13 Setembro 2018
O líder espiritual tibetano dissipa quaisquer dúvidas sobre sua saúde postas em circulação recentemente por alguns meios de comunicação chineses e indianos, e aceita uma entrevista com La Repubblica na saleta do quarto já pronto para seu descanso: "A nossa responsabilidade é começar um trabalho ético, acho que posso trabalhar nisso por mais 10, 20, 30 anos".
A entrevista é de Raimondo Bultrini, publicada por La Repubblica, 11-09-2018. A tradução é de Luisa Rabolini.
Guirlandas de flores e lenços brancos dão as boas-vindas ao Dalai Lama no hotel em Nova Deli onde ele irá passar a noite antes da turnê europeia que vai levá-lo a partir desta quarta-feira à Suécia, Holanda, Alemanha e Suíça. Com passos lentos e o aspecto cansado devido à viagem de sua casa de Dharamsala, no Himalaia, o líder espiritual tibetano dissipa quaisquer dúvidas sobre a sua saúde postas recentemente em circulação por alguns meios de comunicação chineses e indianos, e aceita uma entrevista com La Repubblica na saleta do quarto já pronto para o seu descanso. Ele já havia respondido publicamente a esses boatos conversando com os tibetanos exilados. "Com vossas orações e vossos desejos - disse ele - garanto-vos que eu posso viver até os 100 anos."
Por que foi posto em circulação esse tipo de notícias? Vê alguma estratégia?
[Ele balança a cabeça, abrindo os braços, depois responde usando a terceira pessoa e referências indiretas à sua longevidade] Veja você, a nossa responsabilidade é começar uma ética de trabalho ético, acho que posso trabalhar nisso por mais 10, 20, 30 anos, mas não espero nenhuma grande mudança nesta minha vida, não. É a nossa responsabilidade iniciar o trabalho, e depois a próxima geração vai levá-lo à frente, como os seres humanos têm feito nas gerações anteriores por milhares de anos e como farão as jovens.
Significa que as suas relações com a China avançam lentamente como no passado?
Veja bem, antes algum funcionário do partido dava apoio até mesmo a certos grupos contrários ao Dalai Lama e os usava, em alguns casos oferecendo dinheiro. Agora, a atitude do governo chinês em relação a mim mudou, e automaticamente mudou também a atitude em relação a certos grupos. Quero dizer, que mudou para melhor, entre os próprios líderes da cúpula há uma espécie de sentimento novo, e em vez de afastar o Dalai Lama pensam que seja melhor trazê-lo mais para perto dos chineses, este é o tipo de progresso que eu percebo.
O senhor vive na Índia há quase 60 anos e a presença de cem mil exilados tibetanos também foi motivo de confronto entre Delhi e Pequim.
Parte do meu compromisso aqui é reviver o antigo conhecimento indiano que inevitavelmente terá um efeito sobre outro bilhão de pessoas na China, onde o budismo certamente não é estranho. Existem mais de 400 milhões de budistas na China, você sabia?
Mesmo no resto do mundo o budismo faz prosélitos, mas muitas vezes recebe a fama negativa por causa de certos países onde essa religião é praticada com violência.
Meu primeiro compromisso é o que vem de ser humano, e eu tento promover os direitos humanos básicos como karuna, a compaixão. O segundo compromisso é o do budista que tenta criar harmonia entre as diferentes tradições, tibetanas, budistas, mas não apenas. Mas quando ouço na televisão as mortes de xiitas em vários países, de cristãos e muçulmanos como na Birmânia, há algo realmente terrível acontecendo, e então alcançar a harmonia e realmente essencial.
Consegue pensar em algum lugar onde esse sonho se aproxime do seu?
Na Índia há milhares de anos diferentes tradições já convivem, então é possível. Quando falo da harmonia das religiões, quero dizer que todas elas transmitem uma mensagem de compaixão e amor, de tolerância e perdão. Filosoficamente, existem diferenças, e isso é necessário para os crentes que precisam de abordagens diferentes para promover a compaixão. Alguns dizem: somos todos criados por Deus que significa amor, todos somos filhos do pai compassivo, muito poderoso. Para outros, não há criador, mas - como no budismo - nós mesmos somos criadores ... Portanto, precisamos de diferentes formas de abordagem, diferentes filosofias. Eu nunca disse que o budismo é o melhor, você não pode dizer: tome este remédio que é o melhor. Se vai ser bom ou não, depende do paciente, o mesmo não pode ser bom para todos".
O líder tibetano recuperou sua energia.
