27 Fevereiro 2019
O chileno Juan Carlos Cruz é uma das vítimas de abusos sexuais presentes no Vaticano para a histórica cúpula convocada pelo Papa Francisco para tratar deste assunto, que causou uma profunda crise na Igreja. Em uma entrevista ao Clarín, pediu que os temas acordados nestes dias de deliberações seja concretizado na prática.
A entrevista é de Sergio Rubin, publicada por Religión Digital, 25-02-2019. A tradução é do Cepat.
Como vítima do hoje ex-sacerdote chileno Fernando Karadima, seu depoimento abriu o encontro com uma consideração muito forte em relação aos clérigos abusadores. Disse que alguns membros do clero se tornaram assassinos da alma...
Fiquei impressionado quando o Papa disse a sua mãe que queria ser médico, mas médico de alma. E não o Papa, mas outros terem se tornado assassinos de alma, quando deveriam ser médicos de alma, me causa muita dor.
A cúpula contra os abusos cometidos por membros do clero lhe traz esperança ou é cético?
Fico alegre por ocorrer e me traz esperança. Contudo, o importante é ver o que irá acontecer, pois não pode parar em uma cúpula e tudo seguir como antes. Para mim, o Papa tem isso claro. Deve-nos preocupar se os bispos que vem a Roma acenarem com a cabeça diante do Papa, dizendo-lhe: “é claro, santidade”, e depois voltarem para seus países caindo no mesmo. Considero que é necessário haver um certo controle, de maneira que se possa comprovar o cumprimento do que se resolveu.
Considera que são acertadas as 21 ações propostas pelo Papa, como a avaliação psicológica dos candidatos ao sacerdócio, o assessoramento aos bispos que recebem uma denúncia e um organismo para recebê-las?
Parecem boas. Há muitas coisas que já são feitas ou que deveriam ser realizadas. É importante que sejam cumpridas rigorosamente. Existe um "motu proprio" (decreto papal) que se chama “Como uma mãe amorosa”, que são linhas para tratar o abuso sexual. Existe o Código de Direito Canônico, que precisa ser aplicado como corresponde. E outra coisa que não se atrevem a fazer muito é colaborar com as autoridades civis locais: entregar à Justiça os pedófilos e os que acobertam.
Nesses dias, foram ouvidas vozes de vítimas muito críticas à cúpula.
É natural e compreensível. Há homens e mulheres que sofreram abusos horríveis, coisas assombrosas e é preciso compreender que para eles é muito difícil esta situação e que possuem todo o direito de estar irritados e tristes. Cada vítima é um mundo separado.
Acredita que o acobertamento atingiu não apenas os bispos em seus países, como também membros do Vaticano?
É claro. E que estão aqui ainda. Acredito que o Papa, e me dá muita pena, deve estar atento porque há muita gente que rema contra e isso me preocupa. Sinto que o Papa quer fazer o correto e, às vezes, não tem a colaboração que merece.
Quando o Papa cometeu o erro de defender o bispo Juan Barros, acusado de acobertar Karadima, foi enganado pelas autoridades da Igreja chilena?
Não tenho absolutamente qualquer dúvida de que enganaram o Papa. E que hoje em dia essa gente deve estar tremendamente arrependida por ter causado o dano que causou. Mas também agradeço ao Papa por ter ouvido a verdade e acreditar. E por assumir ações concretas para solucionar o engano. Renunciaram os 32 bispos chilenos, destituiu 8 e acredito que irá destituir mais alguns.
Você foi recebido mais de uma vez pelo Papa. Sentiu-se acolhido?
Respeito-lhe muito. Obviamente, impressiona-me ver que o Papa de 2017 não é o Papa de 2019. Que soube ouvir, que soube entender e, em meu caso, foi extremamente carinhoso. Justamente o que a Igreja precisa fazer é sempre acolher e acompanhar as vítimas. Não pode acontecer de não as tratar bem.
Superou o trauma do abuso?
Nunca é totalmente superável. Tenho dias melhores e dias piores. Pensei alguma vez em me suicidar, mas busco ter uma atitude positiva, de ajudar os outros. Quando me perguntam se não estou cansado de estar há oito anos lutando, digo que sim. Contudo, quando vejo o que conquistei, fico alegre. E quando pessoas me escrevem dizendo que eu as ajudei com meu testemunho, sinto que vale a pena.
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“O Papa busca fazer o correto, mas não tem a colaboração que merece”. Entrevista com Juan Carlos Cruz - Instituto Humanitas Unisinos - IHU