Rio de Janeiro: LTC, 2014. P. 11.
[3] Dardot, Pierre. Laval, Christian. A nova razão do Mundo – Ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo: Boitempo Editorial. 2016.
[4] PECES-BARBA, Gregório. Lecciones de derechos fundamentales. Colección derechos humanos. Madrid: Dykinson. P. 184.
[5] VEGA, Pedro de. La reforma Constitucional y la problemática del poder constituinte. Madrid: Tecnos. P. 237.
[6] VEGA, Pedro de. La reforma Constitucional y la problemática del poder constituinte. Madrid: Tecnos. P. 237.
[7] “Art. 201-A. Lei complementar de iniciativa do Poder Executivo federal instituirá novo regime de previdência social, organizado com base em sistema de capitalização, na modalidade de contribuição definida, de caráter obrigatório para quem aderir, com a previsão de conta vinculada para cada trabalhador e de constituição de reserva individual para o pagamento do benefício, admitida capitalização nocional, vedada qualquer forma de uso compulsório dos recursos por parte de ente federativo”.
[8] KELSEN, Hans. Teoria pura del derecho. México: Editorial Porrua, 1997. P. 155.
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O Direito à Previdência - Instituto Humanitas Unisinos - IHU