05 Abril 2019
O Santo Padre escolheu um pastor amável, gentil e inteligente para estar à frente da polarizada cidade no Rio Potomac. O novo arcebispo não é um bombardeiro nem um guerreiro cultural. Washington dará as boas-vindas a um cavalheiro do Sul dos Estados Unidos na sua catedral, e eu não poderia estar mais feliz.
O comentário é de Michael Sean Winters, publicado em National Catholic Reporter, 04-04-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Gregory era um cavalheiro muito antes de ser transferido para Atlanta em 2004. Ele subiu na hierarquia sob a tutela de um genuíno cavalheiro sulino, o falecido cardeal Joseph Bernardin. O muito amado líder da Igreja dos Estados Unidos por mais de 20 anos definiu uma visão – engajamento, posturas éticas consistentes, evitando críticas venenosas – que, se tivesse sido abraçada, teria permitido que a Igreja Católica desse país continuasse sendo fermento na sociedade. Em vez disso, os guerreiros culturais tomaram o controle da narrativa e depois da própria Conferência Episcopal. O novo arcebispo chega a Washington em um momento em que a influência dos bispos nos assuntos nacionais nunca foi tão baixa.
Não posso deixar de recordar um artigo escrito por George Weigel e publicado na First Things em fevereiro de 2011, intitulado “O fim da era Bernardin” [disponível aqui, em inglês]. Weigel escreveu esse artigo depois que o então arcebispo Timothy Dolan derrotou o ex-bispo auxiliar de Bernardin, Jerry Kicanas, para a liderança da Conferência dos Bispos dos Estados Unidos. O cerne da acusação de Bernardin e dos bispos que seguiram seus passos por parte de Weigel está contido nestas palavras:
“Pois a Era Bernardin e o estilo de governança característico dos bispos da Máquina Bernardin foram profundamente influenciados pela ‘Trégua de 1968’ negociada pelos romanos, uma tentativa malfadada de resolver a situação disciplinar na Arquidiocese de Washington, onde a dissidência em relação à Humanae vitae foi generalizada e pública. Quaisquer que tenham sido as intenções do Vaticano em relação à difícil situação em Washington, o que se aprendeu com a trégua foram duas lições que moldariam toda uma era da história católica dos Estados Unidos. A primeira lição foi que a Santa Sé recuaria da aplicação rigorosa da disciplina doutrinal se pudesse ser persuadida do perigo do cisma. A segunda lição foi que os bispos norte-americanos estavam mal aconselhados ao sair em defesa pública do ensino católico (como fez o cardeal Patrick O’Boyle, de Washington, ao disciplinar padres que haviam rejeitado publicamente a Humanae vitae), pois isso poderia resultar no fato de a Santa Sé cortar o apoio e deixar o bispo em maus lençóis.”
Você pode ver o jansenismo definidor de Weigel e dos da sua laia: a marca da identidade católica não é nenhuma das prescrições contidas em Mateus 25. Para Weigel, assim como Platão, o homem virtuoso e o líder aceitável é a pessoa que pensa corretamente, e a chave para a liderança na Igreja é pensar corretamente. Não importa que a teologia, assim como o direito canônico, exista para servir aos verdadeiros objetivos da liderança eclesial, que são a solicitude pastoral e o testemunho evangélico de acordo com o Evangelho.
A nomeação também marca uma reivindicação da Igreja que fecha o círculo de outro modo. Uma fonte próxima a Bernardin me disse que, na época da sua doença final, Bernardin queria que Dom Donald Wuerl o substituísse em Chicago. Agora, é o protegido de Bernardin que assume o lugar de Wuerl em Washington.
Nas semanas que antecederam o anúncio dessa quinta-feira, Rocco Palmo publicou uma lista com os diferentes candidatos para a vaga em Washington. A lista continha alguns erros. Por exemplo, dois nomes que figuravam proeminentemente nas discussões, Dom Edward Burns, bispo de Dallas, e Dom John Wester, arcebispo de Santa Fé, não estavam da lista de Rocco. Mas o que chamou a minha atenção foi algo diferente. Todos os 15 bispos da lista de Rocco são identificados pelo seu sobrenome, exceto um: Wilton. De fato, quando comecei a escrever esta coluna e estava escrevendo as palavras “Arcebispo Gregory”, isso pareceu estranho. Eu não conheço bem o arcebispo, mas, nos momentos em que estivemos juntos em uma coletiva ou em uma reunião, todos o chamavam de “Wilton”. Isso nos diz algo sobre ele.
