02 Agosto 2018
Nessa quarta-feira, 1º de agosto, o Papa Francisco fez um discurso aos cerca de 30 coirmãos jesuítas que participam, até o dia 20 de agosto, do encontro anual de formação “European Jesuits in Formation”, em Roma, reunidos na “Auletta” da Sala Paulo VI, antes da Audiência geral.
Bom dia. Estou contente em acolhê-los. Obrigado por esta visita, me faz bem. Quando eu era estudante, quando era preciso ir ao encontro do Geral, e quando devíamos ir com o Geral ao encontro do papa, levava-se a batina e a capa. Vejo que esta moda não existe mais, graças a Deus.
O sacerdote me fez rir quando falou em unificar a pastoral dos jesuítas. Eu tinha entendido que se tratava de unificar as almas e os corações dos jesuítas, não as modalidades, porque, se se fizer isso, acaba a Companhia de Jesus. Dizia-se que o primeiro papel do Geral era de “apascentar os jesuítas”, e outro dizia: “Sim, mas é como apascentar um rebanho de sapos”: um aqui, um acolá... Mas isso é bonito, porque é preciso uma grande liberdade. Sem liberdade, não se pode ser jesuíta. E uma grande obediência ao pastor; que deve ter o grande dom do discernimento para permitir que cada um dos “sapos” escolha aquilo que sente que o Senhor lhe pede. Essa é a originalidade da Companhia: unidade com grande diversidade.
O Bem-aventurado Paulo VI nos disse, na 32ª Congregação Geral, que lá onde estão as encruzilhadas das ideias, dos problemas, dos desafios, lá está um jesuíta. Leiam esse discurso [disponível aqui, em italiano]: na minha opinião, é o discurso mais bonito que um papa já fez à Companhia. Era um momento difícil para a Companhia, e o Bem-aventurado Paulo VI começou o discurso assim: “Por que vocês duvidam? Um momento de dúvidas? Não! Coragem!”.
E eu gostaria de conectá-lo com outro discurso, não de um papa, mas sim de um Geral, de Pedro Arrupe: foi o seu “canto do cisne”, no campo de refugiados na Tailândia, não sei se em Bangkok ou no sul de Bangkok. Ele fez esse discurso no avião e aterrissou em Fiumicino com o derrame. Foi a sua última pregação, o seu testamento.
Nesses dois discursos, há o marco daquilo que hoje a Companhia deve fazer: coragem, ir às periferias, às encruzilhadas das ideias, dos problemas, da missão... Lá está o testamento de Arrupe, o “canto do cisne”, a oração.
É preciso coragem para ser jesuíta. Isso não significa que um jesuíta deve ser inconsciente, ou temerário, não. Mas ter coragem. A coragem é uma graça de Deus, aquela parrhesia paulina... E é preciso joelhos fortes para a oração. Creio que com esses dois discursos vocês terão a inspiração para ir aonde o Espírito Santo lhes dirá, no coração.
Depois, fala-se de comunicação, que é um dos temas de vocês. Eu gosto muito do método comunicativo de São Pedro Fabro: sim, Fabro comunicava e deixava que os outros comunicassem. Leiam o memorial: é um monumento à comunicação, tanto aquela interior com o Senhor, quanto aquela externa com as pessoas.
E lhes agradeço por aquilo que vocês fazem. Sigam em frente, às encruzilhadas, sem medo. Mas estejam ancorados no Senhor.
Rezem por mim, não se esqueçam! Este trabalho [de papa] não é fácil... Talvez isso pareça uma heresia, mas habitualmente é divertido. Obrigado.
Ainda temos alguns minutos: se algum de vocês quiser fazer alguma pergunta ou alguma reflexão, aproveitemos esses minutos. Assim eu aprendo com as heresias de vocês...
Pergunta em inglês – Obrigado pelas suas palavras, Santo Padre. O tema dos nossos encontros é a comunicação, os jovens. Alguém me disse uma vez que ser religioso ou sacerdote significa que uma coisa que nunca teremos que enfrentar é o desemprego. Mas muitos jovens, mesmo com uma preparação elevada, estão em risco de desemprego. Eu acho que isso é um desafio para mim, para ver as coisas do ponto de vista deles, porque eu sei que a Companhia de Jesus e a Igreja sempre terão uma tarefa para mim, em algum lugar. Acho que esse é um grande desafio para a comunicação: essa é uma experiência de desemprego que eu sei que nunca terei. É algo que eu acho difícil...
