30 Julho 2018
Francisco fará as mudanças radicais necessárias para salvar a Igreja Católica do colapso em curso?
“O objetivo final e necessário deve ser a eliminação completa do sistema (e da mentalidade) de clericalismo”, escreve Robert Mickens, jornalista, em artigo publicado por La Croix International, 27-07-2018. A tradução é de Victor D. Thiesen.
O falecido escritor americano Gore Vidal, frequentemente contava uma conversa que teve com Kennedy em algum momento de 1961 durante o primeiro ano do Presidente dos Estados Unidos no escritório.
"Jack", disse ele que em uma versão da história, "você vai ter que fazer algo para acabar com este complexo militar-industrial. Ele está deixando o Pentágono fora de controle."
"E em quem você vai votar nas próximas eleições?", respondeu JFK, apontando que ele teria que passar todos os quatro anos de seu primeiro mandato fazendo nada mais do que lidar com este único problema e, assim, não teria chance de ser reeleito.
Felizmente, Papa Francisco não precisa se preocupar com a reeleição. Mas, com a última onda de escândalos de abuso sexual na América Latina e outra envolvendo um Cardeal americano, ele enfrenta agora um dilema semelhante ao do Presidente Kennedy.
Francisco vai evitar o problema como JFK ou enfrentará o desafio de segurar o touro pelos chifres?
Se o Papa decidir ir à raiz da crise de abuso sexual do clero e da desastrosamente inadequada resposta dada pela hierarquia, terá de dedicar o resto de seu pontificado quase que exclusivamente para este empreendimento gigantesco.
Certamente, o Francisco de 81 anos de idade chegou a este momento com relutância. À luz dos recentes acontecimentos e da enorme tarefa que agora está diante dele, fica mais fácil de entender por que ele cuidadosamente evitou mencionar a crise de abuso sexual clerical em seus primeiros anos como bispo de Roma.
Se tivesse feito isso, teria arriscado estacar seu pontificado nos esforços para sanar o que, até agora, tem sido um câncer incurável.
Certamente ele não pode ignorar a maior crise que atingiu a Igreja Católica, pelo menos desde a Reforma Protestante. É uma crise que está apenas começando e eventualmente vai se espalhar pela Igreja em outras partes do mundo.
Até agora, Francisco e seus antecessores aplicaram apenas medidas paliativas projetadas para controlar somente as consequências do abuso sexual.
Eles e outros oficiais católicos também se orgulhavam de ter implementado uma série de protocolos de segurança, procedimentos de análise e novos instrumentos disciplinares destinados a impedir futuros abusos.
Mas eles se recusaram (ou não puderam) criar mecanismos jurídicos que responsabilizem os bispos de encobrir ou ignorar alegações (e mesmo casos comprovados) de abuso sexual clerical.
Mas se Francisco estiver disposto a atingir este objetivo último, punir o escalão superior da hierarquia Católica não passará de outra solução “band-aid” se ele não conduzir sua Igreja a um caminho mais radical e cuidadosamente planejado.
Mas optar por cortar o mal pela raiz será extremamente doloroso e encontrará resistência por parte de muitos cardeais, bispos e padres, bem como de uma parcela considerável dos fiéis batizados.
O Papa, que fará 82 anos em dezembro, está à altura da tarefa? Ele tem energia e, mais importante, a vontade de fazer profundas e dolorosas mudanças?
Talvez as primeiras indicações de como Francisco vai responder a estas perguntas virá no próximo mês, quando vai à Irlanda para o Encontro Mundial das Famílias. A visita de dois dias, limitada a cidade de Dublin e uma breve parada no Santuário Mariano de Knock, pode ser controversa.
A Irlanda, uma vez bastião do catolicismo antigo, em que o clero tinha uma autoridade raramente desafiada sobre as pessoas e a sociedade civil, agora é uma nação em grande parte pós-católica.
Recentemente, os irlandeses, atormentados pelo seu próprio escândalo de abuso sexual clerical nesta última década, votaram a favor do aborto e do casamento homossexual. Grande parte da população diz agora que já não é católica.
Será interessante ver sua reação ao Papa jesuíta. Entre a maioria dos irlandeses, incluindo aqueles mais críticos à Igreja e seus líderes, Francisco é bem estimado.
Mas, assim como um número significativo de católicos ao redor do mundo, eles têm pouca consideração pela política oficial do Vaticano de restrição das mulheres ao ministério ordenado e às posições de tomada de decisão. Também discordam da classificação do sexo gay como “intrinsecamente mal” e do uso de contraceptivos artificiais como um pecado mortal.
E o Papa tem feito pouco para mudar o pensamento deles sobre isso.
Além disso, a maioria das pessoas na Irlanda não avalia bem a maneira como Francisco lida com crise de abuso sexual. Será que vão usar da visita para manifestar seu desânimo com mais virulência?
Depende de como o Papa abordará a questão. Seu antecessor, Bento XVI, escreveu uma carta para os católicos da Irlanda em 2010, na qual colocou toda culpa dos escândalos e de seu encobrimento exclusivamente sobre os bispos e padres irlandeses.
O antigo Papa tirou toda e qualquer responsabilidade do papado e do Vaticano. Papa Francisco precisa reverter isso de forma convincente.
Eles não vão mais aceitar uma Igreja que trata as mulheres como membros de segunda classe. Eles esperam que o Papa Francisco aborde estas questões durante sua visita. Mas será que ele vai?
A viagem à Irlanda oferece ao Papa um fórum internacional para fazer grande revisão dos ministérios na Igreja. Mas é pouco provável que ele aproveite essa oportunidade.
Se fosse fazê-lo, no entanto, teria que admitir abertamente que o atual sistema de seminário está obsoleto e inadequado.
A questão do celibato obrigatório e a evidência de que um número significativo de padres é incapaz de viver castamente, já não pode ser ignorada.
A atividade sexual de seminaristas ou padres – com mulheres ou homens – nunca pode ser vista como admissível. Mas isso não significa realizar uma caça às bruxas para expulsá-los.
Precisamos criar ambientes que permitam os atuais e futuros padres falarem francamente sobre sua orientação sexual, com a finalidade de ajudá-los a se tornarem pessoas psico-sexualmente saudáveis.
Ideias idiotas como a terapia reparativa, sublimação ou o reforço de uma identidade caricatural de ‘macho’ têm que ser denunciadas e rejeitadas por aquilo que são: imbecis e ofensivas.
Este Papa tem mostrado crescente abertura à ideia de ordenar homens casados de virtude comprovada para o sacerdócio em partes do mundo onde há uma aguda escassez de padres.
A ideia deve ser levada adiante com novo vigor. O sacerdócio exclusivamente masculino e celibatário limitou drasticamente as possibilidades de candidatos e não consegue identificar o carisma da liderança que o Espírito Santo concede a todos os membros do povo de Deus. Mulheres — e, de fato, todos os leigos — precisam ser colocados em papéis de destaque e decisão imediatamente.
Isso inclui todos os escritórios do Vaticano, especialmente aqueles que aconselham o papa a escolher os Bispos, a apontar outros oficiais importantes e até o C9, conselho privado que o está ajudando com a reforma da Cúria Romana e a governar a Igreja Universal.
O objetivo final e necessário deve ser a eliminação completa do sistema (e da mentalidade) de clericalismo.
Este vai ser um longo verão para o Papa Francisco. E a previsão para o próximo outono e inverno não promete muito alívio da atual tensão da Igreja.
O Papa tem demonstrado sua convicção de que o mundo corre o risco de destruição se o povo e os líderes mundiais não tomarem medidas drásticas para reverter o aquecimento global e outras formas de abuso ambiental.
É possível que ele não consiga ver a evidência clara de que a Igreja Católica também está sendo ameaçada por uma crise eclesiástica?
E será que ele, como o Presidente Kennedy fez diante do complexo militar-industrial crescente, simplesmente decidir se esquivar do problema? Ou será que ele vai tomar os passos audaciosos e controversos necessários para erradicar completamente o sistema de clericalismo que continua a prejudicar a Igreja?
O futuro do catolicismo depende de como Francisco proceder.
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O longo verão de Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU