03 Julho 2018
Novo presidente mexicano poderia ter se afundado após a derrota de 2006, quando se 'autoproclamou' presidente, mas renasceu neste último domingo.
A reportagem é de Jacobo García, publicada por El País, 02-07-2018.
Em 21 de novembro de 2006, Andrés Manuel López Obrador sonhou com uma noite como a deste domingo. Abriu caminho entre a multidão, avançou pelo Zócalo, a praça mais central da capital, e subiu a um palanque de madeira onde tomou posse como "presidente legítimo" do México.
Há quase 12 anos, o homem que foi eleito presidente neste domingo, vestido de terno e gravata, esticou o braço e colocou uma faixa tricolor que lhe cruzava o peito, com a qual prestou juramento no cargo e nomeou um "gabinete legítimo", diante de dezenas de milhares de simpatizantes.
Durante muitos meses, na rua Mariano Escobedo y Gutenberg, falsos ministros despacharam em escritórios vazios, nos quais só havia um telefone e um papel com o seu nome, acompanhado da expressão "secretário legítimo de...". A única decoração nas paredes era uma foto de Obrador olhando para o infinito, com uma falsa faixa presidencial cruzando-lhe o peito.
Para qualquer outro, essa presepada teria significado sua sepultura política. Para qualquer outro que não Obrador.
Felipe Calderón acabava de ganhar as eleições por quase 250.000 votos de diferença, num total de quase 42 milhões. Uma vitória de Pirro, por trás da qual, segundo Obrador, se escondia uma grave fraude que nunca foi demonstrada e acabou sendo rejeitada pelo Tribunal Eleitoral e por observadores internacionais, incluindo os da União Europeia.
Sua resposta foi mobilizar milhares de pessoas nas ruas, ao grito de "voto por voto, seção por seção".
Durante 47 dias, seus seguidores bloquearam o coração da capital e tomaram com toldos e barracas a avenida Reforma, até transformá-la em um gigantesco acampamento ao ar livre com mais de cinco quilômetros.
Durante um mês e meio, milhares de pessoas suportaram a chuva e o desprezo do resto do país, enquanto alteravam a rotina da capital. O protesto foi pouco a pouco se desinflando, mas mostrou a determinação de Obrador em obter a presidência.
Durante 47 dias os seguidores de Obrador bloquearam a avenida Reforma, até transformá-la em um gigantesco acampamento ao ar livre
Naquela campanha de 2006, Obrador ainda se gabava de só recentemente ter tirado um passaporte e que, até os 52 anos, só havia saído uma vez do país, para ir aos Estados Unidos. Apesar de ser comparado a outros líderes esquerdistas latino-americanos, inclusive Hugo Chávez, o fato é que nunca se encontrou com o bolivariano.
Obrador é um fenômeno puramente mexicano, saído de uma mãe católica e de um poeta que escreveu sobre as belas paisagens do Estado de Tabasco e que o empurrou para a luta. Seu ideário combina o messianismo tropical com a política real da capital, onde foi prefeito.
Durante essa etapa (2000-2005), Obrador implantou a pensão universal para idosos de baixa renda e sancionou ajudas a prostitutas e estudantes. Seu grande legado urbanístico foi a construção de um polêmico segundo andar sobre uma importante artéria da cidade.
Paralelamente, desconcertou a esquerda ao paralisar leis para a legalização de casamentos homossexuais, uniu-se ao magnata Carlos Slim para restaurar o Centro Histórico e contratou Rudolph Giuliani, ex-prefeito de Nova York, para reduzir os índices de criminalidade na cidade. Naquela época, muitos consideravam que Obrador falava com a esquerda e governava com a direita.
Durante sua gestão, Obrador concedia entrevista coletiva diariamente, às 6h30 da manhã, junto a um quadro de Benito Juárez, primeiro presidente indígena das Américas, o homem que o inspira. Uma rotina madrugadora que mantém e desconcerta seus rivais, obrigados a seguir a agenda que ele dita desde a primeira hora.
Mas a política mexicana reserva um péssimo lugar para os perdedores. Condenado ao ostracismo midiático, o candidato derrotado não entra no Congresso, nem existe o cargo de chefe da oposição, então quando perdeu as eleições de 2006 anunciou o começo de uma longa campanha com um único objetivo: percorrer os 2.500 municípios do país.
Seis anos depois, em 2012, voltou a perder, por quase oito pontos percentuais, contra o candidato do PRI, Enrique Peña Nieto. Obrador nada pôde fazer frente ao telegênico aspirante que tinha tudo: discurso, partido, imagem, o apoio da mídia.
Se em 2006 aprendeu que buscaria a presidência de baixo para cima, em 2012 descobriu que para isso necessitava de um partido.
A fundação de sua legenda, o Morena (Movimento de Regeneração Nacional), foi um dos pilares da sua expansão. Nos últimos seis anos, Obrador organizou pessoalmente a busca de líderes, a formação de quadros e os contatos com os jovens. Paralelamente, teceu uma rede de simpatias e lealdades com organizações de professores e mineiros, que neste domingo serviram como fiscais eleitorais nas zonas mais remotas do país.
A criação do movimento que ele lidera é um dos fenômenos políticos mais relevantes da América Latina nos últimos anos. Quando perguntavam a Ricardo Monreal, um dos operadores mais experientes de Obrador, o que faltava aos candidatos Ricardo Anaya, do PAN, e José Antonio Meade, do PRI, para alcançar Obrador, respondia sempre o mesmo: "Doze anos percorrendo todo o país e visitando povoados aonde a água e as fábricas tecnológicas não chegam. Falta a eles o povo".
O homem que anuncia a chegada da quarta transformação do país (depois da Independência, da Reforma e da Revolução) mudou junto com seus slogans políticos. Da advertência de 2006, "Pelo bem de todos, primeiro os pobres", ao atual: "AMLO, a esperança do México".
Neste domingo, a faixa que lhe cruza o peito deixou de ser de papel, e ele passou de presidente legítimo a legitimado.
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López Obrador, a vitória de um inusitado sobrevivente político no México - Instituto Humanitas Unisinos - IHU