23 Novembro 2018
No contexto da crise chilena, o destino do cardeal Errázuriz não é o que mais preocupa o Vaticano. Na Secretaria de Estado e no entorno do Papa incomodam especialmente as buscas que as autoridades judiciais conduziram sobre sedes de diversas dioceses do país, nos últimos meses.
A reportagem é de Andrés Beltramos Álvarez, publicada por Vatican Insider, 22-11-2018. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Francisco Javier Errázuriz será chamado para declarar como imputado pela justiça chilena. Ocorrerá em breve. O cardeal é acusado de encobrimento de abusos sexuais contra menores. Arcebispo emérito de Santiago, por anos o homem forte da Igreja em seu país, hoje enfrenta seu pior momento. Sua antiga relação de proximidade com Francisco está completamente quebrada. Por isso acaba de viajar a Roma para confirmar sua renúncia ao C-9, o conselho de cardeais assessores do pontífice. Mas no Vaticano outra coisa incomoda: A ‘espetacularização’ da justiça chilena à investigação dos abusos. A excessiva exposição midiática às operações de buscas em diversas dioceses do país. Como se a justiça buscasse recuperar credibilidade a custo de uma história trágica.
Errázuriz se apressou a certificar sua saída do C-9 antes de sua citação judicial e a formalidade da sua imputação. Assim, já ninguém poderia dizer que o Papa aceitava sua renúncia por “pressões judiciais”. Ainda que, na verdade, semanas atrás Francisco decidiu dar por terminada a participação do purpurado chileno nesse organismo. Porém a determinação não se faria efetiva, ao menos, até o próximo mês de dezembro quando está prevista uma nova sessão de trabalho do conselho.
Como explicou o mesmo arcebispo emérito em 14 de novembro à rádio chilena Cooperativa, nessas semanas se cumpriram os cinco anos que durava a primeira nomeação dos membros do C-9. Por isso, agregou, “fui a Roma para me despedir do Papa e agradecer a ele pelo fecundo trabalho que nos confiou para reformar a Cúria Romana”. Como era previsível, ele buscou por todos os meios desconectar a sua renúncia da crise dos abusos e apresentá-la como uma saída natural, mas a realidade manifesta outra coisa.
Porém, no contexto da crise chilena, o destino do cardeal Errázuriz não é o que mais preocupa no Vaticano. Na Secretaria de Estado e no entorno do Papa incomodam especialmente as buscas que, nos últimos meses, as autoridades judiciais conduziram sobre sedes de diversas dioceses do país.
Esta preocupação ficou manifestada em 13 de outubro, quando o presidente Sebastián Piñera foi ao Vaticano em visita oficial. O tema veio à tona na audiência privada com Francisco e na reunião posterior, também a portas fechadas, com o secretário de Estado, Pietro Parolin.
Em ambas as conversas, o mandatário deixou claro que, pela divisão de poder, ele não podia intervir na ação do Ministério Público. Ademais, enfatizou (várias vezes) a necessidade imperiosa de que a Igreja Católica recupere o prestígio de antigamente. Inclusive manteve seus pontos de vista, de forma reiterada, durante uma refeição que o presidente ofereceu a Parolin e uma delegação vaticana, no mesmo sábado, no Círculo de Xadrez de Roma.
O outro elemento que causou perplexidade e desagrado na Cúria Romana está relacionado com o excessivo protagonismo que assumiu Jorge Abbot, o Fiscal Nacional chileno na investigação dos abusos. Suas insistentes aparições na imprensa nacional, em algumas das quais acusou abertamente a Igreja de não ter vontade de cooperação, em Roma são consideradas desnecessárias e exageradas.
De imediato, ainda está pendente uma resposta do Vaticano à solicitação formal de colaboração judicial requerida avançada pelo Ministério Público chileno. Aproximadamente uns dois meses atrás foi entregue na Santa Sé uma carta rogatória, documento enviado (como indica o protocolo internacional) pelo Ministério das Relações Exteriores.
Esse texto pediu oficialmente informação específica no poder da Cúria sobre vários casos de abuso, além de solicitar uma cópia do chamado “Informe Scicluna”, o expediente redigido pelo arcebispo de Malta, depois da sua viagem ao Chile em fevereiro e no qual levantou testemunho de umas 50 pessoas.
Ao mesmo tempo, a rogatória propõe também a criação de algum tipo de instância de cooperação judicial estável, ou a assinatura de um memorando de cooperação penal, como normalmente ocorre nesses casos. Por agora, a primeira reposta vaticana foi protocolar, em espírito de colaboração, mas ainda não se avançou à entrega de informação pontual e ninguém sabe se isso acontecerá alguma vez. As rogatórias estão baseadas no princípio de cooperação e boa vontade, mas os Estados não estão obrigados a responder se não consideram procedente a solicitação.
Enquanto isso, diariamente seguem vindo à luz notícias sobre diligências judiciais em torno do caso de abusos no Chile. Uma ferida perenemente sangrenta. Em meio a essas discussões midiáticas, os bispos tiveram sua 117ª Assembleia Plenária, de 12 a 16 de novembro, durante a qual Santiago Silva Retamales, ordinário militar e presidente desse organismo, foi ratificado no posto depois de apresentar sua renúncia voluntária. Não houve uma votação formal sobre o particular, mas sim uma manifestação geral sobre o desejo de sua continuidade ainda que ele se encontre entre os clérigos imputados por suposto encobrimento.
Nessa reunião, os bispos também estudaram o esboço de um acordo de colaboração mútua com o Ministério Público para a investigação dos delitos de abusos contra menores cometidos no seio das instituições da Igreja católica. Segundo anteciparam fontes oficiais, o documento deveria ser firmado nas próximas semanas.
Segundo dados difundidos pela imprensa no Chile, que citam fontes do Ministério Público, até o momento existem 139 investigações em curso contra 190 membros da Igreja no Chile, delitos que haveriam afetado 245 vítimas, das quais 102 eram menores de idade no momento dos fatos.
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Abusos no Chile: a ação da justiça que incomoda o Vaticano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU