26 Fevereiro 2019
Uma semana depois do anúncio do fechamento da fábrica, trabalhadores fazem assembleia para discutir os próximos passos. Fábrica tem histórico de mobilização.
A reportagem é de Vitor Nuzzi, publicada por Rede Brasil Atual - RBA, 25-02-2019.
Assembleia a partir das 7h desta terça-feira (26) vai começar a decidir o futuro da fábrica da Ford em São Bernardo do Campo, no ABC paulista, cujo fechamento foi anunciado na semana passada pela empresa. Depois da assembleia, que terá participação inclusive de metalúrgicos de outras bases sindicais, está prevista passeata pela cidade.
A Ford tem tradição de organização operária, com movimentos que remontam inclusive ao período da ditadura, quando uma greve, em 1968, resultou na formação de uma embrionária comissão de trabalhadores. Os metalúrgicos da Ford pararam também em 1978, praticamente ao mesmo tempo que os da Scania, em um período de rearticulação sindical que culminou com as conhecidas greves na região do ABC. Na ocasião, começou a despontar a liderança do então presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema (atual ABC), Luiz Inácio da Silva, o Lula, que havia sido eleito pela primeira vez em 1975.
Os metalúrgicos da Ford recordam ainda da greve deflagrada em 1981, quando saiu a primeira comissão de fábrica da base. Outros movimentos tornaram-se marcantes, como a chamada "greve dos golas vermelhas" (referência ao uniforme dos funcionários dos setores de Ferramentaria e Manutenção), em 1990, com 50 dias de duração, e a paralisação a partir do anúncio de 2.800 demissões, na véspera do Natal de 1998.
Atual secretário-geral da CUT de São Paulo, João Cayres, 49 anos, viveu de perto vários desses momentos. Ele entrou na Ford como estagiário de eletrônica em 1987, no mesmo ano em que seu próprio pai foi demitido, após 13 anos de fábrica, em consequência da junção com a Volkswagen, que resultou na Autolatina, desfeita em 1994. João foi efetivado em 1988, na área de manutenção em eletrônica.
Cayres era um dos "golas vermelhas", assim como o ex-presidente do sindicato Rafael Marques, atual presidente do Instituto Trabalho, Indústria e Desenvolvimento, o TID-Brasil. O irmão de João, Paulo Cayres, presidente da Confederação Nacional dos Metalúrgicos da CUT (CNM-CUT), também é originário da Ford.
João Cayres foi surpreendido com a decisão anunciada na semana passada pela empresa. Ele lembra que, dias antes, participara de assembleia na Ford de Taubaté, que aprovou um "pacote" de medidas naquela fábrica. "Havia a expectativa de que, se tinha uma proposta em Taubaté, teria em São Bernardo," diz o dirigente, que convidou metalúrgicos das bases de Guarulhos e Osasco (Força Sindical), na região metropolitana, onde ficam empresas fornecedoras que serão afetadas com um possível fechamento da unidade do ABC (CUT).
Ele estima que, se confirmada, a desativação da fábrica levaria a um total de 30 mil demissões, considerando toda a cadeia produtiva – a Ford tem aproximadamente 4.500, entre empregados diretos e terceirizados. E critica as opções da empresa. "A Ford queria se desfazer há muito tempo das operações de caminhão. Eu acho lamentável, porque é um mercado altamente lucrativo, que só tende a crescer." O sindicalista também considera "mais equivocada ainda" a decisão de concentrar foco em utilitários (SUV).
O dirigente critica ainda o governo, nas várias esferas, inclusive locais, por não identificar uma preocupação efetiva com os rumos da economia. O governo Bolsonaro, observa ele, só se movimenta para aprovar a "reforma" da Previdência. Enquanto isso, acrescenta, o país, com capacidade para produzir até 6 milhões de veículos, opera com metade dessa capacidade.
No plano estadual, o governador João Doria (PSDB) reuniu-se com o prefeito Orlando Morando, do mesmo partido, e com o presidente da Ford para a América do Sul, Lyle Watters, mas excluiu os representantes dos trabalhadores.
No início do mês, o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Wagner Santana, o Wagnão, entregou ao vice-presidente da República, Hamilton Mourão, documento em defesa do setor industrial, reivindicando uma política para o setor "que contribua efetivamente com o desenvolvimento do país, articulada com as necessidades de superação dos gargalos econômicos e sociais, de modo a distribuir seus ganhos entre toda a sociedade e posicionando o Brasil entre as principais economias industriais do planeta". Para os metalúrgicos, a indústria "deve ser o centro dinâmico do desenvolvimento nacional"
Mas João Cayres lembra também que os conflitos constantes na Ford levaram a um melhoria nas relações capital-trabalho, a ponto de ter sido a primeira empresa de origem norte-americana a reconhecer a rede mundial de trabalhadores. O que não impede os metalúrgicos de identificar o que consideram "erros estratégicos" da montadora. O Sindicato do ABC terá em breve uma reunião com a direção mundial da companhia, nos Estados Unidos.
Da Ford de São Bernardo também saiu o primeiro presidente da CUT, Jair Meneguelli, que em 1963 chegou a fazer estágio na Willys-Overland, comprada pela Ford em 1967. Ele foi contratado em 1971. Dez anos depois, foi eleito presidente do sindicato, sucedendo Lula, e comandou a CUT de 1983 – ano de fundação da central – até 1994. Além dele, trabalharam na Ford os ex-presidentes Heiguiberto Guiba Navarro (começou em 1967, ano da venda, como ferramenteiro) e José Lopez Feijóo (entrou em 1973, como conferente), que também dirigiu a CUT paulista.
Esta terça-feira, além de ser um dia decisivo para os trabalhadores, representará um momento especial para Leonardo Farabotti, que trabalha na montagem. Ele completará 29 anos exatamente amanhã. Filho de metalúrgico, Leo, como é conhecido, conta que apesar da notícia o clima entre os metalúrgicos é bom, de mobilização, e há também a expectativa da reunião com a direção mundial.
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Metalúrgicos da Ford no ABC começam a discutir seu futuro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU