28 Setembro 2018
Nos Estados Unidos, o juiz escolhido pelo presidente Donald Trump para ocupar o cargo na Suprema Corte, Brett Kavanaugh, se prepara para ser sabatinado diante do Senado dos Estados Unidos. Contudo, uma acusação de agressão sexual na década de 1980 contra Kavanaugh feita por Christine Blasey Ford levanta questão sobre as escolas jesuítas.
A reportagem é de Peter Feuerherd, publicada por National Catholic Reporter, 27-09-2018. A tradução é de Victor D. Thiesen.
O que está nos holofotes agora é a suposta cultura de camaradagem e a atmosfera de "lugar selvagem", atribuídos à Escola Preparatória da Georgetown University, em Washington D.C., na qual Kavanaugh se formou em 1983. A Escola é alvo de um intenso debate por conta dos anuários daquela época repletos com mensagens codificadas e referências enigmáticas a mulheres e a grandes festas.
Desde que as alegações de Blasey Ford foram tornadas públicas, a atmosfera na Escola da Georgetown da década de 1980 foi descrita como um lugar que servia para jovens consumirem bebidas alcoólicas e para supostas relações sexuais.
"O que acontece na Escola Preparatória da Georgetown fica na Escola Preparatória da Georgetown", brincou Kavanaugh em um evento de 2015 na Universidade Católica da América. Uma espécie de brincadeira amigável entre amigos?
Respostas diferentes refletem o tumulto social que a sabatina de Kavanaugh agravou.
Um amigo de escola de Kavanaugh, Mark Judge, é acusado de testemunhar o ataque alegado por Blasey Ford. Tanto o juiz quanto seu amigo dizem que foram acusados falsamente.
Judge é o autor de duas memórias que retratam a vida na Preparatória da Georgetown, com histórias de estudantes que gostavam de beber e de conquistas sexuais.
Terrance MacMullan, professor de filosofia na Eastern Washington University, formado em 1990 pela Escola da Georgetown, disse ao The Washington Post que a misoginia era uma realidade na escola.
“As mulheres assumiram esse papel mítico, fetichizado em nossas vidas. Havia essa ideia de que, uma vez embriagadas, estavam realmente disponíveis. Essa era uma das más ideias que eu tinha sobre as mulheres enquanto eu estava lá", disse MacMullan.
A atmosfera é atribuída a uma instituição que historicamente educou os filhos da elite de Washington e agora cobra 37.215 dólares (cerca de 150 mil reais) anuais (um quarto dos estudantes recebe ajuda financeira, diz a escola). Essa atmosfera dos anos 80 tem pouca semelhança com a Escola Preparatória de hoje, escreveu o padre jesuíta James Van Dyke, diretor da escola, numa carta no dia 21 de setembro para "Famílias, amigos, estudantes e ex-alunos".
Sem mencionar o nome de Kavanaugh, Van Dyke defendeu a reputação da escola, escrevendo que ela é tanto desafiadora academicamente quanto forma deliberadamente uma consciência social através de projetos de serviço comunitário.
"Vemos em nossos estudantes o enorme potencial para construir um mundo melhor, mais gentil e mais justo", escreveu Van Dyke.
Ele elogiou os estudantes da Preparatória da Georgetown que ensinam estudantes de baixa renda na Washington Jesuit Academy em D.C., e participam das Olimpíadas Especiais além de projetos de serviço no exterior.
Van Dyke escreveu que a escola está consciente sobre o que ele descreveu como ideias distorcidas sobre o significado da masculinidade.
"É um momento para continuar nosso trabalho com as pessoas, no desenvolvimento de um senso próprio e uma saudável compreensão da masculinidade em contraste com muitos dos modelos culturais e caricaturas que eles veem", escreveu ele.
"É hora de falar com os alunos de forma honesta e direta sobre respeito, especialmente pelas mulheres e outras pessoas marginalizadas, em termos muito práticos - em ações e palavras", continuou Van Dyke.
"Uma das lições mais importantes que nos esforçamos para ensinar aos nossos alunos é uma ética de serviço, compaixão e solidariedade com os necessitados", escreveu Van Dike, afirmando que a Preparatória da Georgetown é uma escola de elite neste sentido.
A controvérsia repercutiu para além de Washington D.C., já que outros líderes de escolas preparatórias dos jesuítas responderam nas últimas semanas defendendo suas sedes.
O padre jesuíta Christopher Devron, diretor da Preparatória da Fordham no Bronx, Nova York, escreveu para revista America que sua escola não é elitista ou privilegiada. Inclui meninos de famílias de imigrantes e se concentra no desenvolvimento espiritual.
Alguns críticos dizem que as instituições precisam fazer mais para combater as atitudes sexistas.
John Slattery, que escreve sobre ciência e teologia residente de Washington D.C., formado pela Escola Secundária Jesuíta em Nova Orleans, pela Universidade de Georgetown, em Washington, e na Universidade de Notre Dame, em Indiana, onde obteve um doutorado em teologia. Ele disse ao NCR que todas as escolas preparatórias jesuítas masculinas precisam formular melhor os valores que promovem o respeito pelos outros.
Segundo Slattery, a atmosfera elitizada de tais instituições reforçam "que esses jovens podem ter seu caminho no mundo, embora o resultado possa ser misoginia e racismo. Apontar os bons trabalhos dos estudantes não é suficiente”.
"A única maneira desses problemas serem contidos é se isso for reconhecido e enfrentado de frente", ressaltou.
“A misoginia tem que ser erradicada desde o início. Eu diria o mesmo para o racismo. As escolas jesuítas deveriam reconhecer os erros de décadas passadas e abordar o sexismo nas aulas e em atividades externas”, disse Slattery.
John Gehring, diretor de programas católicos da Faith in Public Life em Washington, D.C., enfatizou pontos semelhantes em um artigo publicada por Commonweal.
Gehring elogiou o mote jesuíta de "Homens para os outros", focado na espiritualidade e no serviço.
"Os valores ensinados também existiam em outro contexto raramente reconhecido mas sempre presente: uma cultura em que jovens nascidos em lares privilegiados são mais confiantes comparado aos que sabiam instintivamente que a sociedade estava organizada para os desprestigiar", escreveu Gehring.
Em um jogo de futebol americano durante seus anos de colegial, sua escola jesuíta perdeu para uma escola secundária e em grande parte afro-americana. Os alunos da escola jesuíta responderam com um canto: "Tudo bem, tudo bem, você vai trabalhar para nós um dia!"
"O canto vergonhoso, cuspido de uma forma pejorativa por parte de meus colegas ainda ecoa na minha cabeça - décadas depois", completou Gehring.
A cultura das escolas preparatórias católicas, escreveu Gehring, pode ser "moldada por uma masculinidade tóxica".
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Caso de juiz indicado por Trump para a Suprema Corte sugere renovações em escolas jesuítas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU