22 Fevereiro 2019
"Num prazo curto, diante da tentativa de desmonte social e econômico à vista, seria talvez importante desenhar medidas preventivas e, logo, restauradoras. A expectativa parece ser que este governo não se sustente, esgotando-se mais rápido do que Jânio ou Collor. Nesse caso, qual a alternativa ao nível do poder político?", questiona Luiz Alberto Gomez de Souza, sociólogo.
As mídias têm trazido uma avalanche de informações-fofocas sobre um governo que se esvai em sua própria incompetência e desnorteio. Vídeos mostram à saciedade diálogos patéticos e sem importância alguma. Eles são reproduzidos por muitos que perdem seu tempo e entopem desnecessariamente WhatsApps. Assim a atenção é desviada do essencial.
Pelo nível de seus membros, o comportamento errático deste governo não é surpresa. Em lugar de indignação ou irritação, produz simplesmente melancolia, diante de um ocaso que chega antecipado. A decisão das urnas encaminhou infelizmente nessa direção.
Além disso, denunciar um possível golpe já em curso e a ação direta de uma junta na sombra, por mais verossímil que possa parecer, pode deixar-nos despreparados diante de uma ação mais grave adiante, com aparência de legalidade formal, como em golpes anteriores. Lembro do que meu avô contava, a partir de sua experiência numa aldeia espanhola. Cada vez que havia um movimento suspeito nas montanhas circundantes, um jovem clamava aflito para defender-se da chegada de lobos. À força de repetir o alerta, este passou a não preocupar os aldeões. E quando o lobo realmente chegou, encontrou a comunidade desprevenida.
De todo esse monturo de informações aparentemente menores, há que garimpar somente algumas que podem ser relevantes. O governo tenta desviar a atenção de suas fragilidades fingindo que agora, com a apresentação de medidas ao congresso, começa realmente a governar. Analistas a serviço da situação, que se sentiam “desconfortáveis” (termo muito empregado por um deles), saúdam as medidas apresentadas.
A primeira, do inefável Moro, curiosamente desvincula os crimes do caixa dois (pedra no sapato do governo), do conjunto de medidas propostas. Vale comparar o ministro com o juiz que foi. Disse o juiz: o caixa dois “é uma trapaça, um atentado à democracia. E “é pior do que a corrupção praticada para benefício próprio.” Era uma espinha dorsal da lava-jato. Fala o ministro: “é um crime grave, mas não tem a mesma gravidade da corrupção, crime organizado e crimes violentos”... Um texto de Luiz Eduardo Soares, que ajudei a difundir, desmonta a medida apresentada.
Na segunda proposta, o presidente faz um mea culpa sobre sua atuação no passado. O que aparentemente pareceria uma prova de honestidade e transparência, poderia sinalizar uma bússola movendo-se ao sabor das circunstâncias e de decisões de seu ministro da economia. As primeiras críticas apontam, na lógica neoliberal de Paulo Guedes, o massacre dos trabalhadores, levando ao aumento das desigualdades sociais. Neste caso, não bastaria denunciar o projeto governamental, mas começar a desenhar uma alternativa na frente.
É, pois, o momento de centrar-nos na construção do futuro. Volto ao que tenho repetido e que tem sido sinalizado por um número cada vez maior de analistas: a construção de uma Frente Nacional, Popular e Democrática.
Há indícios promissores nessa direção. No legislativo, a indicação de Alessandro Molon, do PSB, como líder da oposição (encontra do outro lado lideranças despreparadas) é um bom resultado dessa união.
Mas é na sociedade onde a aliança deve ser costurada. Um sinal significativo. Ativistas, intelectuais e jornalistas lançaram em São Paulo uma Comissão de Defesa dos Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns, que vai de debruçar-se sobre casos graves de violações aos direitos humano contra pessoas e comunidades. O interessante é a constituição ampla da comissão. Presidida por Paulo Sérgio Pinheiro, participam personalidades de relevo como Fabio Konder Comparato e também Luiz Carlos Bresser Pereira e Luiz Felipe Alencastro, ao lado de lideranças de esquerda como Paulo Vannuchi. Direitos humanos é tema crucial num momento em que se quer minimizar sua importância.
Ao nível internacional (a crise é global, palavra anátema em certas esferas), nos Estados Unidos Bernie Sanders, à esquerda dos liberais democratas, acaba de lançar sua candidatura à presidência. Yanis Varoufakis, o ex-ministro de Syriza na Grécia, vem tentando uma coordenação ao nível europeu. Ambos, com a presença de Fernando Haddad, lançaram em Nova Iorque, dia primeiro de dezembro de 2018, a proposta de uma Articulação Progressista em Defesa da Democracia. A pouca repercussão interna nos partidos à esquerda mostra, entretanto, entre nós, desatenção por iniciativas inovadoras.
Num momento de preocupante refluxo de governos progressistas, há que seguir com atenção a Frente Ampla desde alguns anos no Uruguai, a “geringonça” em Portugal, como uma aliança de esquerdas e, agora, o governo de López Obrador no México. Uma nota de desalento: na Espanha haverá logo eleições gerais. “Podemos”, recebido com tantas esperanças, divide-se e chegará enfraquecido nas urnas. Que terrível a capacidade de divisão das esquerdas!
Num prazo curto, diante da tentativa de desmonte social e econômico à vista, seria talvez importante desenhar medidas preventivas e, logo, restauradoras. A expectativa parece ser que este governo não se sustente, esgotando-se mais rápido do que Jânio ou Collor. Nesse caso, qual a alternativa ao nível do poder político? O governo acaba de ser derrotado quando a Câmara, por grande maioria, derrubou o decreto presidencial que ampliava perigosamente o poder de sigilo sobre informações públicas. Só teve o apoio de um PSL inorgânico (seu presidente votou contra, talvez por engano). Não deveríamos ficar apenas à mercê das manobras sorrateiras de Rodrigo Maia. João Dória e o próprio Moro estão à espreita, no caso de uma crise terminal. Não parece, à primeira vista, que o general Hamilton Mourão, nesse caso, consiga manter-se. Haverá uma alternativa progressista no curto prazo? Pouco provável. Pelo menos há que preparar, então, uma ação consistente mais adiante.
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Notícias insignificantes desviam a atenção da necessidade de centrar-se numa tarefa mais à frente - Instituto Humanitas Unisinos - IHU