02 Agosto 2018
"Aos oitenta e dois anos estou perto de me despedir, pronto para lhe dizer:
Bye bye, my dear young brothers and sisters! " Assim começa o Dalai Lama na alocução aos jovens de todo o mundo que inaugura o segundo capítulo de seu Rebelem-se!, com um epílogo da tibetóloga e sua colaboradora Sofia Stril-Rever, recentemente publicado na Itália pela editora Garzanti em tradução de Giuseppe Maugeri.
A reportagem é publicada por Giuliano Boccali, em Il Sole 24 Ore, 29-07-2018. A tradução é de Luisa Rabolini.
A continuação do debut, longe das melancolias - que certamente não estão na pauta afetiva de Sua Santidade - é uma declaração apaixonada de pertencimento "ao futuro e à juventude do mundo".
Que futuro? Que rebelião sugere o feliz título italiano da obra? O original está em francês e, traduzido literalmente, seria: "Façam a revolução”, com uma evidente e explícita referência no texto à Revolução Francesa e seu lema por excelência: Liberté, Egalité, Fraternité, do qual Tenzin Gyatso declara–se discípulo com a irreverente visão que o distingue e que sempre distinguiu os autênticos mestres espirituais, não apenas budistas.
Mas se essa é uma forte declaração de pertencimento, igualmente radical é a crítica do limite que até agora se manifesta em todas as revoluções: não apenas aquele das consequências de cada uma, seja ela Francesa, bolchevique ou cultural, consequências como "derramamento de sangue, vandalismos e terror", mas aquele limite fundamental de não ter "transformado o espírito humano de maneira radical". Porque a revolução que o Dalai Lama preconiza é aquela da paz e da compaixão. A alternativa que ele expressou com extraordinária clareza é inquestionável: "se vocês se afundarem na violência - disse aos jovens - vocês testemunharão a agonia da humanidade. O século XXI será o século da paz ou não será nada". É impressionante que a previsão, ou talvez a profecia de Sua Santidade seja apresentada com termos quase idênticos em outras grandes consciências religiosas contemporâneas como, por exemplo, o místico beneditino-zen Willigis Jäger.
O risco atual é sem apelação, mas no Dalai Lama é muito forte uma crença generalizada que avança em diferentes direções: a primeira é aquela das oportunidades extraordinárias oferecidos aos "nativos digitais" da "primeira geração globalizada das tecnologias da informação", possibilidades que permitem aos jovens se mobilizarem em grandes números "em nome da reconciliação" e para propósitos humanitários.
A segunda é no apoio oferecido pelas neurociências, das quais o Dalai Lama é apaixonado defensor, há décadas em diálogo próximo com vários especialistas de grandes universidades, principalmente norte-americanas, de Stanford à Emory University de Atlanta e ao MIT.
As neurociências fornecem à compaixão uma base biológica, demonstrando que ela promove a neurogênese, ou seja a formação de novos neurônios, enquanto a agressividade atua no sentido oposto, reduzindo "o desenvolvimento de circuitos neurais."
A compaixão, portanto, desde a gestação da criança até à idade adulta e idosa, representa uma atitude altamente benéfica: quando a mente está imbuída, "os genes do stress são inibidas e a bioquímica cerebral é alterada, gerando os hormônios da felicidade”.
No entanto, a fé decisiva expressa pelo Dalai Lama, não só com palavras, mas com as suas próprias atitudes e atividades, é aquela do compartilhamento e do altruísmo, que constituem para ele o fundo do ser humano e precedem todo pertencimento religioso ou ideológico; em relação às religiões, Sua Santidade reconheceu há tempo seu fracasso, como também ficou evidente em seu livro anterior alguns anos atrás, A arte da Felicidade (publicado pela Sperling & Kupfere), que defende a necessidade de instaurar uma ética laica apoiada justamente pela não-violência, pela compaixão, pela amizade espiritual.
Os fundamentos da revolução a que os jovens são chamados remontam às próprias origens do Budismo e alguns dos seus desenvolvimentos salientes, mas são aqui introduzidos pelo Dalai Lama com grande leveza, sem ser desenvolvidos doutrinariamente, mas apresentados de maneira totalmente contemporânea dada a natureza e o destino de seu discurso.
Em todo caso vale a pena recordá-los: em primeiro lugar a "consciência".
Significa - no nível mais externo, mas efetivamente propulsor diante dos riscos atuais - ter ciência da dramática situação que o planeta enfrenta pela distribuição “absolutamente inaceitável” das riquezas, a exploração indiscriminada dos recursos naturais, os “métodos de produção criminosos” os desperdícios insensatos e as consequentes, intoleráveis quantidades de resíduos a serem resolvidos.
De maneira sintética, mas com dados estatísticos atualizados, o Dalai Lama oferece a esse respeito vários exemplos, como este: "A cada segundo, duzentos e nove quilos de plástico são despejados nos oceanos" para terminar "no estômago de pássaros e mamíferos marinhos" matando-os. O apelo aos jovens não deixa dúvidas, reiterando o que já havia sido apresentado na introdução: " ... se vocês são a primeira geração de história posta diante de uma ameaça de extinção da vida em nosso planeta, também são a última que pode pôr remédio. Depois de você será tarde demais”. Mas a consciência se move a partir de níveis mais internos que envolvem estados emocionais e afetivos, hoje tremendamente expostos aos efeitos da mídia, muitas vezes provocados intencionalmente.
Como já em outros admiráveis discursos do Despertado, a consciência das "próprias emoções e dos próprios fantasmas" não significa repressão, mas certamente nem mesmo passiva aquiescência ou mesmo cumplicidade. Em vez disso, significa atenção, observação, compreensão dos movimentos psicológicos, nos quais reside a causa (e a responsabilidade) da maioria dos problemas da vida de cada um.
O olhar deve ser desapaixonado, para permitir a substituição das "emoções destrutivas" por sentimentos de abertura e união, como os "quatro pensamentos incomensuráveis de amor, compaixão, alegria e equanimidade" da tradição budista, explicitamente evocados por Sua Santidade.
Aqui a consciência alia-se com o outro princípio maior (e filosoficamente árduo) da visão budista: a interdependência já enunciada pelo Buda, depois extraordinariamente aprofundada e ampliada por Nagarjuna (I-II séc. d.C.), um dos mestres do Grande Veículo; o Dalai Lama explicitamente o recorda comparando as conclusões com as implicações mais complexas da mecânica quântica, que ele discutiu com o grande físico (e ex-presidente da União Indiana) Abdul Kalam.
Em síntese: cada manifestação no universo, aparentemente simples como uma gota de água, ou composta como a condição de uma relação interpessoal ou como um ecossistema em um determinado momento, não é um fato existente por si só, mas resulta, instante por instante, pela agregação de fatores múltiplos; examinando a fundo o processo, esses envolvem o universo inteiro.
Em outras palavras, a manifestação de todas as coisas é baseada em uma série contínua de relações com as outras; a aparecer de uma determina (ou melhor, provoca) necessariamente o aparecer de outra em uma rede de sequências causais que gera vertigens: a consciência dessa cadeia causal, da "interdependência", constitui para a tradição budista a vitória sobre a ignorância, o “despertar”.
Para os seres sencientes e os seres humanos em particular, as consequências dessa realidade das coisas são incalculáveis, especialmente no nível afetivo, ético e social. De fato, se todos os seres estão ligados uns aos outros, e com igual intensidade ao mundo natural, um comportamento egoísta, além de prejudicial, é completamente ilógico. Na rede infinita da interdependência, de fato, nada fica perdido: não apenas uma ação, mas também um pensamento ou uma ideia maléfica não se extinguem, nunca fica sem efeitos, mas provoca necessariamente consequências perigosas, prejudiciais, talvez bem distantes daquele que desencadeou a cadeia negativa.
Felizmente, e na mesma medida, ou talvez em maior medida, o oposto também é válido: até mesmo o ato, a intenção, o pensamento marcado, por exemplo, pela benevolência ou pela gratidão, são necessariamente fatores de consequências positivas. Essa consciência é a base da compaixão que o Dalai Lama aponta para os jovens como a única maneira de dissolver a condição atual e nisso está enraizada a sua inatacável, comovente confiança.
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O Dalai Lama ordena: «Jovens, rebelem-se!» - Instituto Humanitas Unisinos - IHU