24 Setembro 2014
Os desafios que a Igreja Católica enfrenta nos EUA exigem líderes que sejam “realistas” e que não “fiquem presos vivendo em nosso mundo próprio apenas”, contou ao National Catholic Reporter o novo arcebispo de Chicago em entrevista exclusiva.
A entrevista é de Joshua J. McElwee, publicada pela National Catholic Reporter, 21-09-2014. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
“Não podemos basear nossas decisões num passado onde as coisas eram diferentes”, disse o arcebispo designado Blase Cupich, nomeado sábado pelo Papa Francisco como o novo líder católico da Arquidiocese de Chicago. “Acho que aqui é onde iremos enfrentar problemas”.
Cupich, 65, bispo de Spokane, Washington, desde 2010, vai suceder o cardeal Francis George, 77, como arcebispo de Chicago numa missa no dia 18 de novembro.
Ao descrever-se principalmente como o “filho de meus pais”, Cupich também disse ser alguém que vai “trabalhar com o sistema” mas que igualmente irá buscar “uma nova forma na qual as coisas precisam avançar, seguir em frente".
O novo cargo trará um destaque especial ao líder religioso, natural de Omaha, Nebraska, visto que Chicago é a terceira diocese católica mais populosa nos EUA e historicamente uma das mais importantes, desempenhando um importante papel no episcopado americano e em Roma.
Antes de trabalhar em Spokane, Cupich serviu como bispo de Rapid City, South Dakota, de 1998 a 2010. Atualmente é o presidente da Associação Católica Nacional de Educação.
Entre os assuntos que o arcebispo designado discutiu na entrevista estão:
• Como o Papa Francisco está desafiando-o como sacerdote e bispo:
O papa, disse Cupich, “levou-me a avançar, com passos mais ousados, em relação a onde eu estava antes. (...) Ele tem me enriquecido (...) de uma forma que jamais imaginei”, falou.
• Como os cristãos deveriam “lançar-se ao desconhecido”:
“Não temos todas as respostas aos problemas e desafios inquietantes que enfrentamos”, disse. “Mas isso não deveria nos impedir de tentar seguirmos em frente, pois é exatamente no desconhecido onde verdadeiramente encontramos Cristo”.
Cupich falou ao National Catholic Reporter via telefone direto de Omaha, onde foi passar o domingo com sua família.
Eis a entrevista.
Sabemos que o senhor foi informado sobre a nomeação a cerca de 10 ou 11 dias atrás. Qual tem sido o seu sentimento desde então?
É claro que o sentimento inicial sobre a nomeação foi de surpresa, porque, na verdade, não estava esperando por isso. Havíamos recém completado um processo de planejamento pastoral em Spokane e eu estava prestes a publicar uma carta pastoral, e então era aí onde minhas energias estavam focadas.
De modo geral, foi uma surpresa por aqui. Desde então, trago isso em minhas orações a Cristo para me acalmar. Naquela manhã em que dei uma coletiva de imprensa [em Chicago], dormi bem na noite anterior e me levantei aproximadamente às 6 da manhã; passei uma hora e meia na capela e então percebi que não deveria ter medo do fato de que provavelmente cometerei alguns equívocos.
Na coletiva que concedi me senti muito à vontade com tudo. Esta situação ainda é novidade, mas estou tentando ser apenas mim mesmo e estar à vontade neste momento.
Para o senhor é como um retorno à sua região de origem, pois o senhor nasceu e viveu em Omaha, também no Centro Oeste do país. Como se sente com isso? O que significa retornar para a região de onde veio?
É legal. Realmente, tenho familiares próximos em Milwaukee assim como em Omaha e, desse ponto de vista – um ponto de vista humano –, é mesmo reconfortante. Vim para Omaha sábado de noite para ficar com a família, e hoje passaremos o dia juntos.
Participei de uma missa na paróquia de onde meus pais vieram e que eles fundaram, a Paróquia Sts. Peter e Paul. Na verdade, este é um dos motivos por que escolhi o dia de festa da dedicação das Basílicas de São Pedro e São Paulo [18 de novembro] para realizar a minha instalação.
