17 Janeiro 2019
"Toda esta estratégia chinesa para alcançar a paridade ou superar os Estados Unidos como a superpotência global depende de dois fatores básicos: 1) altas taxas de poupança e investimento e 2) superávits comerciais e em conta-corrente como fonte de recursos para ampliar a presença no mundo", escreve José Eustáquio Diniz Alves, doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE, em artigo publicado por EcoDebate, 16-01-2019.
A China é uma das civilizações mais antigas e importantes do mundo. O Imperador Quin (221-207 aC.) é considerado o fundador do Império e o responsável pelo Estado unificado chinês. Há mais de 2 mil anos, ele adotou um sistema único de pesos e medidas, de escrita e de moeda em todo o Império. Também promoveu a realização de concursos públicos para o preenchimento de cargos, selecionando os candidatos com base na meritocracia. As grandes realizações da China estão relacionadas com Dinastias fortes e influentes.
Depois da Revolução de 1949, o Partido Comunista Chinês (PCC), como diria Maquiavel, se tornou o “Príncipe” moderno, ou no caso da China, o “Imperador” moderno. Mao Tse-Tung conseguiu unificar o país depois da invasão japonesa, centralizou o poder no âmbito do PCC e governou o país com mão firme, embora de maneira desastrosa.
Depois da morte de Mao em 1976, houve um período conturbado, mas, em dezembro de 1978, Deng Xiaoping, mantendo o controle político centralizado, lançou a política de abertura e reformas econômicas visando o desenvolvimento da China. A política externa chinesa tornou-se mais branda, pragmática e flexível, com esforços concentrados na melhoria das relações com o Ocidente, em especial, com os EUA. Na era pós-Deng, desde 1997, Jiang Zemin e Hu Jintao continuaram a diplomacia “discreta” e pragmática.
O objetivo era alcançar o grau de desenvolvimento dos países ocidentais. De fato, a China se tornou a maior economia do mundo (quando medido pelo poder de paridade de compra).
Mas depois de décadas de alto crescimento econômico, de redução da pobreza e uma influência crescente no mundo, a política externa e o comportamento diplomático da China passaram por uma tremenda transformação sob Xi Jinping, que foi eleito secretário geral do Partido Comunista no final de 2012 e se tornou presidente em 15 de março de 2013. Nenhum líder chinês, antigo ou contemporâneo, tem sido tão ativo quanto Xi na diplomacia. Com seu ambicioso “sonho chinês” de estratégia “Renascimento Nacional”, substituindo a “diplomacia discreta” de Deng, a China tem sido mais proativa e confiante no cenário mundial, com uma política militar e de segurança cada vez mais assertiva. Dentre diversas outras iniciativas, ele lançou a iniciativa “Um Cinturão uma Rota” e o plano “Made in China 2025”.
Em outubro de 2017, durante o 19º Congresso do Partido Comunista, o presidente Xi disse que o socialismo com características chinesas está entrando agora em uma “nova era”. O PCC aprovou no Congresso a inclusão das “doutrinas” de Xi na Constituição da agremiação, como um novo referencial teórico e que, a partir de agora, será estudado nas escolas, como o “Pensamento de Xi Jinping sobre o Socialismo com Características Chinesas para uma Nova Era”.
Em três horas e meia de discurso, Xi explicou sua visão não apenas para os próximos cinco anos do país, mas para as próximas três décadas, detalhando um modelo socialista que, segundo ele, seria “uma nova opção para outros países e nações que queiram acelerar seu desenvolvimento enquanto preservam sua independência”. O presidente explicou que a “nova era” da China é o momento de o país “ocupar os holofotes do mundo”. Descreveu seus planos para uma “modernização socialista” da China até 2049 (centenário da Revolução) e a busca por uma nação “mais próspera e bonita”, por intermédio de reformas ambientais e econômicas. Os planos para um “grande país socialista moderno” significa uma China “erguida entre todas as nações” até 2049, sendo uma contribuição histórica ao desenvolvimento do partido e uma adaptação do marxismo ao contexto chinês.
O PCC anunciou que durante este congresso seus estatutos seriam modificados para introduzir novos conceitos, pensamentos e estratégias de governabilidade aprovadas pelo Comitê Central sob a liderança de Xi. O 19º Congresso do Partido Comunista da China encerrou-se com Xi Jinping sendo alçado a um status semelhante ao de líderes históricos do país, como Mao Tsé-tung e Deng Xiaoping, e se consagrando como o presidente chinês de maior poder nas últimas décadas.
Em março de 2018, Xi Jinping foi reconduzido para um segundo mandato de 5 anos. Além disto, o parlamento da China aprovou uma emenda constitucional que elimina os limites do mandato presidencial, permitindo que o presidente Xi permaneça no cargo por tempo indefinido. Com a possibilidade de um cargo vitalício, o presidente ganha o poder que considera necessário para, na sua perspectiva, transformar a China em uma poderosa e influente superpotência global.
O contraste entre a ordem da China e a desordem no Ocidente ficou explícito em relação a alguns fato de 2018, como nas divergências da cúpula da Otan, na reunião sem resultados do G7 e no caos que se transformou o Brexit. Neste cenário, cresce a autoconfiança internacional da China. O país expandiu e consolidou sua posição militar no Mar do Sul da China, tem projetos de infraestrutura em mais de 100 países, criou o primeiro banco multilateral de desenvolvimento fora dos princípios do acordo Bretton Woods, o Asian Infrastructure Investment Bank, além de desenvolver bases navais no Sri Lanka, no Paquistão e no Djibuti, e participar de exercícios navais com a Rússia em lugares distantes como o Mediterrâneo e o Báltico.
Em março, a China estabeleceu sua própria agência de desenvolvimento internacional. Xi Jinping – preservando um Estado leninista e com um plano de governo de longo prazo – está determinado a desafiar a ideia do “fim da história” de Francis Fukuyama, que imaginou o triunfo definitivo do capitalismo democrático e liberal. Em outubro de 2018, o presidente chinês Xi inaugurou a maior ponte do mundo, cruzando o estuário do rio das Pérolas. A ponte de 55km liga a cidade de Zhuhai, na província de Cantão (Guangdong), a Macau e a Hong Kong, ligando de forma física e simbólica as antigas possessões portuguesa e britânica ao território chinês.
Em janeiro de 2019, a China conseguiu pousar a sonda não-tripulada Chang’e-4 em um local conhecido como cratera de Von Kármán, uma depressão de 180 quilômetros localizada no hemisfério sul do lado oculto da lua. Nenhuma missão espacial jamais explorou o lado escuro da Lua e marca a ambição chinesa para conhecer uma região misteriosa do satélite natural da Terra e mostrar ao mundo a ambição e a dimensão da exploração espacial da China. Até o ano de 2020, o sistema de navegação Beidou, o equivalente chinês ao norte-americano GPS, terá um alcance global depois que a China lançou os satélites necessários para sua globalização. Já no ano passado, o sistema de navegação por satélite começou a prestar serviços aos países que participam da iniciativa “Um Cinturão, Uma Rota”.
A China é líder não somente na indústria de energia renovável (eólica e solar, principalmente), mas também tem a maior rede de distribuição de ultra-alta tensão (UHVDC) e está construindo a maior indústria de veículos elétricos (EV), tendo 5 das 10 maiores fábricas de EV, além de ter 3 vezes mais plantas de baterias elétricas sendo construídas do que o resto do mundo.
Em diversas dimensões, a “diplomacia discreta” de Deng Xiaoping está sendo substituída pelo “Pensamento Xi Jinping”, que considera que a China deve liderar não só na economia, mas também “a reforma do sistema de governança global com os conceitos de justiça e justiça” e ter uma presença mais ativa no mundo. Assim, a comunidade internacional deve se preparar para uma nova onda de ativismo político chinês. Embora sem colocar o lema “China first”, o “Império do Meio” tem um roteiro claro para o futuro e isto implica no fortalecimento de uma China de estilo Imperial.
Toda esta estratégia chinesa para alcançar a paridade ou superar os Estados Unidos como a superpotência global depende de dois fatores básicos: 1) altas taxas de poupança e investimento e 2) superávits comerciais e em conta-corrente como fonte de recursos para ampliar a presença no mundo.
Como mostra o gráfico acima, em quatro décadas a China manteve taxas de investimento em torno de 40% do PIB (chegando a quase 50% depois da recessão de 2008/09). Ao mesmo tempo, manteve taxas de poupança em torno de 42% do PIB.
Estes números são absolutamente singulares e mostra como a China se transformou na “fábrica do mundo” e fonte de poupança. Já nos EUA a situação é inversa, pois os investimentos ficaram em média em 22% do PIB nas 4 décadas em questão (1980-2019) e a poupança ficou em 19% do PIB. Isto quer dizer que a China investe muito e conta com poupança interna para fazer os investimentos. Já os EUA investe pouco e poupa ainda menos, ficando dependente da poupança externa.
O gráfico abaixo mostra que a China tem um superávit na conta-corrente de cerca de 3,5% do PIB, enquanto os EUA possuem um déficit de cerca de 3,5% do PIB. Ou seja, a China mantem os seus planos de expansão no resto do mundo com os recursos que obtém na balança comercial e em outras contas do Balanço de Pagamentos. Já os EUA – que são o shopping center do mundo – consomem muito, mas não possuem os recursos para manter altas taxas de investimento internas e externas (a vantagem é que tem uma moeda que é aceita em todo o mundo, a despeito do alto grau de endividamento do país).
A guerra comercial entre os EUA e a China teve uma pausa de 90 dias, entre o dia 01 de dezembro de 2018 e 01 de março de 2019. Resta saber como os dois países vão acomodar estas diferenças que são substanciais. A China pretende manter a situação estrutural que lhe é vantajosa e ceder em partes secundárias. Já os EUA precisam virar o jogo para se manterem no topo do mundo. A China leva vantagem nas transformações estruturais e de longo prazo. No curto prazo e nas mudanças conjunturais, os próximos meses vão mostrar como se desenrola os rumos desta disputa.
O ano de 2019 vai marcar os 70 anos da Revolução Chinesa e será uma oportunidade para o presidente Xi Jinping aparecer como o grande líder nacional e internacional. Mas os 70 ano da URSS também foram o início do colapso do regime que começou com a Revolução Bolchevique de 1917. Resta saber se atual Dinastia chinesa terá longevidade para chegar aos 100 anos ou vai sucumbir diante de forças internas e externas.
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A força de Xi Jinping e a busca chinesa pela liderança global no século XXI - Instituto Humanitas Unisinos - IHU