26 Julho 2018
Em setembro, o Papa Francisco visitará a ilha italiana da Sicília, onde, no seu estilo habitual, vai conhecer jovens, pessoas pobres, enfermas, imigrantes e presos.
O que não está na lista, no entanto, é um encontro com o arcebispo de Catânia, que atualmente é acusado de desvio de fundos destinados a pessoas com deficiência.
A reportagem é de Claire Giangravè, publicada por Crux, 25-07-2018. A tradução é de Victor D. Thiesen.
Arcebispo de Catânia, Salvatore Gristina (Foto: Reprodução Crux)
Em 15 de setembro, Francisco vai aterrissar no aeroporto de Catânia antes de tomar um helicóptero para a cidade siciliana de Palermo, mas o Vaticano confirmou que não haverá nenhuma saudação da Cúria local.
Apesar do Papa ser conhecido por suas rápidas viagens, não encontrar com o Arcebispo Metropolitano de Catânia, Salvatore Gristina, causou certo desconforto, especialmente considerando que ele lidera a Conferência Episcopal siciliana.
"Irei a Sicília para uma visita pastoral", teria dito Francisco a um jornalista italiano em 14 de maio depois da missa na Casa Santa Marta, onde mora.
O Vaticano confirmou a viagem, que irá ocorrer no 25º aniversário do beato Pino Puglisi, padre de Palermo morto depois de desafiar a máfia local.
Sicília ocupa um lugar especial no pontificado Francisco. Foi o primeiro lugar que ele visitou como Papa em julho de 2013, quando jogou uma grinalda florida no mar Mediterrâneo para lamentar a morte de migrantes.
Francisco também manifestou proximidade ao povo siciliano na luta contra a máfia, que muitas vezes tem condenado e descrito como "o mal". Numa mensagem enviada aos bispos da Sicília em maio, o Papa os convidou a aprender com o exemplo de Puglisi para conter a corrupção.
"As parcelas do mal são combatidas com práticas cotidianas", disse Francisco aos bispos.
Por anos casos de má gestão financeira, atividade criminosa, abuso sexual e transgressões morais por religiosos e leigos têm se espalhado pela ilha. Não há dúvida de que a Igreja na Sicília representa uma situação sui generis na Península Itálica, algo que o Papa parece ter percebido desde o início.
Por um lado, Francisco escolheu tornar o arcebispo de Agrigento, Francesco Montenegro, um cardeal após reunião com ele em Lampedusa, uma decisão que desafiou a prática de dar o chapéu vermelho ao bispo da capital, Palermo. Por outro lado, fez de um simples pároco, Corrado Lorefice, ativo na luta contra a máfia e tráfico humanos, o arcebispo de Palermo em 2015.
Ainda não se sabe se os esforços do Papa produzirão qualquer resultado tangível. O palco em que está atuando é uma região que tem resistido teimosamente às ondas de mudança. Afinal, foi o autor Tommaso Lampedusa que em seu romance The Leopard (O Leopardo) melhor descreveu o espírito siciliano: "Para que as coisas permaneçam as mesmas, tudo deve mudar."
O arcebispo metropolitano de Catânia, Salvatore Gristina, foi acusado em meados de julho de peculato enquanto presidente do Conselho de Obras Diocesanas para o Culto e a Religião de Catânia em conluio com a Trabalho de Assistência Diocesana de Catânia, uma organização controlada pelo clero que presta assistência a pessoas com necessidades especiais.
Trabalho de Assistência Diocesana é a mais importante organização de seu tipo na Sicília, cuidando de mais de 1.500 pessoas com deficiência, com cerca de 500 funcionários. A acusação contra Gristina é que ele roubou mais de $200.000 de seu fundo.
Negando as acusações, Gristina afirmou que tem "o maior respeito pela autoridade judiciária" e que aguarda o momento quando "a absoluta legitimidade de suas ações irá ser comprovada."
Desde o início, a personalidade comedida do arcebispo, temperada pela sua experiência como um enviado papal em Trinidad e Tobago, Costa do Marfim e Brasil, foi entendida como um pouco distante pelo povo de Catânia, especialmente quando comparado com seu carismático antecessor, arcebispo Luigi Bommarito.
Embora mais um diplomata que pregador, Gristina tem promovido a importância da paróquia, enfatizado a proximidade com as pessoas e convocado sua comunidade a se espelhar no exemplo de Puglisi.
Quando Gristina veio para Catânia, em 2002, enfrentou os desafios de limpar a diocese de problemas, especialmente no seminário arquiepiscopal, alvo de rumores de estar em completa desordem há décadas; gerenciar a festa de Santa Ágata, permeada pela máfia; e claro, lidar com a Trabalho de Assistência Diocesana.
A organização contraiu uma dívida de mais de $50 milhões em 2017 e acumulou salários não pagos. Os trabalhadores protestaram na porta do arcebispo e até mesmo na catedral. Em dezembro de 2016, o Presidente da Trabalho de Assistência, Alberto Marsella, renunciou, criando uma fenda no seio da administração.
Gristina decidiu demitir toda a diretoria administrativa e chamou o advogado Adolfo Landi para atuar como comissário extraordinário. O arcebispo provavelmente não esperava que a situação saísse pela culatra da maneira que aconteceu, uma vez que Landi encontrou "anomalias" que fez de Gristina um alvo de investigação.
Marsella agora é acusado de apropriação indevida, juntamente com uma empregada da organização, Daniela Stefania Iacobacci. Os dois são acusados de roubar quase $10.000 dólares dos pagamentos mensais destinados a instituição Leigos de Lourdes, um asilo perto de Catânia, entre outubro de 2016 e de janeiro de 2017.
Mas as anomalias também mostraram mais de $200.000 dólares sendo movidos com um falso contrato para uma casa no centro de Roma. As duas partes envolvidas foram a Trabalho de Assistência Diocena, liderado pelo padre Alfio Santo Russo e o Conselho de Obras Diocesanas para o Culto e a Religião, presidido por Gristina.
Um julgamento criminal, que ainda não tem data fixa, decidirá se Gristina tem culpa ou é inocente.
Hoje a Trabalho de Assistência ainda está de pé, e Landi disse às agências de notícias locais que os empregados não perderão seus empregos. Jornais da Sicília também celebraram a "Reconquista" da festa de Santa Ágata, aparentemente expurgada da influência da máfia.
Os críticos duvidam que esses sucessos sejam devidos à influência de Gristina e, em 2021, quando ele alcança a idade de 75 anos, muitos esperam que Francisco aceite sua demissão. Em todo caso, ignorar o arcebispo na visita que se dará em meados de setembro parece ser um sinal bastante claro de que o Pontífice pretende manter distância nesse meio-tempo.
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Papa viaja para a Sicília em setembro e não deve se encontrar com arcebispo acusado de corrupção - Instituto Humanitas Unisinos - IHU