21 Fevereiro 2019
Para Pedro Nery, apesar de alguns pontos cegos em projeto apresentado por Bolsonaro, se aprovadas, medidas devem conseguir reduzir as desigualdades na Previdência.
A entrevista é de Marina Rossi, publicada por El País, 20-02-2019.
O projeto da reforma da Previdência apresentado nesta quarta-feira pelo presidente Jair Bolsonaro ao Congresso ainda tem alguns pontos cegos. Não há uma proposta, por exemplo, para a aposentadoria de militares, e faltam detalhes nas regras para o Benefício de Prestação Continuada (BPC) que atendem os idosos miseráveis - só passariam a receber um salário mínimo após os 70 anos e, antes, dos 60 anos até 70, não fica clara qual é a base de cálculo nem a maneira de reajuste do benefício de 400 reais proposto. De maneira geral, porém, as medidas devem conseguir reduzir a desigualdade na Previdência, avalia Pedro Fernando Nery, especialista em economia e reformas e autor do livro Reforma da Previdência - Por que o Brasil não pode esperar?.
Nery, um consultor legislativo que vem acompanhando o debate desde a proposta de Michel Temer do tema, publicou em sua conta no Twitter algumas observações enquanto o Governo apresentava o novo projeto pela manhã. Pelo WhtasApp, falou com a reportagem sobre os pontos mais relevantes da reforma, em sua avaliação.
Você diz que reforma é "mais branda no mais pobre e mais dura no mais rico". Por quê?
Em relação à proposta original de Michel Temer [a reforma do ex-presidente foi iniciada em 2016 e interrompida em 2018, tanto por falta de apoio no Congresso, quanto por causa da intervenção federal no Rio, que impedia, por força de lei, qualquer aprovação de PEC]. Na reforma de Temer, a proposta aumentava o tempo mínimo de contribuição de 15 anos para 25 anos. Na de Bolsonaro, aumenta de 15 para 20 anos. É um ponto importante por conta do desemprego e da informalidade, principalmente para mulheres e principalmente para mulheres mães. Na reforma de Temer, a idade mínima da mulher trabalhadora rural subia de 55 para 65, e a do homem de 60 para 65. Na de Bolsonaro, apenas a da mulher sobe, e apenas de 55 para 60. Na de Temer, a cobertura do BPC [Benefício de Prestação Continuada] diminuía porque a idade mínima subia de 65 para 70. Na de Bolsonaro, ela cai de 65 para 60. Mas ainda é uma mudança controversa porque o valor do benefício foi reduzido para quem não tiver 70 anos, de 1 salário mínimo para 400 reais.
Sobre o BPC, você fala em "bode na sala". Essa é a parte mais sensível do pacote?
Acho que sim. Porque a mudança do valor é bastante abrupta, de 1.000 reais para 400 reais, não é linear. Isto é, não sobe aos pouquinhos. E também não há transição. Vejo espaço fiscal para aumentar a cobertura dando os tais 400 reais para quem tem entre 60 e 65 anos, sem diminuir o salário mínimo de quem tem entre 65 e 70 anos.
Você fala então em reduzir o tempo em que a pessoa ganharia só 400 reais, de 10 anos, como diz a proposta, para cinco anos?
Sim. E hoje quem tem 60 anos não recebe nada, porque o BPC só vale a partir dos 65 anos.
Esse ponto poderia ser uma espécie de moeda de troca para fazer o projeto passar?
É possível. O Congresso sempre alterou reformas da Previdência, desde o Governo Fernando Henrique.
Neste caso, você citaria algum outro ponto que tem maior possibilidade de ser alterado?
Me parece promissor também a restrição aos Refis e o combate à dívida ativa [a proposta prevê limitar o prazo para parcelamento de dívidas previdenciárias. Isso pode ajudar a cobrar grandes devedores, que têm capacidade de pagamento, mas que aderem a programas de recuperação fiscal, os chamados Refis, para alongar o pagamento da dívida. A entrevista coletiva de hoje [na qual o projeto foi apresentado] tinha cinco técnicos, sendo três procuradores da Fazenda e um auditor da Receita e nenhum economista, tirando Rogério Marinho [secretário especial da Previdência Social].
De maneira geral, é possível dizer que as propostas contidas nesse projeto dão conta de diminuir de fato a desigualdade da Previdência?
Acho que sim. As medidas foram contundentes em relação aos mais ricos da Previdência. São eles os servidores, que passarão a ter contribuição muito maior e passarão a se aposentar bem mais tarde se quiserem manter privilégios como a integralidade e a paridade. E há finalmente também a idade mínima para aposentadoria por tempo de contribuição no INSS, com uma transição mais rápida. Hoje em média uma mulher se aposenta aos 52 nesse benefício, mas aos 65 no BPC. Não faz sentido tamanho subsídio ao mais rico.
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“Reforma da Previdência é contundente com mais ricos, mas mudança para miseráveis é abrupta” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU