19 Setembro 2018
Parece que a Igreja está em uma encruzilhada. Claramente, guerra foi declarada durante o papado de Francisco por padres de direita, como o arcebispo Carlo Maria Viganò. Eles decidiram derrubar Francisco o relacionando à crise de abusos sexuais.
No entanto, a crise de abusos sexuais é generalizada. É global. O problema não pode simplesmente ser atribuído a padres liberais ou conservadores. Qualquer um que saiba como a Igreja opera ou até mesmo como uma grande corporação trabalha sabe que vão sempre proteger os seus e jogar lenha na fogueira. A Igreja fez isso para redimir sua vergonha, mas o esforço para nomear culpados não ajuda a resolver o problema.
O artigo é de Pat Perriello, professor aposentado da rede pública de ensino de Baltimore, trabalhou como coordenador dos Serviços de Orientação e Aconselhamento e professor associado na Universidade Johns Hopkins, publicado por National Catholic Reporter, 18-09-2018. A tradução é de Victor D. Thiesen.
Se alguma vez houve um tempo para a hierarquia reconhecer seu fracasso coletivo e aceitar o fato de que estão todos juntos nisso, esse momento é agora. A primeira questão real é saber se a hierarquia pode reconhecer a necessidade de trabalhar em conjunto para sair de uma situação ruim ou insistir nessa jogada suja.
É verdade que a esquerda, inclusive eu, se manifestou frequentemente contra os papas João Paulo II e Bento XVI, mas há uma diferença. Não conheço nenhum cardeal ou bispo que tenha acusado João Paulo II ou Bento XVI de heresia ou exigido suas renúncias. O que está acontecendo agora está em um nível diferente, e parece que os tradicionalistas adotaram essa política para recuperar o poder na Igreja, independentemente do dano que causará.
A divisão dentro da Igreja é tão profunda e preocupante quanto a divisão que existe na política do próprio Estados Unidos. Alguns católicos, é claro, deixaram a Igreja por causa dos escândalos. Aqueles que permanecem são fiéis católicos que frequentam a Igreja com seu próprio conjunto de crenças, mas que já estão começando a prestar mais atenção à crise que os rodeia.
Os católicos fiéis tendem a ficar mais zangados e confusos. Já estamos vendo protestos em catedrais e escritórios diocesanos exigindo renúncias de bispos. Os católicos vão ter que fazer uma escolha, e podemos finalmente ver uma divisão na Igreja - diferente de tudo que temos visto desde a Reforma.
Acredito que este grupo de padres tradicionalistas abriu um abismo na Igreja como jamais visto antes. Pior, minha impressão é que eles não ficarão satisfeitos com nada menos que a capitulação total.
Quais são as apostas? O padre jesuíta James Keenan escreveu um artigo recomendando a seleção de mulheres para receber o chapéu vermelho. Mulheres como cardeais na Igreja, votando na escolha do próximo papa.
Claro, isso não vai acontecer. Francisco não poderia nomear mulheres como cardeais, mesmo que isso seja teoricamente possível. Sacerdotes casados também são possíveis de serem nomeados, mas não fazemos nada porque é isso que conservadores como Viganò querem. Nós permitimos que os tradicionalistas governem e continuaremos essa solidificação sob sua influência.
O fato é que os tradicionalistas estão ganhando. Francisco trouxe um novo entusiasmo à Igreja e uma oportunidade para iniciar um processo de mudança. Eu não esperava isso, mas achei que ele faria algo a respeito, e que poderia levar a uma reforma maior num papado subsequente.
Em vez disso, vimos os tradicionalistas se recusarem até mesmo às pequenas mudanças. Tentativas de modificar a prática da Igreja (não a doutrina) sobre a Comunhão para católicos divorciados e que foram casados pela segunda vez foram recebidas com acidez. Francisco e seus partidários foram acusados de heresia.
Em seu artigo sobre mulheres cardeais, Keenan elenca alguns pontos significativos. Primeiro, não haverá reforma na Igreja até que as mulheres tenham poder, e as diaconisas do sexo feminino não o exerçam. Em segundo lugar, antes de 1917, o corpo de cardeais era formado por homens ordenados e leigos. A mudança que exige ordenação foi feita para evitar abusos e nepotismo na nomeação de cardeais.
Em 2013, o padre jesuíta Federico Lombardi, então diretor da assessoria de imprensa do Vaticano, disse que uma cardeal feminina é "teológica e teoricamente" possível. Ele então acrescentou que "não é remotamente realista, pelo menos por enquanto”.
Aí que está o problema. Mesmo quando a mudança é possível "teológica e teoricamente", não mudamos nada. Os tradicionalistas garantem isso.
Talvez eles estejam apenas procurando uma razão para romper com a Igreja. Francisco e seus aliados no Vaticano parecem estar tentando manter a Igreja unida. No entanto, parece que há apenas uma maneira de fazer isso - aceitar o que este bando de padres tradicionalistas exige e manter a Igreja no século XVI.
Estou começando a acreditar que a reforma da Igreja só pode avançar se aqueles que buscam a reforma com Francisco exigirem fichas limpas por parte dos padres. Se os tradicionalistas frustrarão todos os esforços para se fazer pequenas mudanças, talvez o cisma seja inevitável. A alternativa pode ser viver em uma Igreja que acredita que o Concílio de Trento deve sempre ser normativo. Eu acho que essa possibilidade é inaceitável.
Nenhum conjunto de regulamentações punitivas ou sistemas de monitoramento será suficiente para a Igreja sair desse escândalo. A Igreja e sua cultura precisam mudar.
Acredito que a cada dia podemos estar chegando mais perto da necessidade de convocar um concílio universal para tratar dessas questões. A falta de credibilidade em Roma, que os tradicionalistas criaram, significa que somente a Igreja unida em concílio pode seguir adiante neste momento.
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A reforma da Igreja poderia significar uma desconfiança por parte dos fiéis? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU