Por: Patricia Fachin | 04 Mai 2018
“Tudo leva a crer que nada mudou, ou melhor, os indicativos que temos mostram que a situação piorou”, diz o diretor executivo do Consórcio Público de Saneamento Básico da Bacia Hidrográfica do Rio dos Sinos - Pró-Sinos, Oscar Gilberto Escher, à IHU On-Line, ao comparar a atual situação ambiental do Rio dos Sinos com o estado do rio há doze anos, quando aproximadamente 90 toneladas de peixes morreram numa das maiores tragédias ambientais da região. Um ano depois da tragédia, em 2007, a IHU On-Line publicou um número especial, no qual os especialistas apontavam os resíduos industriais e o alto índice de esgoto não tratado como as principais causas do desastre e da degradação ambiental do Rio dos Sinos, que perpassa 32 municípios gaúchos.
Doze anos depois, Escher informa que o rio “não tem um sistema de acompanhamento e monitoramento da qualidade ambiental e principalmente das águas”, e está classificado como um rio classe 4, isto é, “o último por qualidade ambiental”. Segundo a resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente – Conama, num rio classe 4 as águas só podem ser destinadas a duas finalidades, navegação e harmonia paisagística.
Na entrevista a seguir, concedida por e-mail, Escher argumenta que o “principal fator” que explica a atual situação do Rio dos Sinos “é cultural”. “Em todas as sociedades com elevada qualidade de vida, as pessoas vivem nas orlas, com parques, marinas, atividades econômicas e sociais. Aqui, as cidades se afastam, dão as costas, toleram as ocupações informais e a degradação. Essa situação só interessa a quem polui. Como é proibido usar, pode-se degradar à vontade”, diz.
Na avaliação dele, para reverter o atual quadro, é fundamental “atacar os quatro eixos do saneamento: água para consumo, tratamento das águas servidas, drenagem e resíduos sólidos de maneira integrada nos conceitos de sustentabilidade econômica, social e ambiental”. E adverte: “Em termos de saneamento básico, o poder gestor é local, mas o problema é regional. A solução está na gestão partilhada. Estamos tentando redesenhar a estrutura dessa governança, mantendo o consórcio prestador de serviços e criando um novo consórcio independente, mas vinculado para a regulação. Os requisitos são de garantir sustentabilidade, independência e tecnicidade. O maior desafio é não deixar essas estruturas serem capturadas pela sede de poder de grupos ou pessoas. O altruísmo deve estar acima do egoísmo, o regional precisa harmonizar com o local e vice-versa”.
OScar Escher | Foto: Ambientur
Oscar Gilberto Escher é arquiteto formado pela Universidade Federal do Estado do Rio Grande do Sul – UFRGS. Foi secretário de Planejamento Urbano do município de Canoas e coordenador técnico e político do Plano Diretor da cidade. Foi também secretário adjunto da Secretaria de Obras do Governo do Estado do Rio Grande do Sul no ano de 2011. Atualmente é diretor executivo do Pró-Sinos.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Qual é a atual situação ambiental do Rio dos Sinos, mais de dez anos depois da mortandade dos peixes que ocorreu em 2006?
Oscar Gilberto Escher - Tudo leva a crer que nada mudou, ou melhor, os indicativos que temos mostram que a situação piorou. O Rio dos Sinos é um rio classe 4, isto é, o último por qualidade ambiental. Não é classe 5 por não existir essa classificação. Uma vergonha.
O Rio dos Sinos não tem um sistema de acompanhamento e monitoramento da qualidade ambiental e principalmente das águas. Existem informações em várias entidades, órgãos e concessionárias que estamos começando a organizar no projeto Observatório Pró-Sinos. O sistema de monitoramento estava previsto no Plano de Bacia, mas até agora, após quatro anos da sua aprovação, não vimos nada que nos entusiasme.
Para a elaboração do referido Plano, foi feita uma radiografia do rio e seus afluentes, ou seja, da Bacia. O plano precisa ser revisto. O Comitê de Bacia confessa que não implementou nenhuma das metas previstas e, mesmo que o tivesse feito, o plano prevê que em vinte anos continuaremos um rio classe 4, ou seja, confessadamente ineficiente.
IHU On-Line - Por que a bacia hidrográfica do Rio dos Sinos é a quarta mais poluída do país? Quais são os fatores que contribuem para esse resultado?
Oscar Gilberto Escher - O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, através de indicadores, fez essa classificação que não foi contestada. A degradação não está presente só na água, comprometemos todas as regiões baixas e ribeirinhas. Ao invés de promovermos uma ocupação planejada e sustentável, ocupando o que é possível e preservando o que é necessário, simplesmente a proibimos. A regra é proibir para omitir.
Acredito que o principal fator é o cultural. Em todas as sociedades com elevada qualidade de vida, as pessoas vivem nas orlas, com parques, marinas, atividades econômicas e sociais. Aqui as cidades se afastam, dão as costas, toleram as ocupações informais e a degradação. Essa situação só interessa a quem polui. Como é proibido usar, pode-se degradar à vontade.
Mapa do Rio dos Sinos (Mapa: Olhar Campo Bom)
IHU On-Line - Em artigo recente o senhor mencionou que para o Rio dos Sinos deixar de ser a quarta bacia mais poluída do país, é preciso investir 6 bilhões de reais em duas décadas. Quais são os desafios nesse sentido?
Oscar Gilberto Escher – Entre os desafios, destaco:
a. Atacar os quatro eixos do saneamento: água para consumo, tratamento das águas servidas, drenagem e resíduos sólidos de maneira integrada nos conceitos de sustentabilidade econômica, social e ambiental;
b. Apesar de a água ser um bem social público, por ser finita, é preciso reconhecer seu valor econômico e como tal fazer uma gestão eficiente;
c. Promover uma urgentíssima mudança cultural nos usos múltiplos da água;
d. Abandonar discursos fáceis e demagógicos, assumindo posturas adultas que requerem comunidades comprometidas com as gerações futuras, acreditando no desenvolvimento econômico junto com o social e o ambiental.
IHU On-Line - Como os municípios que são banhados pelo Rio dos Sinos discutem e articulam políticas em prol da bacia hidrográfica?
Oscar Gilberto Escher - Em termos de saneamento básico (água, esgoto, drenagem e resíduos), o poder gestor é local, mas o problema é regional. A solução está na gestão partilhada.
Estamos tentando redesenhar a estrutura dessa governança, mantendo o consórcio prestador de serviços e criando um novo consórcio independente, mas vinculado para a regulação. Os requisitos são de garantir sustentabilidade, independência e tecnicidade. O maior desafio é não deixar essas estruturas serem capturadas pela sede de poder de grupos ou pessoas. O altruísmo deve estar acima do egoísmo, o regional precisa harmonizar com o local e vice-versa.
IHU On-Line - Qual é a situação dos Planos de Saneamento dos municípios que são banhados pelo Rio dos Sinos? Quais são as principais dificuldades na implementação desses planos?
Oscar Gilberto Escher - Estamos fazendo a revisão de todos os planos de saneamento e com isso elaborando o Plano de Saneamento Regional. A meta é termos planos coerentes, consistentes, viáveis que garantam a universalização do saneamento em toda bacia nos próximos 20 anos. Não podemos mais conviver com planos de “faz de conta”; esses planos deverão ser transformados em leis que funcionem.
O principal desafio está em transformá-los num grande pacto entre o poder público (poder concedente), sociedade (usuários nas suas diversidades) e prestadores de serviços (público ou privado).
O poder concedente (município) faz a gestão dentro do planejado, a concessionária (pública ou privada) faz investimentos prestando os serviços contratados mediante remuneração adequada, e os usuários (instituições, pessoas, empresas etc.) recebem um serviço de qualidade pagando uma tarifa justa.
