04 Janeiro 2019
“Ainda não é tarde demais para parar”: conclui-se assim a longa carta enviada na segunda-feira passada, 31 de dezembro de 2018, pelo patriarca de Moscou, Cirilo, ao Patriarca Ecumênico Bartolomeu, arcebispo de Constantinopla, sobre a recente criação da nova “Igreja Ortodoxa Autocéfala da Ucrânia”.
A reportagem é de Giovanni Zavatta, publicada por L’Osservatore Romano, 03-01-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O Patriarcado de Moscou considera a criação de tal entidade totalmente ilegítima e nula, porque, reitera-se, “o atual processo, politizado, de unificação forçada está longe das normas e do espírito dos sagrados cânones”. Por isso, Cirilo expressa “dor, estupor e indignação com as ações anticanônicas” que levaram, no dia 15 de dezembro, na Catedral de Santa Sofia, em Kiev, à realização do “concílio de unificação” e à consequente eleição do metropolita de Perejaslav e Belaya Tserkov, Epifânio (Dumenko), precisamente como “primaz da nova Igreja Ortodoxa Autocéfala da Ucrânia”.
Cirilo lembra que quem presidiu o “concílio”, além do Metropolita Emanuel, representante de Constantinopla, foi um leigo, isto é, o presidente da República da Ucrânia, Petro Poroshenko, e principalmente as lideranças da “Igreja Ortodoxa Ucraniana – Patriarcado de Kiev”, Filarete (Denisenko), e da “Igreja Ortodoxa Ucraniana Autocéfala”, Macário (Maletych), considerados pelos ortodoxos russos como cismáticos, ao contrário do Metropolita Onófrio, primaz da “Igreja Ortodoxa Ucraniana – Patriarcado de Moscou”, a única “canônica” de acordo com o patriarcado liderado por Cirilo.
Entre outras coisas, apenas dois dos 90 bispos dessa Igreja participaram do encontro de unificação, circunstância que levou Cirilo a dizer, dirigindo-se a Bartolomeu: “Os seus conselheiros tinham lhes assegurado que o episcopado da Igreja Ortodoxa Ucraniana (canônica) estava pronto para apoiar o projeto político das autoridades de Kiev, que um número considerável de bispos canônicos só esperavam a sua bênção para se separar da Igreja deles. Eu repetidamente lhe adverti” – escreve Cirilo, dirigindo-se diretamente a Bartolomeu – “que estava enganado. Nas suas decisões, o senhor se refere à vontade do povo ortodoxo ucraniano”, mas “foi a vontade da esmagadora maioria do clero e dos leigos, o verdadeiro povo eclesiástico da Ucrânia, que levou o episcopado da Igreja Ortodoxa Ucraniana (canônica) a não responder aos seus convites e a se recusar a participar do ‘concílio de unificação’ do cisma ucraniano”.
O patriarca de Moscou – em vista do dia 6 de janeiro, solenidade da Teofania, dia em que, no Fanar, Bartolomeu entregará “o tómos de constituição da nova Igreja autocéfala irmã” –, portanto, faz agora uma tentativa extrema, pedindo que o arcebispo de Constantinopla retroceda em relação às suas próprias decisões, para “salvaguardar a unidade da ortodoxia”.
Esse processo começou oficialmente no dia 11 de outubro, quando uma nota, divulgada no fim do Sínodo do Patriarcado Ecumênico, anunciou a vontade de Bartolomeu de prosseguir com a concessão da autocefalia da Igreja da Ucrânia, de restaurar o stauropegion do Patriarca Ecumênico em Kiev e de reintegrar canonicamente ao seu grau hierárquico ou sacerdotal Filarete Denisenko e Macário Maletych e os fiéis das suas Igrejas. Em resposta, alguns dias depois, Moscou rompeu a comunhão eucarística com Constantinopla.
Com o comunicado de 11 de outubro, Bartolomeu “revogou o vínculo jurídico” da carta sinodal de 1686, com a qual Constantinopla, “para as circunstâncias da época”, concedia ao patriarca de Moscou o direito de ordenar o metropolita de Kiev, eleito pela assembleia clérico-leiga da sua diocese, que, no entanto, “comemoraria o Patriarca Ecumênico em cada celebração da divina liturgia, proclamando e afirmando a sua dependência canônica da Igreja-mãe de Constantinopla”.
Na carta de 31 de dezembro, Cirilo faz referência explícita a esse documento, reivindicando, em vez disso, a sua validade. A partir desse texto, o Patriarcado de Moscou remonta a sua “jurisdição” sobre a metropolia de Kiev: “Vocês estão tentando reinterpretar o significado do complexo dos documentos assinados em 1686 pelo seu antecessor, o Patriarca Dionísio IV e pelo Sagrado Sínodo da Igreja de Constantinopla. A matéria de tais documentos históricos não causou desentendimentos entre as nossas duas Igrejas por centenas de anos. E agora vocês dizem para ‘revogar’ a carta patriarcal e sinodal, porque ‘as circunstâncias externas mudaram’”.
O apelo de Cirilo a Bartolomeu, no entanto, parece ser superado pelos fatos. Precisamente no dia 2 de janeiro, uma nota da Sagrada Arquidiocese Ortodoxa da Itália e Malta (que está sob a jurisdição canônica do Patriarcado Ecumênico) explicita que “o metropolita de Kiev e de toda a Ucrânia, Epifânio”, chegará em Istambul na manhã de sábado, 5 de janeiro, para visitar o Patriarca Bartolomeu. Naquele dia, Epifânio presenciará a doxologia (Te Deum) na igreja patriarcal e, em seguida, será oficialmente recebido na Sala do Trono, onde ocorrerá a “sagrada função de proclamação, com a assinatura do tómos, da autocefalia da santíssima Igreja da Ucrânia”. Também estará presente o presidente ucraniano, Poroshenko.
No domingo, 6 de janeiro, para a solene festa da Santa Teofania, o Metropolita Epifânio concelebrará com o Patriarca Bartolomeu, que, após a leitura do Evangelho, lhe entregará oficialmente o pergaminho de concessão da autocefalia.
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Autocefalia da Igreja Ortodoxa Ucraniana: carta de Cirilo a Bartolomeu - Instituto Humanitas Unisinos - IHU