Para alguns, o budismo é muito bom, mas para outros é muito complicado - risos - é melhor pensar que um Deus criou tudo. Muito melhor ... Mas vamos voltar aos meus compromissos. O terceiro é aquele para o Tibete. Eu me livrei dos assuntos políticos declarando-me aposentado desde 2001, e a comunidade já tem sua liderança política eleita. Todos os poderes e responsabilidades temporais cabem a eles, mas eu assumi a responsabilidade de preservar a cultura tibetana.
Que tipo de influências não-políticas sofreu essa cultura?
Um estudioso do século 14, disse que a sabedoria ou iluminação veio da Índia e chegou ao Tibete envolto na escuridão do não saber, na região chamada das Neves, então explicou que, após a chegada da sabedoria da Índia, o Tibete ficou claro e começou a brilhar. É verdade. Agora o Tibete preserva uma tradição que vem especialmente da universidade de Nalandra (a maior do Oriente destruída pelos islâmicos Moghul no ano 1000) e que preservemos graças aos textos traduzidos antes da destruição dos originais. Por essa razão, faço uma distinção entre o próprio Budismo e a cultura budista, que é algo muito importante e deve ser preservada. Por exemplo, para explicar as complexas filosofias nos textos da lógica budista, é essencial usar a complexidade da língua tibetana, e essa é outra razão pelo qual é importante.
O senhor também falou muitas vezes sobre um compromisso com o meio ambiente.
Um ambientalista chinês explicou que por causa dos efeitos do aquecimento global os planaltos tibetanos estão se tornando um terceiro polo depois do Norte e do Sul. Por isso, é muito importante preservar a ecologia desses lugares e é preciso um cuidado muito especial para o ambiente do Tibete. Finalmente, meu quarto compromisso, é tentar reavivar o antigo conhecimento indiano capaz de ajudar a controlar as emoções trabalhando a mente. Isso é o que eu chamo de educação, que agora nas escolas é entendida ao nível físico e de aprendizagem das noções necessárias para um futuro. Mas devemos incluir na educação como aprender a transformar as emoções que afligem muitos jovens. Todos os líderes religiosos, os estudiosos, os sadhus (ascetas) da Índia deveriam ter a responsabilidade comum de fazer reviver um conhecimento antigo e único que combine o conhecimento do passado inspirado na paz interior e as noções modernas do mundo material. Nem todos os 7 bilhões de seres humanos podem certamente ser sadhus ", ele ri. Assim, mesmo "a educação importada dos ingleses é útil, mas uma educação materialista cria uma vida materialista e uma cultura materialista. Os jovens da Índia já veem a conveniência de uma vida materialista, mas eles também entendem que não é o suficiente.
E no resto do mundo?
Todos sabem que na Europa, nos Estados Unidos, o nível material é muito desenvolvido, e até mesmo a educação é avançada, mas também sabem que existem muitos problemas emocionais, abuso de drogas e álcool entre estes, porque as pessoas acham difícil alcançar a paz aqui (toca a sua cabeça). Por isso, é muito importante alcançar essa paz de espírito, e entender que o álcool e as drogas são totalmente errados, porque aquela paz deve vir somente através do treinamento da mente, que nós chamamos shamata, ou vipassana. Essas também são antigas tradições indianas, mas chegou à hora de torná-las matérias acadêmicas e não religiosas.
Os não crentes não iriam concordar.
De que outra forma seria possível pensar em criar harmonia entre 7 bilhões de seres humanos? Entre eles, há um bilhão de não-crentes. Se não pensarmos em termos mais éticos, deixando a religião de lado, esse bilhão de não-crentes permaneceria de fora. Pessoalmente, acho que por pelo menos mais mil anos esta espécie humana permanecerá no planeta, esperamos não para criar outros problemas e conflitos, mas para encontrar a paz. E isso só pode ser alcançado através da educação, usando esse maravilhoso cérebro humano que deixamos inquieto com as emoções negativas. Agora, até mesmo os cientistas dizem que a natureza essencial da mente é mais compassiva, mas que, embora o bem-estar físico seja melhorado a nível familiar, social, individual, e comunitário, aumenta a raiva, a desconfiança, o sentimento de competição e a inveja, e se um indivíduo não pode ser feliz, torna-se difícil para a própria família.
Da mesma forma que o remédio, não existe uma felicidade para todos?
Se todos querem uma vida feliz, devem saber que a felicidade se origina dentro de nós.
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"A educação é a cura para a raiva global. Com a China? Eu vejo progressos". Entrevista com o Dalai Lama - Instituto Humanitas Unisinos - IHU