Papa Francisco – Talvez esse seja um dos problemas mais agudos e mais dolorosos para os jovens, porque vai direto ao coração da pessoa. A pessoa que não tem trabalho sente-se sem dignidade. Lembro-me de uma vez, na minha terra, em que uma senhora veio me dizer que sua filha, universitária, falava várias línguas, não encontrava trabalho. Eu me movi com alguns leigos lá, e eles encontraram um trabalho. Aquela mulher me escreveu um bilhete que dizia: “Obrigado, padre, porque o senhor ajudou a minha filha a reencontrar a dignidade”. Não ter trabalho tira a dignidade. E mais: não é o fato de não poder comer, porque você pode ir à Cáritas e lhe darão de comer. O problema é não poder levar o pão para casa: isso tira a dignidade.
Quando eu vejo – vocês veem – tantos jovens sem trabalho, devemos nos perguntar por quê. Certamente encontrarão a razão: há uma reorganização da economia mundial, em que a economia, que é concreta, dá lugar às finanças, que são abstratas. No centro, estão as finanças, e as finanças são cruéis: não são concretas, são abstratas. E lá se joga com um imaginário coletivo que não é concreto, mas é líquido ou gasoso. E no centro está isto: o mundo das finanças. No seu lugar deveriam estar o homem e a mulher. Hoje, creio, este é o grande pecado contra a dignidade da pessoa: deslocá-la do seu lugar central.
Falando no ano passado com uma dirigente do Fundo Monetário Internacional, ela me disse que tinha o desejo de fazer um diálogo entre a economia, o humanismo e a espiritualidade. E me disse: “Eu consegui fazê-lo. Depois, me entusiasmei e quis fazê-lo entre as finanças, o humanismo e a espiritualidade. E não consegui fazê-lo, porque a economia, mesmo a de mercado, pode se abrir à economia social de mercado, como João Paulo II havia pedido. Ao contrário, as finanças não conseguem, porque você não pode aferrar as finanças: elas são ‘gasosas’”. As finanças se assemelham em escala mundial à corrente de Santo Antônio! Assim, com esse deslocamento da pessoa do centro e pondo no centro uma coisa como as finanças, tão “gasosas”, geram-se vazios no trabalho.
Eu quis dizer isso em geral porque lá estão as raízes do problema da falta de trabalho, levantado pela sua pergunta: “Como eu posso entender, comunicar e acompanhar um jovem que está nessa situação de não trabalho?”. Irmãos, é preciso criatividade! Em todos os casos. Uma corajosa criatividade, para buscar o modo de ir ao encontro dessa situação. Mas não é uma pergunta superficial, essa que você fez. O número dos suicídios juvenis está aumentando, mas os governos – não todos – não publicam o número exato: publicam até certo ponto, porque é escandaloso.
E por que se enforcam, por que esses jovens se suicidam? A principal razão de quase todos os casos é a falta de trabalho. Eles são incapazes de se sentirem úteis e acabam... Outros jovens não se sentem aptos a enfrentar o suicídio, mas buscam uma alienação intermediária com as dependências, e a dependência, hoje, é uma via de fuga a essa falta de dignidade. Pensem que, por trás de cada dose de cocaína – pensemos –, existe uma grande indústria mundial que torna isso possível, e provavelmente – não tenho certeza – o maior movimento de dinheiro no mundo. Outros jovens no celular veem coisas interessantes como projeto de vida: pelo menos dão um trabalho... Isso é real, acontece! “Ah, eu pego o avião e vou me alistar no ISIS: pelo menos vou ter mil dólares no bolso todos os meses e alguma coisa para fazer!”.
Suicídios, dependências e saída para a guerrilha são as três opções que os jovens têm hoje, quando não há trabalho. Isto é importante: entender o problema dos jovens; fazer com que esse jovem sinta que eu o entendo, e isso é se comunicar com ele. E, depois, mover-se para resolver esse problema.
O problema tem solução, mas é preciso encontrar o modo, é preciso a palavra profética, é preciso inventividade humana, é preciso fazer muitas coisas. Sujar-se as mãos... A minha resposta à sua pergunta é um pouco longa, mas são todos elementos para tomar uma decisão na comunicação com um jovem que não tem trabalho. Você fez bem em falar sobre isso, porque é um problema de dignidade.
E o que acontece quando um jesuíta não tem trabalho? Aí existe um grande problema! Fale logo com o pai espiritual, com o superior, faça um belo discernimento sobre o porquê...
Obrigado. Não vou lhe dar mais trabalho [dirigindo-se ao tradutor].
Amanhã é a festa de São Pedro Fabro: rezem para ele para que nos dê a graça de aprender a comunicar.
Rezemos à Nossa Senhora: Ave Maria...
[Bênção]
E não se esqueça, por favor, daqueles dois discursos: o do Bem-aventurado Paulo VI, em 1974, à 32ª Congregação Geral, e o do padre Arrupe na Tailândia, o seu “canto do cisne”, o seu testamento.
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''É preciso coragem para ser jesuíta.'' Discurso do Papa Francisco aos participantes do encontro European Jesuits in Formation - Instituto Humanitas Unisinos - IHU