Então, é um momento em que posso encontrar apoio das pessoas que andaram comigo desde o início e onde a minha vocação começou. Portanto, para mim foi uma boa oportunidade poder vir para cá.
Vendo a sua coletiva de imprensa, quando os jornalistas perguntaram sobre o seu estilo ou sua reputação na Conferência dos Bispos, o senhor respondeu que tudo o que poderia ser era o senhor mesmo. Vou fazer uma pergunta um pouco estranha: mas quem é Dom Blase Cupich? Quais são suas características definidoras? Como as pessoas o conhecem?
Bem, creio que ou o filho de meus pais. Acho que tudo o que aprendi em termos de trabalho com as pessoas e responsabilização são coisas que aprendi com eles: trabalhar muito, rezar, respeitar as pessoas, perceber que não tenho todas as respostas, que Deus cuidará da situação se confiarmos nele. Então, acho que sou o filho dos meus pais.
Posso contar duas anedotas?
Sim, com certeza.
A primeira é: Lembro de quando eu tinha, provavelmente, uns 8 anos de idade, era um sábado de noite; e, claro, sábado de noite era quando todos tomávamos o nosso banho e íamos à Igreja no dia seguinte. No dia seguinte, minha mãe preparava tudo para a missa.
Meus pais, isso foi na década de 1950, prometeram doar à igreja 3 dólares aos domingos, o que era um monte de dinheiro porque meu pai era um simples carteiro e eram muitos os filhos: talvez já eram sete dos nove que seríamos.
E ela se lembrou: “Olhe, o pai de vocês vai receber na segunda-feira”. Eram os últimos 3 dólares dela; assim, foi aquele senso de confiança e pertença a uma comunidade. Foi um compromisso comunitário que, realmente, me impressionou. Guardo muitas boas lembranças daquele tempo.
A outra história envolve o meu pai. Ele estava com 48 anos e começou a ter o mal de Parkinson. Então precisou parar de trabalhar. Depois, recuperou-se e começou a tomar um bom medicamento, podendo trabalhar, realizar serviços voluntários.
Assim, ele ia visitar as pessoas de porta em porta, principalmente na zona rural. Aí percebeu que os padrões nutritivos dessas pessoas estavam muito baixos. Na época, havia um programa novo chamado “Meals on Wheels” e que estava disponível para os estados da União. Então, ele foi ao conselho do condado local e pediu para participarem do programa. Houve uma resistência inicial porque iria ter certa burocracia a ser superada, e os funcionários não quiseram se incomodar com isso.
E ele então fez o que qualquer croata que se preze faria – e ele era 100% croata, assim como eu. Indignou-se e decidiu se candidatar-se a um cargo público. E assim o fez, vencendo por apenas um punhado de votos, atuando por três mandatos, tornando-se presidente do conselho local e então adotaram o programa Meals on Wheels.
Estas são duas anedotas que me vêm à mente quando as pessoas querem saber quem sou. Quando elas querem saber isso, digo que precisam conhecer meus pais.
Na história de sua mãe, o senhor disse que ela tinha um senso de confiança na Igreja. Ao ouvir isso, fiquei pensando que estamos num momento em que este senso de confiança na Igreja não está tão presente quanto costumava estar. O que o senhor pensa disso?
Sim, acho isso também. Acho, no entanto, que há uma desconfiança geral nas instituições porque elas parecem faltar com a gente às vezes. Mas parte disso é porque temos ciclos de notícias durante 24 horas por dia, 7 dias por semana; sempre estão em busca de coisas erradas, seja com as pessoas ou instituições. E sempre irão destacar os erros. Penso que isso cria uma desconfiança nas pessoas, nos líderes e nas instituições.
Costumávamos estar mais distantes dessa prática em termos de nos permitir sermos mais indulgentes para com os erros das pessoas em geral. Realmente precisamos nos certificar de que temos transparência e reportagens contundentes quando coisas importantes estiverem erradas, mas às vezes podemos nos tornar um tanto detalhistas e olharmos apenas para os erros e fraquezas dos envolvidos, apagando a confiança geral nos líderes, nas instituições.
Então, acho que existe hoje uma desconfiança geral das instituições e, às vezes, dos líderes.
Nesse sentido, sei que Chicago, assim como muitas outras dioceses nos EUA, está enfrentando uma série de questões: problemas econômicos, escassez de padres, mudanças populacionais. Quais lições o senhor aprendeu sobre este tipo de assunto em Spokane e Rapid City que poderiam lhe ajudar em Chicago?
Eu diria que tanto em Rapid City quanto em Spokane estamos lidando com recursos limitados, recursos humanos e financeiros, além de outros. Penso que precisamos ser realistas. Não podemos basear nossas decisões num passado onde as coisas eram diferentes. “Acho que é aqui onde iremos enfrentar problemas”.
Caso não fizermos, de fato, um cálculo sobre como está a situação nas atuais circunstâncias, cairemos numa ideologia sobre as coisas ou vamos nos iludir com a forma como as elas deveriam ser por causa do passado. Penso que o papa tem sido bastante claro. Uma das frases que ele usa é: “As realidades são maiores do que as ideias”.
Acho que o papa está nos dando uma nova epistemologia, uma nova forma de aprendizagem, de conhecimento.
Podemos realmente sermos pegos vivendo em nosso próprio mundo de ilusão de como as coisas eram no passado.
É importante não termos apenas um ponto de vista sobre a vida, mas de fato estarmos aí, na realidade da situação e prestarmos atenção ao que está em nosso redor.
Para mim, isso tem a ver com a sua última carta pastoral em Spokane, intitulada “Joy Made Complete”. Ao ler este texto, fui surpreendido por uma de suas conclusões, de que os católicos deveriam “lançar-se ao desconhecido e em territórios não demarcados, confiando uns nos outros em partilhar a responsabilidade e posse da Igreja”. O que isso significa para o senhor?
Quer dizer que não temos todas as respostas aos problemas e desafios inquietantes que enfrentamos. Mas isso não deveria nos impedir de tentar seguirmos em frente, pois é exatamente no desconhecido onde verdadeiramente encontramos Cristo, que é diferente.
Temos uma bela passagem bíblica no dia de hoje que diz que nossos caminhos não são os caminhos de Deus. Ora, às vezes hesitamos em nos lançarmos ao desconhecido porque não temos controle da situação – quando, de fato, trata-se mesmo de um convite a respeitar o fato de que o Deus incognoscível está trabalhando em nossas vidas e nos chamando para um futuro que não estamos criando, mas que ele está fazendo para nós.
Porém, a forma como devemos fazer isso é em mutirão. Não podemos forçar as pessoas a fazerem as coisas só porque achamos que seja assim que devem ser feitas. Precisamos realmente ser peregrinos. Portanto estarei confiante caso fiquemos juntos e rezarmos – permitir que Deus toque nossos corações – para que Ele desdobre um futuro para nós. Não deveríamos ter medo disso.
Também ao ler sua carta pastoral, fiquei surpreso com as citações feitas a partir da “Evangelii Gaudium” (A Alegria do Evangelho), exortação apostólica do Papa Francisco. Em seu âmbito, qual a influência do Papa Francisco em seu trabalho como sacerdote ou como bispo? Como o trabalho dele influencia o seu?
Primeiramente, costumo dizer que estas coisas que o papa fala eu venho dizendo há 40 anos. Mas daí penso que seria muito lisonjeiro. Creio que ele está me desafiando pessoalmente em termos de estilo de vida, em termos de ser respeitoso com as pessoas que podem ter uma opinião diferente sobre como vemos o nosso papel de liderança, não apenas falando-lhes sobre o que diz o Evangelho mas trazendo-as ao encontro de Jesus e as acompanhado.
Disse na coletiva ontem que, durante 40 anos de sacerdócio, aprendi que uma grande verdade: as pessoas vêm aos padres e ministros porque elas já descobriram que Deus é verdadeiro. E querem que nós confirmemos isto, confirmemos esta convicção, este encontro – mas também querem que nutramos este sentimento.
Acho que isso é uma coisa realmente importante para todos nós. Ou, como o papa certa vez declarou: “Deus já está trabalhando – o Espírito Santo já estava aí antes de chegarmos”. A ênfase do papa aqui me forçou a avançar, com passos mais ousados, em relação a onde eu estava antes.
Talvez seja eu que sou simpático com aquilo que ele vem dizendo. Ele tem, porém, me enriquecido de uma forma que jamais imaginei. Ele tem me posto a aprofundar em minhas reflexões e ações.
O senhor também fala sobre o que o papa está fazendo na Igreja americana de forma geral. Penso no arcebispo de Indianápolis, Dom Joseph Tobin, que em junho disse que os bispos dos EUA estão tendo um pouco de dificuldade em compreender o pontífice, que eles podem mesmo estar sendo “desencorajados” ou “desafiados” no atual papado. O que o senhor pensa sobre isso?
Vi estes comentários de Dom Joseph Tobin, e sei que ele tem falado com muito mais pessoas do que eu sobre o assunto. Eu ainda não ouvi esta crítica. Não me chegou nenhuma crítica ou dificuldade que outras lideranças poderiam estar tendo.
Penso que, em geral, ao menos onde moro, há um grande entusiasmo pelo que o papa está dizendo. Eu percebi isso também nas pessoas – padres e bispos – da região onde tenho atuado. Então, acho que ele [Tobin] está falando a partir da sua própria experiência.
Na coletiva, o senhor explicou por que escolheu o dia 18 de novembro, a festa da Dedicação das Basilicas dos santos Pedro e Paulo, como o dia da sua missa de instalação. O senhor disser ter uma relação pessoal com eles, mas depois também mencionou que se tratava de uma forma de homenagear as religiosas, pois há uma congregação...
Santa Filipina Duchesne. É também o dia dela. Esta religiosa fundou Sociedade do Sagrado Coração.
Em relação às religiosas, pergunto: Como enxerga as lutas que as religiosas americanas enfrentam hoje, em especial as críticas do Vaticano?
Eu me lembro das irmãs que me ensinaram. Posso nomear cada uma das irmãs que me deram aulas na escola, e portanto tenho um grande apreço, carinho por elas. E o mesmo podem fazer meus irmãs e irmãs. Minha mãe podia falar sobre as irmãs que deram aulas para ela. Nos últimos anos de sua vida, ela lembrava essas coisas.
Então, há um carinho aí que é parte de nossa família e parte de minhas memórias. E continuo tendo, realmente, um profundo apreço pelas irmãs que trabalham em nossa região. Acho que quero só celebrar esta memória maravilhosa em nossa família, que foi parte de nossa experiência de vida paroquial. E é daí que veio este carinho pelas irmãs.
Obviamente, o senhor tem algumas semanas antes da missa de instalação. Qual sua prioridade até lá? O que irá procurar fazer para se preparar?
Vou voltar para casa e conversar com as pessoas aí, em Spokane. Ficarei em Chicago esta semana para um encontro dos bispos e depois retorno. Provavelmente darei uma coletiva de imprensa ao chegar. Por fim, vou reunir os funcionários e encaminhar a questão da transição.
Então, penso que agora é organizar a transição, tanto em Spokane quanto em Chicago. Creio que seja esta a prioridade agora. Não vou tomar nenhuma decisão importante neste momento – o cardeal está em seu pleno poder assim como o arcebispo até o dia 18.
A Santa Sé fez algumas acomodações para nós, visto que ainda temos alguns ajustes a fazer e que precisaremos da autoridade do bispo residencial. Portanto, acho que a transição será, mesmo, a prioridade.
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Novo arcebispo de Chicago: “Lançar-se ao desconhecido” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU