09 Novembro 2015
"Se um fiel fala da pobreza ou dos sem-teto e leva uma vida de faraó... isso não se pode fazer. Essa é a primeira tentação." Essa foi a declaração do Papa Francisco ao Straatnieuws, um jornal de rua holandês, concedida no dia 27 de outubro e traduzida hoje pela Radio Vaticana.
A reportagem é de Renato Paone, publicada no sítio L'HuffingtonPost.it, 06-11-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A afirmação do pontífice, relida à luz do escândalo Vatileaks 2, que surgiu nos últimos dias, soa mais como uma resposta às críticas sobre o luxo em que vivem cardeais e bispos, e à corrupção e aos escândalos financeiros dentro da Santa Sé, em vez de um simples chamado aos valores do Evangelho.
Pensamento reiterado na homilia da manhã dessa sexta-feira em Santa Marta: "Há aqueles que, em vez de servir, de pensar nos outros, de lançar as bases, se servem da Igreja, os carreiristas apegados ao dinheiro. E quantos sacerdotes e bispos vimos assim".
"Deus nos salve das tentações de uma vida dupla, onde eu me mostro como alguém que serve e, em vez disso, me sirvo dos outros", foi a advertência do papa. "É-nos pedido – continuou Francisco – que nos coloquemos ao serviço, mas há alguns que alcançaram um status e vivem comodamente sem honestidade, como os fariseus no Evangelho. Comovem-me aqueles padres e aquelas irmãs que, por toda a vida, estiveram a serviço dos outros." São esses padres e essas irmãs, destacou o papa, "que representam a alegria da Igreja".
"No Evangelho – retomou Bergoglio – o Senhor nos faz ver a imagem de outro servo, que, em vez de servir os outros, se serve dos outros." E, sublinhou, "nós lemos aquilo que esse servo fez, com quanta esperteza se moveu, para permanecer no seu lugar". Uma ambivalência que não deveria existir dentro da Igreja, concluiu Francisco.
Na entrevista ao Straatnieuws, Bergoglio insiste na necessidade de resistir às tentações, duas em particular: "A Igreja deve falar com a verdade e também com o testemunho da pobreza. Se um fiel fala da pobreza ou dos sem-teto e leva uma vida de faraó... isso não se pode fazer. Essa é a primeira tentação. A outra tentação é fazer acordos com os governos", disse o papa, desde que sejam acordos claros e transparentes.
"Nós administramos este edifício – exemplifixou Bergoglio –, mas as contas são todas controladas, para evitar a corrupção. Porque sempre há a tentação da corrupção na vida pública, tanto política, quanto religiosa."
O Papa Francisco contou uma experiência concreta sua: "Lembro que, uma vez, vi com muita dor quando a Argentina, sob o regime dos militares, entrou em guerra contra a Grã-Bretanha pelas Ilhas Malvinas. As pessoas davam coisas, e eu vi que muitas pessoas, inclusive católicos, que eram encarregados de distribuí-las, levavam-nas para casa. Sempre há o perigo da corrupção. Uma vez, eu fiz uma pergunta a um ministro argentino, um homem honesto, que deixou o cargo porque não podia concordar com algumas coisas um pouco obscuras. Eu lhe perguntei: 'Quando vocês enviam ajudas, sejam alimentos, sejam roupas, seja dinheiro aos pobres e aos necessitados, daquilo que vocês enviam, quanto chega lá, tanto em dinheiro quanto em despesas?' Ele me disse: '35%'. Significa que 65% se perde. É a corrupção: um pedaço para mim, outro pedaço para mim".
Uma história que parece reforçar o caso do Óbolo de São Pedro descrito no livro de Gianluigi Nuzzi, Via Crucis, que revelou que, dos 10% que em 2013/2014 entraram no Vaticano para a beneficência do pontífice, 6% iam parar no saneamento das contas em vermelho da Cúria, 2% eram postos de lado em um fundo – que já soma 400 milhões de euros – e só 2% eram direcionados ao canal humanitário dedicado à beneficência.
"Ontem – continuou o papa na entrevista – eu pedi para enviar ao Congo 50 mil euros para construir três escolas em países pobres. A educação é uma coisa importante para as crianças. Eu fui até a administração competente, fiz esse pedido, e o dinheiro foi enviado."
Depois, ele explicou por que renunciou ao apartamento do Palácio Apostólico, optando por Santa Marta: "Depois de ver aquele apartamento, me pareceu um funil ao contrário, isto é, grande, mas com uma porta pequena. Isso significa estar isolado. Eu pensei: não posso viver aqui, simplesmente por motivos mentais. Me faria mal. No início, parecia uma coisa estranha, mas eu pedi para ficar aqui, em Santa Marta. E isso me faz bem, porque eu me sinto livre. Eu como na sala de jantar, onde todos comem. E, quando chego antes, eu como com os funcionários. Encontro as pessoas, as cumprimento, e isso faz com que a gaiola de ouro não seja tanto uma gaiola. Mas eu sinto falta da rua".
Bergoglio também enfatiza que não existem tesouros da Igreja, porque estes, na realidade, são "tesouros da humanidade": "Se amanhã eu disser que a Pietà de Michelangelo seja leiloada, isso não se pode fazer, porque não é propriedade da Igreja. Ela está em uma igreja, mas é da humanidade. Isso vale para todos os tesouros da Igreja. Mas começamos a vender presentes e as outras coisas que me são dadas. E os proventos da venda vão para Dom Krajewski, que é meu esmoleiro. E depois há a rifa. Havia carros que foram todos vendidos ou doados com uma rifa, e a renda foi usada para os pobres. Há coisas que podem ser vendidas, e estas são vendidas".
Francisco termina a entrevista expressando um desejo, uma esperança: "Eu gostaria de um mundo sem pobres. Embora me pareça um pouco difícil de imaginar. Nós devemos lutar por isso. Mas sou uma pessoa que crê e sei que o pecado está sempre dentro de nós. E a cobiça humana sempre existe, a falta de solidariedade, o egoísmo que cria os pobres. Eu não sei se conseguiremos esse mundo sem pobres, porque o pecado sempre existe e nos traz o egoísmo. Mas devemos lutar sempre".
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Papa Francisco: "É triste ver na Igreja bispos e padres apegados ao dinheiro" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU