11 Junho 2018
A instituição desse “conselho privado” há cinco anos foi saudada como um importante desenvolvimento histórico, mas alguns membros lançaram uma sombra sobre a sua credibilidade
A reportagem é de Robert Mickens, publicada em La Croix International, 08-06-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O Papa Francisco realizará mais três dias de reuniões com o Conselho dos Cardeais, a partir desta segunda-feira, 11 de maio.
Isso marcará a 25ª vez que o papa de 81 anos reunirá os membros do seu “gabinete”, uma nova assembleia de assessores seniores que ele instituiu exatamente um mês após a sua eleição como bispo de Roma, em 2013.
Francisco formou esse grupo exclusivo “para aconselhá-lo no governo da Igreja universal e para estudar um plano para revisar a constituição apostólica sobre a Cúria Romana, Pastor bonus”, uma reestruturação por parte de João Paulo II dos principais escritórios vaticanos em 1998.
Todos sabem que esse “conselho privado” exclusivo tem trabalhado para reformar a burocracia central da Igreja. Mas a maioria parece ter esquecido que a primeira tarefa atribuída a ele é auxiliar o papa “no governo da Igreja universal”.
“O mencionado Conselho será mais uma expressão da comunhão episcopal e do auxílio ao munus petrinum que o Episcopado espalhado pelo mundo pode oferecer”, escreveu Francisco no documento que instituiu formalmente esse novo órgão de governança consultivo.
Originalmente composto por oito cardeais (apelidado, por isso, de C8), o papa jesuíta acrescentou posteriormente seu secretário de Estado – o cardeal Pietro Parolin – a esse corpo de elite. E, assim, ele agora é referido como C9.
Mas nem todos os nove cardeais membros estarão nas reuniões desta semana. O cardeal George Pell, por exemplo, mais uma vez estará ausente. A última vez que ele participou de uma reunião do C9 foi em junho de 2017.
Desde então, ele perdeu quatro encontros (este será o quinto), depois de receber uma licença de suas obrigações vaticanas – inclusive como prefeito da Secretaria para a Economia – a fim de retornar à sua Austrália natal e “defender-se” das acusações de “históricas ofensas de agressão sexual”.
Então, agora estamos efetivamente de volta a um C8. Mas muitos estão insistindo que pelo menos outro membro controverso do conselho deveria ser demitido imediatamente.
Trata-se do cardeal Francisco Javier Errázuriz, ex-arcebispo de Santiago do Chile (1998-2010).
O cardeal, que hoje tem 84 anos, teve uma carreira notável e – como descobrimos recentemente em detalhes novos e desagradáveis – muito conturbada, especialmente por supostamente ter acobertado os abusos sexuais de um dos agressores mais notórios do Chile, Fernando Karadima.
“Errázuriz sabia tudo sobre o caso Karadima. O relatório de 700 páginas da Congregação para a Doutrina da Fé, que finalmente resultou na censura eclesiástica de Karadima, foi submetido sob a sua supervisão. Ele repetidamente atrasou a administração da justiça para Karadima enquanto era arcebispo”, observou um dos nossos recentes artigos sobre o desdobramento do escândalo dos abusos sexuais no Chile.
De fato, há anos, o cardeal se recusara até mesmo a ouvir denúncias contra o ex-padre. Muitos se perguntam como é possível que o Papa Francisco ainda o mantenha como um de seus conselheiros mais próximos.
Mas parece que Errázuriz vai permanecer.
Em uma entrevista recente, o cardeal Óscar Rodríguez Maradiaga, o hondurenho de 75 anos que é o coordenador do C9, disse que Francisco não tem planos imediatos para se livrar ou para substituir qualquer um dos atuais membros do conselho consultivo.
Em circunstâncias normais, isso seria compreensível. Como observou o cardeal Rodríguez, o projeto para revisar a Pastor bonus está próximo de ser concluído, e é compreensível que o papa não queira substituir nenhum dos que estão realizando esse trabalho até que ele esteja terminado de fato.
Mas estas não são circunstâncias normais. A credibilidade de pelo menos dois membros envolvidos no aconselhamento do papa sobre a reforma da Cúria Romana ficou seriamente comprometida.
Primeiro, há o cardeal Pell. Mesmo que ele seja inocentado das acusações de abuso sexual que está enfrentando atualmente no tribunal, o australiano de 76 anos tem sido criticado há muito tempo pela forma intimidadora que ele, como bispo diocesano, lidou com as supostas vítimas de abuso sexual do clero.
Depois, há o cardeal Errázuriz. Ele é uma das figuras-chave do desdobramento da crise dos abusos sexuais e de seu encobrimento no Chile.
Manter seus serviços como um importante consultor papal pode ser facilmente visto como um insulto, não apenas para as vítimas de Karadima, mas também para todas aquelas vítimas que, em todo o mundo, foram abusadas por padres e cujas denúncias foram ignoradas pelos homens da hierarquia.
Até mesmo o cardeal Rodríguez, o coordenador do C9, tornou-se uma figura controversa. Suas viagens frequentes ao redor do globo para dar conferências e receber vários prêmios o inseriu no modelo “bispo de aeroporto” – uma expressão que o Papa Francisco usou para descrever os bispos que estão sempre longe de suas dioceses.
E, recentemente, o cardeal hondurenho também foi acusado de impropriedades financeiras e de outras formas de corrupção na Arquidiocese de Tegucigalpa, que ele lidera há mais de 20 anos.
O cardeal Rodríguez negou todas as acusações como ataques daqueles que estão tentando desacreditar o Papa Francisco, as suas reformas e o Conselho dos Cardeais.
Isso pode ser verdade, mas houve uma falta de transparência no modo como o Vaticano e o papa lidaram com as várias denúncias contra todos esses três cardeais.
O Papa Francisco tem trabalhado tenazmente nos últimos cinco anos para cultivar as sementes de uma mudança de paradigma no catolicismo que foram plantadas no Concílio Vaticano II (1962-1965).
Ele precisa se certificar de que não está sendo dissuadido nesse esforço contínuo ao se apoiar em conselheiros contaminados por qualquer tipo de escândalo ou de suspeita de má governança.
Neste ponto, é impossível para o papa abrir mão de George Pell sem enviar sequer o menor sinal de que ele duvida da inocência do cardeal em relação ao processo judicial em curso na Austrália.
Quanto a Óscar Rodríguez, provavelmente há poucas evidências neste ponto para que o papa o dispense.
Mas, por causa do aprofundamento da crise no Chile e do modo como ela desacreditou todos os bispos desse país latino-americano, o Papa Francisco não tem outra escolha senão remover Francisco Errázuriz do seu conselho de cardeais conselheiros.
Ele deve isso a todas as vítimas de abuso sexual do clero. E ele deve isso a todos os católicos que estão rezando pelo sucesso do seu pontificado e pelas reformas necessárias que ele está tentando realizar em toda a Igreja.
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Papa Francisco e a credibilidade do Conselho dos Cardeais - Instituto Humanitas Unisinos - IHU