IHU On-Line - Que avaliação faz da atuação do Consórcio Público de Saneamento Básico da Bacia Hidrográfica do Rio dos Sinos – Pró-Sinos? Que tipo de iniciativas o Consórcio tem desenvolvido?
Oscar Gilberto Escher - Temos muito que agradecer àqueles que verdadeiramente contribuíram para que o consórcio fosse uma realidade. Nossa sincera homenagem a todos que nos antecederam.
O Consórcio Pró-Sinos está em fase de reestruturação, como já mencionei acima. Hoje somos prestadores de serviço e agência de regulação. Estamos trabalhando com as seguintes atividades:
a. Estamos investindo na formação de uma nova Agência de Regulação para que seja mais independente, equidistante e baseada na tecnicidade, evitando que seja capturada;
b. Os programas de serviços socioambientais estão baseados nos excelentes profissionais de educação ambiental que a região já tem, mas que precisam ser organizados e apoiados em rede;
c. A elaboração do Plano de Saneamento Regional, baseada na revisão dos planos municipais e nos estudos de viabilidade;
d. Reestruturamos a usina de reciclagem de resíduos sólidos da construção civil, dando-lhe sustentabilidade econômica, prestando serviços aos municípios e dando destino aos resíduos e fornecendo subprodutos a preços altamente acessíveis, bem como instalando na própria usina programas socioambientais através da rede de educadores;
e. Iniciamos o programa da Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental – TCFA junto com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - Ibama e a Secretaria do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável - Sema em subprogramas de fiscalização, monitoramento, prevenção e gestão partilhada com os municípios;
f. Estamos trabalhando na captação de recursos bem como no programa de rateio para garantir a sustentabilidade do consórcio como prestador de serviços;
g. Queremos habilitar o Pró-Sinos para que seja uma Agência das Águas;
h. Temos na plataforma do Observatório do Rio dos Sinos a meta de corrigir uma das maiores falhas do sistema que é a assimetria da informação. Se quisermos um sistema democrático e eficiente, necessitamos democratizar a informação.
i. O programa de captação de recursos está sendo focado para que as metas dos planos de saneamento tenham fontes de recursos suficientes.
IHU On-Line - Neste mesmo artigo, o senhor faz um convite à população local para que se indigne com a situação do Rio dos Sinos. Em que medida a indignação é suficiente?
Oscar Gilberto Escher - Na medida em que as pessoas forem bem informadas e se apropriarem da nossa realidade, ficarão como nós, indignadas com o estado de degradação, a irrealidade dos discursos, o desleixo com as potencialidades. Essa indignação a partir da tomada de consciência será o combustível necessário para a reversão do quadro.
IHU On-Line - Deseja acrescentar algo?
Oscar Gilberto Escher - Queremos viver o rio, harmonizá-lo com as cidades. Nadar, pescar, passear, navegar, apreciar, exercer atividades econômicas. Necessitamos de rios e cidades para as pessoas de maneira equilibrada e sustentável, ambiental e economicamente. Se continuarmos a fazer as mesmas coisas teremos o mesmo resultado.
Dos oito rios mais poluídos, três estão no estado do Rio Grande do Sul. Não queremos que essa façanha sirva de modelo a toda terra.
Lista dos rios mais poluídos do país:
1º lugar – Rio Tietê
2º lugar – Rio Iguaçu
3º lugar – Rio Ipojuca
4º lugar – Rio dos Sinos
5º lugar – Rio Gravataí
6º lugar – Rio das Velhas
7º lugar – Rio Capibaribe
8º lugar – Rio Caí
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Rio dos Sinos e sua agonia. Somente a gestão compartilhada pode salvá-lo. Entrevista especial com Oscar Gilberto Escher - Instituto Humanitas Unisinos - IHU