Assim Joseph Ratzinger contestou as teses de Paulo VI

Foto: Pixabay

Mais Lidos

  • Esquizofrenia criativa: o clericalismo perigoso. Artigo de Marcos Aurélio Trindade

    LER MAIS
  • Alessandra Korap (1985), mais conhecida como Alessandra Munduruku, a mais influente ativista indígena do Brasil, reclama da falta de disposição do presidente brasileiro Lula da Silva em ouvir.

    “O avanço do capitalismo está nos matando”. Entrevista com Alessandra Munduruku, liderança indígena por trás dos protestos na COP30

    LER MAIS
  • O primeiro turno das eleições presidenciais resolveu a disputa interna da direita em favor de José Antonio Kast, que, com o apoio das facções radical e moderada (Johannes Kaiser e Evelyn Matthei), inicia com vantagem a corrida para La Moneda, onde enfrentará a candidata de esquerda, Jeannete Jara.

    Significados da curva à direita chilena. Entrevista com Tomás Leighton

    LER MAIS

Revista ihu on-line

O veneno automático e infinito do ódio e suas atualizações no século XXI

Edição: 557

Leia mais

Um caleidoscópio chamado Rio Grande do Sul

Edição: 556

Leia mais

Entre códigos e consciência: desafios da IA

Edição: 555

Leia mais

03 Julho 2018

Em 1968, o futuro papa criticou a as posições de Montini, mais tarde aceitas na encíclica Humanae Vitae. Ficará surpreso quem considera que a doutrina da Humanae Vitae, a última encíclica de Paulo VI, seja irreformável.

A reportagem é de Paulo Rodari, publicada por La Repubblica, 02-07- 2018. A tradução é de Luisa Rabolini.

Na verdade, ao ler o texto de Joseph Ratzinger, Para uma teologia do matrimônio, agora publicado pela Marcianum Press, por Nicola Reali (reproduzimos abaixo um trecho), e, curiosamente, não incluído em sua Opera omnia, entende-se como as argumentações de Humanae Vitae eram para o teólogo alemão tudo menos inquestionáveis.

Embora o texto de Ratzinger tenha sido escrito em 1968, e, portanto, antes da encíclica, o conteúdo (publicado um ano depois) refere-se ao que, do debate teológico daqueles anos, Paulo VI acabou incluído no seu trabalho. Explica Reali: "O texto expressa uma posição (totalmente legítima) sobre aquele debate. O fato de tê-lo publicado, sem mudar nada, um ano depois, é um indicador que, com igual evidência, assinala a participação ativa na discussão que se seguiu à publicação da encíclica".

Montini declarou, entre outras coisas, a ilegalidade da "pílula" e de outros meios contraceptivos. Ratzinger, como também reafirmou em recente entrevista a Peter Seewald, mesmo questionando o ensinamento (ndr: colocando em discussão ou não colocando em discussão?) de base do texto, ressalta a fragilidade do fundamento em que se baseia o argumento subjacente.

Para ele, a moral cristã sobre matrimônio e família não pode se alavancar apenas na lei natural, pois esta busca o elemento de ética da relação conjugal da esfera animal, reduzindo a sexualidade quase à mera reprodução da espécie. Os preceitos morais cristãos, ao contrário, só podem ser respeitados em uma perspectiva de fé: onde o cristão - como lembrava também Lutero – se reconhece sempre "simul iustus et peccator".


Eis um trecho do artigo do cardeal Ratzinger

A indissolubilidade do matrimônio não é uma lei natural

É claro que da correta interpretação sacramental do matrimônio cristão deriva necessariamente a sua unidade e indissolubilidade: enquanto realização – na fidelidade do homem - da fidelidade de Deus à Aliança, o matrimônio cristão expressa a definitividade e irrevogabilidade do "sim" divino na definitividade e irrevogabilidade do "sim" humano. Somente isso é verdadeiramente em conformidade com a fé e, portanto, realização de um verdadeiro ethos cristão. A possibilidade de escolhas irrevogáveis, que a fé descortina, pertence aos traços fundamentais da imagem do homem que a própria fé implica. Ao mesmo tempo, porém, é preciso lembrar sem hesitação que do puro direito natural não é possível deduzir a unidade e a indissolubilidade do matrimônio. A "natureza" do matrimônio é o seu ser na história e sua naturalidade é realizada apenas nos ordenamentos históricos.

Até mesmo a ordem da fé é uma ordem histórica, embora ela seja em Cristo a forma definitiva da história e, portanto, deva atribuir à pretensão da fé um caráter incondicional. (...) A tentativa de interpretar juridicamente esse apelo supralegal e suprajurídico traz, já na comunidade da igreja descrita por Mateus, a incluir de novo no direito a "dureza de coração" do homem e proceder em conformidade.

Certamente pode-se dizer que justamente nessas cláusulas sobre o divórcio que agora aparecem, a reivindicação de Jesus, que destrói a casuística e leva à sua superação, é novamente transformada em posição casuística e, assim, renova o risco de perder algo da seriedade do princípio. Ao mesmo tempo, porém, é necessário reafirmar que a recepção da Igreja não pode ser separada da palavra de Jesus; e com absoluta clareza aqui é reiterado que a palavra de Jesus é sim o ponto de referência incondicional de todo matrimônio cristão, mas não uma nova lei no sentido estrito da palavra. Sobre essa base pode-se entender porque na Igreja do Oriente desde muito cedo, em caso de adultério, foi concedida a possibilidade de divorciar ao cônjuge não culpado e há tempo foram reconhecidas análogas possibilidades até mesmo na Igreja latina. Isso corresponde ao fato de que o homem também no Novo Testamento precisa de indulgência por causa de sua "dureza de coração", que ele é justo apenas como pecador justificado, que de acordo com a fé do Sermão da Montanha é um critério válido, mas não representa a forma jurídica do seu viver junto. A partir disso, não se deve concluir que mesmo a Igreja do Ocidente deveria tornar o divórcio uma possibilidade do próprio direito canônico similarmente ao que fazem as igrejas ortodoxas do Oriente.

Manter a indissolubilidade como um puro direito da fé tem um profundo significado.

Mas então a pastoral deve permitir-se ser determinada mais fortemente pelos limites de toda justiça e da realidade do perdão; não pode considerar de maneira unilateral o homem que se manchou com essa culpa pior do que aquele que caiu em outras formas de pecado. Deve tornar-se consciente com maior clareza das peculiaridades próprias do direito da fé e da justificação pela fé e encontrar novos caminhos, para deixar aberta a comunidade dos fiéis inclusive para aqueles que não conseguiram manter o sinal da Aliança na plenitude de sua pretensão.

Leia mais