Por: Wagner Fernandes de Azevedo | 13 Junho 2018
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos — CIDH, da Organização dos Estados Americanos — OEA, divulgou na quinta-feira passada, 7-6-2018, um balanço das investigações sobre o desaparecimento dos 43 estudantes da Escola Normal Rural de Ayotzinapa na cidade de Iguala, no México, em setembro de 2014. Segundo a apuração da CIDH, o estado mexicano cometeu graves erros na investigação. Passados três anos e meio do desaparecimento não se sabe onde estão e o que aconteceu com os corpos dos estudantes, tampouco está esclarecida qual foi a relação dos agentes estatais com o narcotráfico.
A investigação sobre o desaparecimento dos 43 estudantes da está desde o início sob a responsabilidade da Procuradoria Geral da República do Estado do México. Sem avanços significativos no processo de justiça, os familiares das vítimas embasam no informe da CIDH sua pressão para o governo de Enrique Peña Nieto declarar o fracasso dos órgãos responsáveis no processo.
De acordo com o balanço da CIDH ainda que a PGR tenha acatado os instrumentos tecnológicos e jurídicos que garantam maior rigor de apuração dos fatos, falta celeridade para alcançar conclusões e resultados efetivos. “Não há detenções de atores estatais que possam ter participado na noite dos fatos em Iguala. É importante determinar o grau de participação da polícia federal nos fatos, assim como do Exército, as policiais municipais e autoridades estatais. A CIDH conclui que persistem sérios desafios e obstáculos que precisam ser superados a fim de se alcançar a verdade, justiça e reparação”, aponta o relatório.
Em vista de reparação, a CIDH consiste na cobrança de prioridades para o tribunal da PGR: a busca dos estudantes, a atenção às vítimas e a investigação dos fatos.
Do primeiro ponto, o único avanço deu-se pelo rechaço da narrativa inicial do estado, que apontava que os corpos foram incinerados em um aterro, sem apresentar evidências técnicas e científicas, e assim decretando o caso como solucionado. Apesar da retórica do estado ter sido reforçada por quase três anos, a procuradoria se alinhou à posição da OEA e da ONU. Seguindo as normas internacionais de direitos humanos, o México assinou em janeiro de 2018 a Lei Geral de Desaparição de Pessoas, que institui as buscas sempre com o pressuposto de que as vítimas de desaparecimento estão vivas.
Em relação ao acompanhamento das diferentes vítimas, denuncia-se que o Estado não está fornecendo atendimento psicossocial. Orientado por informe da comissão publicado ainda em 2017, a PGR afirmou em fevereiro que ainda não tem uma posição sobre a execução da medida. Além dos desaparecidos, são consideras vítimas todos os estudantes que tiveram confronto com a polícia na noite do massacre e os familiares.
Sobre o andamento da investigação, houve avanços significativos pelos instrumentos de análise, como rastreamento dos telefones das vítimas e indícios de participação das forças de segurança. Porém, o relatório contesta a lentidão no cruzamento de informações e aprofundamento dos dados que já foram obtidos.
O CIDH também alertou para as possíveis fraudes no processo. A PGR foi acusada de omitir e distorcer fatos, interrogar um acusado sem autorização, acompanhamento e com uso de tortura. O organismo internacional também destacou que membros do seu grupo que acompanham o caso (advogados, ativistas de direitos humanos e jornalistas) foram vítimas de espionagem, em 2017 — na época a comissão já afirmara que a procuradoria “não podia garantir uma investigação imparcial e autônoma”.
A CIDH como um organismo internacional intergovernamental sem poder jurídico, serve apenas como assistente judiciário internacional. Deste modo, internamente pressiona-se à PGR para seguir as recomendações do relatório. Nas ações práticas, os familiares dos desaparecidos cobram que se crie uma nova comissão para a verdade e a justiça, na qual possam participar das investigações. Assim como cobram que os indícios de participação do estado sejam direcionados e responsabilizem os agentes coniventes. Em três anos e meio de investigação, com uso de recursos tecnológicos e jurídicos, a CIDH julgou o processo como exageradamente lento e com graves anomalias.
O organismo apontou que o judiciário mexicano necessita de transformações estruturais para a autonomia e profissionalização da justiça, dos serviços forenses e periciais.
A resposta da PGR foi apenas em defesa dos seus trabalhos e da autonomia dos poderes, entoando que a CIDH desconhece o sistema jurídico mexicano.
Conferência de imprensa dos familiares dos 43 estudantes desaparecidos após a divulgação do relatório da CIDH
Na noite de 26 de setembro de 2014, centenas de estudantes foram à cidade de Iguala protestar contra a política de educação no país. Houve enfrentamento com a polícia e foram registrados mais de 100 estudantes feridos. Um ônibus com 43 estudantes da Escola Normal Rural de Ayotzinapa desapareceu.
As acusações caem sobre o então prefeito de Iguala, que estava em campanha para eleger sua esposa para a sucessão. As informações dão conta de que a mando do prefeito os policiais interceptaram o ônibus que saía de Ayotzinapa para a manifestação. Acusa-se que há relação entre as forças estatais com o narcotráfico. O cartel Guerreros Unidos teria sido acionado pela polícia para executar os estudantes. O líder do cartel, Nicolás Najera Salgado, está preso desde 2016, acusado de narcotráfico e envolvimento com o caso. Outro preso é Sidronio Casarrubias, desde outubro de 2014, identificado como o mentor do crime. Em uma caderneta de Sidronio apreendida pela PGR está o contato de um sujeito de alcunha Patrón, ainda não identificado. O relatório do CIDH acusa que as informações recolhidas e registradas pela PGR não cruzam com as quais seu grupo de investigação encontrou nessa agenda.
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OEA acusa México de lentidão e interferências na investigação dos 43 desaparecidos de Ayotzinapa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU