20 Junho 2018
O fracasso da Europa, fechada em si mesma e racista, é também o nosso fracasso. Há uma escuta que muda a história, e só ela se torna testemunho.
O artigo é de Fulvio Ferrario, teólogo italiano evangélico, decano da Faculdade de Teologia Valdense de Roma, publicado por Riforma, 18-06-2018. A tradução é de Luisa Rabolini.
“Conseguiremos" (Wir schaffen das): a expressão usada por Angela Merkel em um famoso discurso de 31 de agosto, 2015, em frente a uma onda de refugiados vindos do leste, poderia ter se tornado uma frase histórica, em um século XXI não exatamente rico de palavras capazes de apaixonar. Aquela frase também tinha uma matriz espiritual, muito implícita, mas não por isso desbotada. Isso foi bem reconhecido, com uma critica sarcástica, por um dos principais jornais alemães, que comentava algo assim: "É possível tirar uma pessoa da casa pastoral [Merkel é a filha de um pastor da RDA], mas não a casa pastoral do coração daquela pessoa". Admito ter ficado emocionado ao ler aquele comentário: ele queria expressar a acusação muitas vezes referida como "idealismo ingênuo", mas, entretanto, constatava uma influência permanente das palavras e da Palavra antigamente ouvidas na casa pastoral. "Vamos torcer para que seja verdade", pensei. Mas não o foi, hoje sabemos disso. A filha do pastor teve que pagar as promessas das exigências eleitorais, procurando assim evitar que em seu país acontecesse o que nos últimos anos vem acontecendo em outros lugares: acredito, inclusive, que o tenha feito de uma forma um pouco menos canalha que outros.
Vários fascismos, até mesmo locais, dizem que querem uma “Europa branca e cristã": na realidade, uma das razões do sucesso de semelhante vulgaridade é que não só a Europa não é cristã (em alguns aspectos, não é nem mesmo claro o que isso poderia significar), mas a palavra do Evangelho, neste continente, ou é inteiramente estranha, incompreensível, ou é justamente monstruosamente distorcida na mais esquálida ideologia identitária (um pouco de “religião”, católica ou protestante, para não mencionar a ortodoxia, a ser adicionada ao culto do Sangue e da Terra). Os políticos que pregam o fim da "mordomia" (que não raramente consiste em apodrecer em um campo de refugiados, caso a pessoa consiga não morrer afogada no Mediterrâneo) escolhem palavras que agradam a opinião pública. O pior do pior produzido pela política europeia (e por Trump, evidentemente) constitui a resposta a um pedido muito claro. Como sempre nos momentos mais sombrios da história, ela é expressa pelo "Povo" (justamente: Sangue, Terra e Povo), que agora também tem um "Advogado" (nota: tomara que o Advogado do Povo não pratique em um Tribunal do Povo: só faltava isso).
E as igrejas? As informações que possuo sobre a Ortodoxia são parciais: digamos que ouvir Kirill, e especialmente vê-lo com seus amigos, não me tranquiliza, mas a questão é mais complexa. Quanto aos líderes católicos e protestantes, eles estão do lado certo e inclusive por esse motivo são mal tolerados e essencialmente marginalizados no debate europeu, incluindo o papa. No entanto, trata-se da marginalidade de Cristo, que não deve ser simplesmente suportada, mas vivida com alegria.
Pergunto-me, ao contrário, se todos aqueles que (ainda) frequentam as igrejas se colocam do mesmo lado; pergunto-me se a anunciação da palavra de Jesus ao palco da situação atual não seja, às vezes, considerada perigosa, a ponto de afastar alguns dos não muitos que ainda a seguem. O cenário melancólico desta Europa extremamente rica e hipócrita também expressa o fracasso da pregação cristã. Seria um fracasso devido à nossa ignorância, ou à falta de escuta determinada pela "dureza do coração" de que fala a Escritura? Não tenho como sabê-lo, naturalmente, e até é possível que as duas possibilidades possam ocorrer. Certamente, o fraco eco cultural da Palavra antigamente conservada na "casa pastoral" (os "valores" cristãos, a "mentalidade" protestante, a “identidade” confessional, a “história” da nossa “Terra”) é mais mito do que realidade e em todo caso, não é aquilo do que as igrejas são responsáveis. Em vez disso, elas receberam a própria Palavra, não especificamente para propagá-la, mas para ouvi-la. Existe uma escuta que muda a história e só ela se torna testemunho.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Conseguiremos? Artigo de Fulvio Ferrario - Instituto Humanitas Unisinos - IHU