19 Dezembro 2016
“Por tantas razões, o texto da PEC não pode prosperar. Há outros caminhos - e, acima de tudo, há a dimensão social da Previdência, que parece ter sido olvidada. Que o Parlamento saiba reconhecer as graves deficiências da reforma proposta, para que se ressalvem, ao menos, os direitos sociais mínimos e as garantias institucionais da cidadania e das carreiras que precisam ser reconhecidas em suas especificidades”, escrevem Germano Silveira de Siqueira, juiz Titular da 3ª Vara do Trabalho de Fortaleza, graduado pela Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará, com especialização em Direito Público, especialista em Direito do Trabalho pela Universidade Fortaleza (Unifor) e atual presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho – ANAMATRA e Guilherme Guimarães Feliciano, professor Associado do Departamento de Direito do Trabalho da Faculdade de Direito da USP e vice-presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho – ANAMATRA, em artigo publicado por Folha de S. Paulo, 18-12-2016.
Eis o artigo.
O governo federal enviou ao Congresso a proposta de emenda à Constituição (PEC) 287/2016, que busca promover a terceira grande reforma previdenciária encaminhada sob os mais diversos matizes partidários desde a promulgação da Constituição Federal em 1988.
A proposta, em linhas gerais, pretende restringir a proteção previdenciária e assistencial, aumentar a arrecadação correspondente e culpabilizar o Estado social pelo quadro de deterioração econômico-financeiro que acomete o Brasil. Para o governo federal, a crise econômica faz da reforma algo "inadiável".
Contudo, ao contrário do que se diz, o alegado deficit da Previdência deve-se sobretudo às renúncias fiscais, desonerações e desvinculações de receitas patrocinadas pelos próprios poderes constituídos.
No ano de 2015, o somatório dessas renúncias correspondeu a aproximadamente 50% de tal deficit, sendo que, nos últimos anos, o total de renúncias previdenciárias chegou a R$ 145,1 bilhões.
O quadro é agravado pela completa ineficiência na realização da dívida ativa previdenciária, que representou, em 2015, não mais que 0,32% da dívida executável.
Além do mais, a conta é historicamente equivocada: pelo modelo constitucional de Seguridade Social, haveria que acrescentar, nas entradas de caixa da Previdência, os recursos arrecadados com as receitas sobre prognósticos (loterias), Cofins, CSLL e Pis/Pasep, o que não é obedecido pelos sucessivos governos. Nesse orçamento único, só em 2014 o superavit seria de R$ 53 bilhões.
O que se propõe com a PEC, no entanto, é desconhecer a condição especial da mulher no mercado de trabalho, igualando a idade mínima para aposentadoria em 65 anos, além de reduzir drasticamente o valor das pensões, já restringidas por ocasião da emenda constitucional (EC) 41/2003, inadmitindo a acumulação com aposentadorias.
São inúmeras as evidências de patente retrocesso social, sem qualquer contrapartida. Por exemplo, alterar a base de cálculo dos benefícios para considerar toda a vida contributiva do segurado -inclusive a porção equivalente a 20% das menores contribuições, hoje descartada no cálculo. Em relação aos servidores públicos, todos aqueles que até agora ainda têm asseguradas a paridade e/ou integralidade dos vencimentos ao tempo da aposentadoria -porque admitidos no serviço público antes da EC 47/2005- perderão essa garantia, desde que não contem, ao tempo da promulgação da PEC, com 45/50 anos ou mais.
No que diz respeito à magistratura, agride-se, por via oblíqua, as garantias da vitaliciedade e da irredutibilidade, comprometendo-se uma das vigas mestras da independência política dos juízes.
Por tantas razões, o texto da PEC não pode prosperar. Há outros caminhos - e, acima de tudo, há a dimensão social da Previdência, que parece ter sido olvidada.
Que o Parlamento saiba reconhecer as graves deficiências da reforma proposta, para que se ressalvem, ao menos, os direitos sociais mínimos e as garantias institucionais da cidadania e das carreiras que precisam ser reconhecidas em suas especificidades.
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Um novo monstro na República - Instituto Humanitas Unisinos - IHU