13 Novembro 2014
"Se os bispos conseguem organizar paradas para reunir os fiéis contra a cobertura da contracepção e despejar recursos para lutar contra o casamento civil para casais do mesmo sexo, por que não conseguem encontrar a sua voz moral em favor da dignidade econômica? O Vaticano está dando muitas voltas à frente dos líderes da Igreja dos Estados Unidos. É hora de eles andarem mais depressa".
A opinião é de John Gehring, diretor do programa católico Faith in Public Life e ex-diretor adjunto de relações com a mídia da Conferência Episcopal dos Estados Unidos. O artigo foi publicado por National Catholic Reporter, 11-11-2014. A tradução é de Claudia Sbardelotto.
Eis o texto.
Você poderia pensar que com o Papa Francisco fazendo da justiça econômica uma peça central de seu papado, os bispos dos Estados Unidos iriam despertar de seu sono quando se trata de abordar a desigualdade de renda extrema. Nem tanto. A reunião nacional dos bispos esta semana em Baltimore, traz à mente a velha piada do grande Yogi Berra, dos Yankee: "É de novo um déjà vu".
A agenda oficial tem como foco a liberdade religiosa, o casamento homossexual e as preocupações pró-vida. Essas são todas as questões importantes para os líderes da igreja e elas têm dominado o engajamento dos bispos na vida pública há vários anos. Novamente ausente da pauta é qualquer discussão substantiva sobre a pobreza, a desigualdade ou os direitos dos trabalhadores. Desde a Grande Recessão, os bispos não têm conseguido falar com uma voz coletiva sobre as dimensões morais da insegurança econômica. O silêncio é ensurdecedor. Está também em contraste com as mensagens ousadas provenientes do Vaticano.
O Papa Bento XVI advertiu sobre o "escândalo das desigualdades gritantes" em uma encíclica de 2009. Em 2011, uma análise detalhada do Vaticano foi tão oportuna que apontou para a "bolha especulativa no mercado imobiliário" e a "tendência para desregulamentar as atividades bancárias e financeiras" e apelou para a criação de um imposto sobre transações financeiras que geraria um "fundo de reserva do mundo" para apoiar as economias dos países atingidos pela crise financeira. O Papa Francisco desafia os fundamentalistas do mercado que defendem as teorias "trickle-down", denunciando a "nova tirania" do capitalismo desenfreado e chama a desigualdade de "a raiz dos males sociais".
A Conferência dos Bispos dos Estados Unidos parece menos inspirada. Poucos meses após o lançamento da campanha Fortnight for Freedom [Quinzena da Liberdade], um esforço nacional coordenado para reunir os católicos para combater a cobertura da contracepção no Affordable Care Act, os bispos em sua assembléia nacional, em 2012, estavam acentuadamente divididos para redigir uma declaração sobre a justiça econômica. O projeto de documento intitulado "The Hope of the Gospel in Difficult Times" [A esperança do Evangelho em tempos difíceis] nunca viu a luz do dia.
O debate extraordinariamente mal-humorado sobre esse documento durante uma sessão pública da reunião ressaltou as fissuras geracionais e ideológicas na hierarquia. Os bispos progressistas criticaram o projeto de declaração por sua incapacidade de enfrentar substantivamente as causas estruturais da pobreza ou oferecer uma resposta clara enraizada em séculos de ensinamentos sociais da Igreja Católica.
"Por que não confrontar o crescente abismo entre os que têm e os que não têm?", perguntou o arcebispo aposentado Joseph Fiorenza, ex-presidente da conferência.
Ele observou que só havia uma única referência ao direito dos trabalhadores à sindicalização. "É quase como se fosse uma reflexão tardia", disse ele. "Mas quando você olha para o compêndio dos ensinamentos sociais da Igreja, há três longos parágrafos sobre o direito de organização, o direito à negociação coletiva e o direito de greve".
Fiorenza apontou que não havia "nem mesmo uma nota de rodapé" sobre a carta pastoral seminal dos bispos de 1986, "Economic Justice for All" [Justiça Econômica para Todos], que durante o coração da "Revolução Reagan", desafiou o absolutismo do mercado e a ideologia anti-governo. Outros bispos pareciam se perguntar por que havia uma necessidade de dizer qualquer coisa, uma visão emblemática de uma nova geração de líderes mais conservadores da Igreja.
Há sinais de esperança que podem ser vistos em algumas lideranças importantes na hierarquia. A nova escolha do papa para liderar a arquidiocese de Chicago, Dom Blase Cupich, chamou a crescente desigualdade "um barril de pólvora que é tão perigoso quanto a crise ambiental que o mundo enfrenta hoje".
O bispo Robert McElroy, de San Francisco, que tem um doutorado em ciência política pela Universidade de Stanford, fez da questão uma prioridade. "A afirmação do Papa Francisco de que os níveis flagrantes de desigualdade são uma profunda injustiça, em vez de uma parte necessária da ordem natural é o atrito central que fundamenta a rejeição da mensagem do papa dentro dos Estados Unidos", ele escreve na revista America. "Quando a nação mais rica da Terra tem o maior nível de desigualdade de renda entre os países altamente desenvolvidos, isso é injustiça, não ordem natural. Quando os 85 indivíduos mais ricos do mundo possuem mais riqueza do que os 3,5 bilhões mais pobres, isso é injustiça, não ordem natural".
A justiça econômica e a desigualdade não podem ser facilmente descartadas como causas liberais de estimação. Os conservadores sociais e líderes do movimento pró-vida devem reconhecer que, se eles falam seriamente sobre a proteção da dignidade humana e da inviolabilidade da vida, essas preocupações fundamentais não se restringem ao útero. O Papa Francisco argumentou que uma "economia de exclusão e de desigualdade ... mata." Há pesquisas que apoiam sua alegação. A expectativa de vida para os pobres é bem menor que a dos ricos, e novas evidências estão surgindo de que o Affordable Care Act - oposição de muitos pró-vida - não trata apenas da expansão do acesso à assistência de saúde, mas também da redução da desigualdade.
Se os bispos conseguem organizar paradas para reunir os fiéis contra a cobertura da contracepção e despejar recursos para lutar contra o casamento civil para casais do mesmo sexo, por que não conseguem encontrar a sua voz moral em favor da dignidade econômica? O Vaticano está dando muitas voltas à frente dos líderes da Igreja dos Estados Unidos.
É hora de eles andarem mais depressa.
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Será que os bispos dos EUA vão começar a falar sobre a desigualdade de renda? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU