17 Março 2019
Nove milhões de pessoas morrem todos os anos devido à poluição: ar tóxico, água contaminada, terras arruinadas pela agricultura industrial são as três causas principais. Nessa hecatombe, os mais pobres são os que pagam os preços mais altos em vidas humanas.
A reportagem é de Federico Rampini, publicada em La Repubblica, 14-03-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Nós, habitantes urbanos do Ocidente desenvolvido, estamos expostos às doenças ambientais (nós também respiramos fumaça e comemos alimentos patogênicos), mas muito menos do que outros. Quem vive de agricultura e pesca ou nas novas megalópoles envolvidas em nuvens venenosas – Nova Deli superou Pequim nessa disputa – está muito mais vulnerável.
O alerta vem de um relatório de 250 cientistas de 70 países, o sexto da série Global Environment Outlook, apresentado nessa quinta-feira, 14, em Nairóbi, na assembleia da ONU para o ambiente. Esses dados se somam ao alerta lançado pelas Nações Unidas em outubro: a comunidade internacional tem apenas 12 anos à disposição para limitar os efeitos catastróficos das mudanças climáticas.
A brecha entre ricos e pobres é impressionante. Como explica outro relatório, fruto da colaboração entre a Fundação Rockefeller e a revista científica Lancet, “70% da humanidade mais pobre depende diretamente dos ecossistemas para sua subsistência; por isso, a ruína do ambiente os atinge de modo desproporcional”.
Nos países com renda per capita baixa a média (o conjunto inclui China e Índia), a poluição do ar supera os limites respiráveis, de acordo com a Organização Mundial da Saúde, em 90% das cidades. Os países ainda mais pobres, especialmente na África, sofrem com uma poluição ainda mais letal: dentro das paredes de casa, devido ao uso de sistemas de aquecimento e cozimento a base de madeira e carvão.
Os pescadores do Sul do planeta são os mais afetados pela queda da biodiversidade que reduz a fauna marinha e pela invasão dos plásticos nos oceanos. Os agricultores africanos, asiáticos e latino-americanos estão entre as principais vítimas da erosão dos solos, da degradação das terras contaminadas pelos fertilizantes químicos ou pelos pesticidas.
A dramática assimetria entre “nós” e “eles” não significa que o impacto da emergência será indolor nas áreas mais ricas. Entre as maneiras pelas quais o choque é transmitido de uma região do planeta para outra está a migração de catástrofes ambientais. Esse dado também se encontra no estudo da Rockefeller-Lancet: em 2016, nada menos do que 24,2 milhões de pessoas foram forçadas a fugir de 118 países afetados por secas, enchentes ou catástrofes hídricas. Um múltiplo, em relação aos refugiados que, no mesmo período, fugiam de conflitos armados, guerras civis, violências políticas: “apenas” 7 milhões, menos de um terço dos refugiados de eventos climáticos.
Entre as calamidades à espreita, o relatório da ONU acrescenta um novo tipo de emergência sanitária: “As redes hídricas contaminadas reduzirão a resistência aos micróbios. Esta se tornará uma causa primária de mortes, de queda da fertilidade e de danos ao desenvolvimento neurocerebral das crianças”.
Esse último relatório não é só uma coleção de alertas. Existe uma parte propositiva com soluções concretas, viáveis, de custo não exorbitante. Em alguns casos, até “fazer a coisa certa” pelo ambiente pode reduzir as despesas. Um exemplo é a conversão dos (maus) hábitos alimentares. Os cientistas calculam que uma dieta menos carnívora pode reduzir em 50% a necessidade de aumento da produção alimentar, em comparação com as projeções para saciar os 9 ou 10 bilhões que habitarão a Terra em 2050.
Os erros pelos quais pagamos todos os dias são absurdos: um terço de todos os alimentos comestíveis são destruídos, 56% dos resíduos ocorrem nos países desenvolvidos. O relatório pede urgentemente um acordo mundial para reduzir o fluxo destrutivo de 8 milhões de toneladas de plásticos que jogamos nos rios, nos lagos, nos mares.
Há uma mensagem final importante, porque aborda o tema da sustentabilidade política e social, uma das mais delicadas. Os contratempos – da eleição de Trump aos “coletes amarelos” franceses; além dos atrasos da China e da Índia, amedrontados pela desaceleração do desenvolvimento econômico – estão ligados ao consenso. O planeta não será salvo pelos milionários do Vale do Silício que compram um carro elétrico Tesla de 100 mil euros. Mas “o custo de 22 bilhões de dólares para alcançar os objetivos da conferência de Paris pode gerar benefícios duas vezes maiores, 54 bilhões de dólares”. É isso que precisamos ser capazes de explicar, apresentando em exemplos concretos e tangíveis, também para as classes mais pobres do Ocidente.
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Nove milhões de mortes por ano: o alerta da ONU para o planeta - Instituto Humanitas Unisinos - IHU