O novo arcebispo também tem sido uma liderança em relação à Laudato si’, tendo publicado um “plano de ação” [disponível aqui, em inglês] que é o melhor recurso que eu já vi publicado por qualquer diocese do país. Eu me deparei com ele quando a Arquidiocese de Boston estava usando-o como conteúdo para uma nova plataforma interativa que eles estavam lançando. O guia lista uma variedade de coisas que as pessoas podem fazer, cada uma denotada como “fácil”, “moderada” ou “avançada”. Um dos itens mais fáceis é “Crie ou expanda a sua biblioteca”, e o guia recomenda livros do padre passionista Thomas Berry, ou da irmã franciscana Ilia Delio, ou do falecido teólogo jesuíta Pierre Teilhard de Chardin. Não tenho certeza se esses autores teriam sido incluídos em uma lista de livros recomendados, digamos, pela Arquidiocese de Filadélfia.
O arcebispo Wilton Greory será o primeiro arcebispo negro de Washington. Em 2009, quando surgiu a controvérsia sobre a decisão da Universidade de Notre Dame de conceder um título honorário ao presidente Barack Obama, coisas indescritivelmente desrespeitosas foram ditas sobre o primeiro presidente negro da nossa nação. Os católicos negros, muitos deles bastante conservadores, experimentaram esse desrespeito de maneira que é difícil para os brancos entenderem. Foi profundamente doloroso.
A nomeação de um arcebispo negro será uma injeção de ânimo para a comunidade negra católica da capital do país, uma cidade que é historicamente negra e na qual os católicos negros têm desempenhado um papel vital. E, em uma época em que nossa nação está lidando com o nacionalismo branco de maneiras que pensávamos que estavam consignadas ao passado, a inteligência, o encanto e a retidão moral de Gregory são uma repreensão permanente à intolerância que muitas vezes escorre dos lábios do presidente.
O fato de o novo arcebispo já ter 71 anos indica que o novo arcebispo terá, no máximo, nove anos para cumprir qualquer objetivo específico. Eu não sei se isso é tempo suficiente para enfrentar os enormes problemas da Universidade Católica da América, da qual ele será agora chanceler. Mas ele pode começar. A adoção da economia neoliberal por parte da instituição em sua escola de negócios e a celebração da ideologia anti-Francisco em seu departamento de teologia é uma vergonha para os bispos, que são donos da escola. O arcebispo Wilton não me parece o tipo de pessoa que acalente o confronto, mas eu espero que esse seja um lado da personalidade que eu simplesmente não testemunhei. Ele não será capaz de persuadir a escola a voltar a um ensino católico saudável, ele terá que implementar a lei.
Washington é uma diocese muito menor do que Atlanta, mas é extremamente complexa. Como John Gehring explicou em seu perfil da arquidiocese, Washington é o lar de tantas instituições nacionais da Igreja e do Estado que o arcebispo residente se torna instantaneamente um importante porta-voz da Igreja do país. O cardeal Donald Wuerl navegou nessas águas às vezes traiçoeiras com habilidade, julgamento equilibrado e circunspecção. Espero que o arcebispo Wilton siga um modelo similar.
Não espere que ele se torne um frequentador do circuito de coquetéis da Georgetown, nem se restrinja à sacristia. Ele será alguém engajado, mas não se deixará usar como peão político de ninguém.
A Arquidiocese de Washington passou por um ano difícil. Dezenas de seus padres foram ordenados por Theodore McCarrick, e, portanto, as revelações do seu horrível comportamento foram esmagadoras. Wuerl, acho que injustamente, tornou-se o rosto do relatório do Grande Júri da Pensilvânia e foi forçado a renunciar mais cedo do que o esperado.
Com a chegada do arcebispo Wilton, todos podemos virar a página e nos dirigir rumo ao futuro com o nosso novo pastor, confidentes de que o Senhor, como prometido, nunca abandonará a Sua Igreja.
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''Wilton Gregory será um grande pastor para a Arquidiocese de Washington'' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU