25 Setembro 2018
"Pequim retoma a iniciativa para relações diplomáticas com a Santa Sé. Roma responde positivamente e pretende afirmar o seu direito para estabelecê-las também com as nações não-cristãs, mas a França dessa vez pressiona Pequim (não mais a Santa Sé, com a qual, neste período, havia rompido relações diplomáticas, que serão restauradas em 1921) e deve-se assim postergar"
O artigo é de Federico Lombardi, jesuíta, publicado por L'Osservatore Romano, 22/23-09-2018. A tradução é de Luisa Rabolini.
Após a primeira Guerra do ópio (1839-1842), no quadro da fragilidade do império chinês e do surgimento do poder político, militar e econômico das potências ocidentais na China com os tratados conhecidos como "desiguais", estabelece-se o protetorado francês sobre as missões da Igreja Católica, que diz respeito tanto a católicos estrangeiros como nativos. A ligação com a França (para os católicos, e analogamente com outras nações para outras confissões cristãs) reforça em grande parte da sociedade chinesa a ideia do cristianismo como uma religião estrangeira, e, consequentemente, atrai para os cristãos o ódio xenófobo.
A Santa Sé, por sua vez, está ciente da necessidade de formar um clero autoctone e, desde a metade do século XIX, começa a falar sobre do tema das relações com a China. Durante o pontificado de Leão XIII por iniciativa chinesa em 1886, ocorre uma tentativa de estabelecer "relações amistosas". Mas o papa se recusa a enviar um núncio por causa da oposição do governo francês e por temor de reações negativas por parte dos católicos franceses. No entanto, torna-se cada vez mais claro que o protetorado condiciona a Igreja. Em 1900-1901 a explosão xenófoba da Guerra dos Boxers, durante a qual cerca de trinta mil católicos são trucidados, por um lado mostra a necessidade de proteção dada a inconfiabilidade do governo chinês da época, mas, pelo outro, confirma que os protetorados ocidentais tornam o cristianismo impopular para muitos chineses. Em 1912 termina o império e inicia-se a República chinesa.
O pontificado de Bento XV demonstrou um visão de longo alcance sobre o tema das missões e uma clara conscientização da necessidade de superar os condicionamentos da Igreja na era colonial, e nesta perspectiva, a China tem um lugar decisivo: o cristianismo não deve mais ser percebido como uma religião estrangeira. A carta apostólica Maximum illud de 30 de novembro de 1919, considerada a magna charta do novo curso das missões, é elaborada principalmente com base na experiência chinesa.
Pequim retoma a iniciativa para relações diplomáticas com a Santa Sé. Roma responde positivamente e pretende afirmar o seu direito para estabelecê-las também com as nações não-cristãs, mas a França dessa vez pressiona Pequim (não mais a Santa Sé, com a qual, neste período, havia rompido relações diplomáticas, que serão restauradas em 1921) e deve-se assim postergar.
Pio XI prossegue com grande decisão sobre a linha traçada por seu antecessor. Em 1922, envia Dom Celso Costantini como primeiro delegado apostólico na China. Ele desvincula-se de qualquer proteção europeia, celebra em 1924 o concílio de Xangai e prepara as primeiras ordenações de seis bispos chineses, que serão realizadas em Roma pessoalmente por Pio XI em 28 de outubro de 1926, como uma demonstração clara da vontade de criar uma Igreja local na China. Costantini também realiza várias tentativas para estabelecer relações diplomáticas que, no entanto, não têm resultado, e em 1933 retorna para Roma, onde será secretário da Propaganda Fide, mas este período representa um grande progresso na inculturação e levará, em 1939, para o definitivo e arquivamento oficial da secular controvérsia dos ritos chineses, que pesava tão negativamente sobre os eventos da Igreja Católica no país nos séculos anteriores.
A situação política na China é extremamente turbulenta (invasão japonesa, ascensão do partido comunista, conflito interno) e finalmente explode a Segunda Guerra Mundial. Mas o pontificado de Pio XII continua na mesma linha em relação à Igreja na China e às relações diplomáticas com a República chinesa. Em 1942, ocorre a abolição definitiva dos tratados "desiguais" e, portanto, do protetorado francês. No mesmo ano, as relações diplomáticas entre a China e a Santa Sé são anunciadas. Após o fim do conflito mundial, no início de 1946, é indicado o primeiro cardeal chinês, o verbita Thomas Tien Ken-sin. Também em 1946, é instituída a hierarquia episcopal na China, de acordo com a estrutura ainda indicada no Anuário Pontifício, que compreende 20 arquidioceses, 85 dioceses e 34 prefeituras apostólicas.
Em 1946, monsenhor Antonio Riberi é credenciado como internúncio junto ao governo nacionalista de Chiang Kai-shek em Nanquim. Quando o novo regime assume o poder em 1949, o representante pontifício não se transfere para Taiwan com o governo anterior, mas permanece no continente e convida os missionários estrangeiros a permanecer.
Mao Tsé-Tung toma o poder e a República Popular da China é fundada. Em 1º de julho de 1949, o Santo Ofício condena o comunismo: o alvo específico é a situação europeia, mas a condenação tem um valor geral e, portanto, expressa a posição da Igreja contra a ideologia do novo regime. Nos primeiros anos da nova república, a situação do país se desenvolve de uma forma muito complexa: a Guerra da Coreia, a reforma agrária, o plano quinquenal.
Pelo que concerne o tema religioso, em 1950 é lançado o Movimento de Reforma das três autonomias (autogoverno, automanutenção financeira, autodifusão), com algum sucesso entre os protestantes, mas não entre os católicos. Em janeiro de 1951, é constituído o Escritório de Assuntos Religiosos. Depois de uma campanha de imprensa extremamente violenta, o internúncio Riberi é obrigado a deixar o país em 5 de setembro de 1951. Também os missionários católicos estrangeiros são quase todos expulsos entre 1951 e 1954.
Pio XII com a carta apostólica Cupimus imprimis (1952) responde ao Movimento das três autonomias. Este, de fato, fracassa em relação à Igreja Católica, e é lançado um novo movimento anti-imperialista de amor pela pátria e pela religião. Com a Encíclica Ad Sinarum gentem (1954), Pio XII condena o "movimento patriótico" em todas as suas formas, e em relação ao documento anterior, trata-se de uma reprovação mais explícita e articulada.
Em 1955, são presos o bispo de Xangai, Ignatius Gong Pinmei, e muitos outros. Ao mesmo tempo, outros católicos concordam em aderir e participar da vida política. Em 1956-1957, Mao Tzé-Tung lança a Campanha do Desabrochar das Cem Flores para melhorar a relação entre o poder e as massas. Ocorre assim, a libertação de católicos presos e uma breve melhora no clima. Neste contexto, é fundada a Associação Patriótica dos Católicos Chineses, em 1957, e acontecem as primeiras ordenações episcopais sem mandato pontifício. Inicia-se então o chamado "catolicismo oficial". Até outubro de 1958, mais de 20 bispos serão ordenados dessa maneira.
Com a Encíclica Ad Apostolorum principis (1958), Pio XII reivindica o patriotismo dos católicos chineses, mas rejeita a Associação Patriótica. Quanto às ordenações sem mandato pontifício, é esclarecido que são ilegítimas, mas válidas.
João XXIII, nos primeiros tempos de seu pontificado, referindo-se à situação chinesa fala de "cisma", mas sua atitude logo muda. Entre o final de 1958 e início de 1960 uma reflexão mais profunda leva, de fato, à convicção de que não se deve falar de "cisma", uma vez que não há desejo cismático por parte do clero chinês.
O contexto chinês em 1959-1960 é complexo: fracassa o Grande salto para frente lançado em 1958 por Mao, que acaba tendo que renunciar à presidência do Estado, acontece a insurreição no Tibete, entre a China e a União Soviética se concretiza a ruptura e se acentua a linha política antiamericana. Em 1960, ocorre o processo público contra os bispos Gong Pin-mei (condenado à prisão perpétua) e James Edward Walsh (missionário estadunidense, que permaneceu como o único bispo estrangeiro na China). Em janeiro de 1962, a Associação Patriótica, em seu segundo congresso, insiste com tons muito duros sobre uma Igreja totalmente independente de Roma. João XXIII pensa convidar para o Concílio os bispos chineses da República Popular, mas acaba desistindo. Nos trabalhos do Vaticano II, ao invés disso, estarão presentes 60 bispos exilados da China continental, incluindo 49 estrangeiros.
O pontificado de Paulo VI coincide em grande parte com os anos dramáticos da Revolução Cultural e com o período em que os países ocidentais e a Organização das Nações Unidas reconhecem a República Popular da China e não mais Taiwan (República Nacionalista da China), que ao contrário, a Santa Sé continua a reconhecer. Em 1970, durante a grande viagem à Ásia e à Oceania, Paulo VI visita Hong Kong, sendo o primeiro e único Papa a pisar no território chinês continental.
Em 1966, Mao Tzé-Tung inicia a Revolução Cultural. Isso significará a proibição de toda atividade religiosa, o fechamento de todos os locais de culto, a proibição da prática religiosa.
Serão severamente atingidos por isso também os membros das Associações Patrióticas. Em 9 de setembro de 1976 ocorre a morte de Mao, seguida pela prisão e julgamento do chamado "bando dos quatro", e assim o fim da Revolução Cultural.
O início do pontificado de João Paulo II em 1978 coincide praticamente com a ascensão e as reformas de Deng Xiaoping. Em 1979, percebem-se os primeiros sinais de abertura no campo religioso. Em 1980, algumas igrejas em diferentes cidades são reabertas. O Escritório de Assuntos Religiosos é reconstituído, bem como as cinco Associações Patrióticas Religiosas, que realizam seus congressos nacionais. Aquele da Associação Patriótica Católica é o terceiro, seguido por uma conferência de representantes. Esta cria, por sua vez, um colégio de bispos chineses, que nunca foi reconhecido por Roma. No início dos anos 1980, são libertados bispos e padres internados.
Em 18 de fevereiro de 1981, de Manila, João Paulo II envia uma saudação a todos os católicos da China. Mas em junho surgem acusações de interferência no Vaticano pelo reconhecimento de monsenhor Deng Yiming como arcebispo de Cantão. O bispo de Baoding ordena três bispos sem consultar a Santa Sé. O cardeal Agnelo Rossi, prefeito da Congregação para a Evangelização dos Povos, autoriza em 12 de dezembro de 1981 os bispos chineses “legítimos e fiéis à Santa Sé" a ordenar outros bispos, se necessário, sem prévio entendimento com Roma. Tal privilégio (já concedido no passado para os países europeus sob regime comunista), no entanto levará a abusos, e acabará por aguçar as contraposições entre "clandestinos" e "oficiais" ou "patrióticos".
Em 1982, durante o XII Congresso do Partido Comunista é colocado em circulação o documento número 19 sobre o controle das cinco religiões oficialmente reconhecidas (budismo, taoísmo, islamismo, protestantismo, catolicismo). Na nova Constituição, o artigo 36 afirma que "nenhuma realidade religiosa na China pode ser controlada a partir do exterior". Todavia, no mesmo ano, ocorre uma retomada de várias atividades da Igreja. O jesuíta Aloysius Jin Luxian pode reabrir o seminário de Sheshan, depois de a Igreja ter ficado por três décadas sem estruturas de formação. Assim, no final da década, cerca de duzentos novos sacerdotes são ordenados. Vários bens confiscados são restituídos e gradualmente são abertos conventos de freiras, atividades beneficentes e de formação.
Os contatos com a Igreja na China também se multiplicam por parte das conferências episcopais e instituições católicas de outros países. Mas, uma vez que existem ambiguidades e tensões nas relações com a Associação Patriótica e os seus membros, em 1988, o cardeal Tomko, prefeito da Congregação para a Evangelização dos Povos, envia às conferências episcopais ocidentais algumas diretrizes (os Oito pontos) sobre a relação entre "clandestinos" e "patrióticos", que serão muito discutidas. A partir de 1989, com os acontecimentos na Praça Tiananmen e a crise do comunismo na Europa, aumenta a desconfiança chinesa em relação a João Paulo II que, enquanto isso, nomeia como cardeal Kung Pin-mei, que desde 1988 estava autorização a fazer um tratamento nos Estados Unidos. Também nos anos 1990, continua a tradicional linha governamental de política religiosa de controle.
Todavia, após o fim da Revolução Cultural, muitos bispos "patrióticos" na nova situação pediram por canais reservados o reconhecimento de Roma, e o conseguiram. Desvanece assim, definitivamente, a ideia de uma possível Igreja "cismática". Em janeiro de 2007, o comunicado final do encontro no Vaticano de uma comissão sobre a China afirmaria textualmente que "quase todos os bispos e sacerdotes estão em comunhão com Roma." Isso manifesta uma mudança muito importante da situação, amadurecida no decorrer do tempo. Na Igreja na China, despontam as figuras de grandes pastores reconhecidos pelo governo e, ao mesmo tempo, em comunhão com Roma, como o bispo de Xangai, Aloysius Jin Luxian.
Em 2000, surgem novas dificuldades nas relações entre a República Popular da China e a Santa Sé, principalmente em relação às ordenações de novos bispos ilegítimos na China e pela canonização, em Roma, de 120 mártires chineses da Revolução dos Boxers, justamente em 1º de outubro, festa nacional da República Popular.
João Paulo II empenha-se profundamente para superar tais dificuldades, em especial com uma mensagem de grande repercussão por ocasião de um simpósio sobre Matteo Ricci (24 outubro de 2001). O Pontífice se dirige à China, ao povo chinês e às suas autoridades, estendendo a mão da amizade e da estima e com o reconhecimento também de "erros e limites do passado", que chega a palavras muito fortes: "Por tudo isso peço perdão e compreensão a todos que possam ter se sentido, de uma forma ou outra, feridos por tais formas de ação dos cristãos" e ao desejo explícito “de ver em breve estabelecidas vias concretas de comunicação e de colaboração entre a Santa Sé e a República Popular da China”.
Em 2005 entra em vigor um novo Regulamento sobre os assuntos religiosos, mas principalmente, deve ser recordada a declaração elogiosa feita pelo Ministério das Relações Exteriores de Pequim, por ocasião da morte de João Paulo II, à qual se segue uma retomada dos contatos diretos.
Apesar dos contatos, surgem novas tensões, e em 2006 repetem-se casos de ordenações "ilícitas", às quais a Santa Sé reage. Os contatos esfriam. No entanto, em 27 de maio de 2007, é publicada a importantíssima Carta de Bento XVI "aos Bispos, aos presbíteros, às pessoas consagradas e aos fiéis leigos da Igreja Católica na República Popular da China", rica em orientações pastorais. O Papa insiste sobre a unidade da Igreja, abole todas as faculdades especiais (por exemplo, para as ordenações "clandestinas" de bispos) e deseja o diálogo com as autoridades do governo.
Em 7 de maio de 2008, no Vaticano, na Sala Paulo VI realiza-se um excepcional concerto oferecido a Bento XVI pela Orquestra Filarmônica Chinesa de Pequim, com o coral da Ópera de Xangai. É um momento significativo da chamada diplomacia cultural, que inclui também outras iniciativas, tais como exposições históricas e artísticas (no Vaticano e na China) e a participação de especialistas em convenções de natureza científica ou cultural. No entanto, enquanto por alguns anos as ordenações episcopais tinham ocorrido com o consentimento de Roma, entre 2010 e 2011 realizam-se novamente algumas ordenações ilícitas, às quais por fim a Santa Sé responde em 16 de julho de 2011, com particular decisão.
Desde o início de seu pontificado, o Papa Francisco repetidamente vem manifestando uma atenção viva e cordial pelo povo chinês, contribuindo para o estabelecimento de um novo clima, menos tenso, que permite a eficaz recuperação do diálogo da Santa Sé com as autoridades chinesas. Sinais evidentes deste novo clima são as permissões concedidas para o avião papal para sobrevoar o território chinês durante a viagem à Coreia e as mensagens enviadas pelo Pontífice ao presidente chinês (14 e 18 de agosto de 2014). Também é importante a entrevista com o Papa Francisco publicada no "Asia Times" em 2 de fevereiro de 2016, rica de expressões de estima do Pontífice para o povo e à cultura chinesa.
Nos últimos anos, os contatos se multiplicam e os canais de comunicação parecem ser mais estáveis e eficazes. Em várias ocasiões, alguns órgãos de imprensa chineses e o próprio Ministério das Relações Exteriores, publicaram declarações conciliadoras em relação ao Papa Francisco, tanto em ocasião de viagens internacionais, como comentando declarações pontifícias. O restantes, é a crônica destes dias.
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China. Dois séculos de relacionamentos. Da metade do século XIX até hoje - Instituto Humanitas Unisinos - IHU