09 Dezembro 2010
Desde o episódio que vitimou milhares de toneladas de peixes todo ano, principalmente próximo ao verão, o Rio dos Sinos vive uma nova tragédia. Localizado na região do Vale do Sinos, no Rio Grande do Sul, o rio compreende 32 municípios que representam 35% do PIB do estado. “Não consigo entender porque uma bacia tão pujante é desconsiderada nesse cenário e tão abandonada pela fiscalização e pelas medidas de saneamento”, diz o professor Jackson Müller. Em novembro deste ano, houve o episódio da água azul que matou centenas de peixes e no início de dezembro o nível de oxigênio do rio diminuiu tanto e, somado a pluma de poluição que desceu de sua foz, a mortandade atingiu também a biodiversidade do Lago Guaíba e do Rio Jacuí. “Infelizmente, pouca coisa de concreto tem sido feita para melhorar a situação do rio. São Leopoldo aumentou em 40% seu tratamento de esgoto da cidade, mas os outros municípios só têm projeto”, apontou Henrique Prieto que, com Müller e Roberto Naime, concedeu a entrevista a seguir à IHU On-Line, por telefone, sobre a situação atual do Rio dos Sinos. O cenário descrito é de pessimismo.
Jackson Müller é mestre em Bioquímica, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e atualmente professor da Unisinos. Atuou como secretário do Meio Ambiente de Novo Hamburgo e como diretor técnico da Fepam, de 2005 a 2006. Atualmente, é assessor do Centro de Apoio Operacional de Defesa do Meio Ambiente do Ministério Público.
Henrique Prieto é presidente do Instituto Martim Pescador.
Roberto Naime é doutor em Geologia Ambiental pela Universidade Federal do Paraná. Atualmente, é professor na Universidade Feevale.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Qual a situação do Rio dos Sinos neste momento?
Henrique Prieto – Crítica. Infelizmente, pouca coisa de concreto tem sido feita para melhorar a situação do rio. São Leopoldo aumentou em 40% seu tratamento de esgoto da cidade, mas os outros municípios só têm projeto. Sabemos hoje que q causa fundamental da mortandade dos peixes não são os resíduos industriais, mas sim os resíduos domésticos. No domingo, quando naveguei pelo rio com o Martín-Pescador, me perguntaram “como eu vejo o Rio dos Sinos hoje?” Minha resposta foi que vejo com otimismo porque as pessoas estavam ali comigo, navegando pelo rio com a preocupação com o meio ambiente e com o futuro do rio e isso que fizemos no domingo já foi feito com mais de 200 mil pessoas do Vale do Rio dos Sinos. Temos, então, que encontrar as soluções e nosso trabalho vai nesse sentido: conscientizar as novas gerações.
Roberto Naime – A situação é preocupante, mas tínhamos um passivo de séculos por não tratarmos esgoto. No entanto, tenho que fazer um elogio, porque atualmente os prefeitos de São Leopoldo e Novo Hamburgo têm universalizado o tratamento de esgoto. A previsão é de que até o fim de 2011 100% dos dejetos residenciais já sejam tratados em São Leopoldo e até 2014 86% em Novo Hamburgo. A parte pública, que nunca tinha sido feita, está sendo encaminhada.
A grande maioria das empresas da região tem um tratamento de esgoto eficiente, porém uma minoria que, eventualmente, não faz isso de maneira correta e também não é fiscalizada. Com isso, é possível que cheguemos em 2015 numa situação muito boa para o Rio dos Sinos e apenas uma ou duas empresas farão esse tipo de ação ilegal e que vão comprometer todo o conceito de meio ambiente que o setor empresarial tem buscado melhorar. Desta forma, é preciso discutir muito bem como vamos fiscalizar e monitorar o rio no futuro, porque o esgoto público estará totalmente controlado.
Jackson Müller – Eu vejo essa situação com bastante tristeza e preocupação. A situação é diferente das outras mortandades porque se procede no trecho médio superior do Rio dos Sinos onde os níveis de oxigênio dissolvidos são, tradicionalmente, mais elevados. Nesse episodio do dia 01 de dezembro, os níveis de oxigênio chegaram a 0,4 miligramas de oxigênio por litro, o que foi incapaz de sustentar toda essa biodiversidade que migra agora no período da piracema. Essa é uma condição que causa preocupação porque agora começa um processo de degradação da porção média-alta do Rio dos Sinos e isso dificulta ainda mais o processo de regeneração em decorrência da mortandade de 2006. Esse período gera apreensão e é preciso procurar os responsáveis que causaram este episódio.
IHU On-Line – Como o senhor vê o resultado da análise da água azul?
Jackson Müller – O episódio da água azul se concentrou junto ao município de Novo Hamburgo. Tenho acompanhado mais de perto essa última mortandade em função da extensão que ela tomou que atingiu uma pluma de poluição que chegou a 70 quilômetros gerando uma perda significativa estimada, em Novo Hamburgo, de mais de 15 toneladas de peixes mortos de vários tamanhos e espécies.
Roberto Naime – Eu nem preciso ver o laudo porque vi com meus próprios olhos os peixes em carne viva no dia 09 de novembro de 2010. Certamente era solvente de tinta aquilo. O Ministério Público já pediu para a Fepam rever essa situação de auto-monitoramento das empresas. Temos que substituir esse tipo de sistema por uma fiscalização que seja realizada por membros dos órgãos públicos. Porque caso contrário sempre vai acontecer esse tipo de coisa e não saberemos de onde vem o problema. Hoje, não podemos acusar ninguém porque não há controle. Nem tinta deixa os peixes em carne viva, obviamente aquilo era solvente. Essa é a única explicação para aquele tipo de queimadura.
IHU On-Line – A população bebeu essa água com solvente, então?
Roberto Naime – Ao chegar no rio, ele se diluiu em água tratada. Como há tratamento de água antes, não causaria maiores problemas. Mas a regra no Rio dos Sinos não tem sido apenas o solvente de tinta, mas uma mistura de fatores que vai desde a falta de tratamento de esgoto até um eventual despejo industrial junto.
IHU On-Line – Uma nova mortandade pode voltar a ocorrer com a proximidade do verão?
Jackson Müller – Essa é uma notícia que temos que dar: Não estamos livres de uma nova mortandade neste verão. Em função das chuvas que atingiram a parte alta do rio, o nível dele está razoável. Tivemos chuvas em canela, Santo Antonio da Patrulha e São Francisco de Paula que contribuíram na reposição dessa água. Então, o nível está satisfatório para esse período. Mas com apreensão vamos acompanhar essa situação porque a expectativa é de uma estiagem forte que pode agravar muito a situação do Rio dos Sinos.
Henrique Prieto – Pode. Isso porque pouca coisa foi feita. A Fepam tem feito uma fiscalização mais rigorosa em relação ao arroio Portão, onde tudo começou em 2006. Mas a contaminação de outros arroios também prejudica o Rio dos Sinos. Se analisarmos a história do Rio dos Sinos veremos que há 30 anos mortandades já ocorriam periodicamente, agora a gravidade tem sido mais intensa. Temos que lutar e fiscalizar com rigor os causadores dessa poluição.
IHU On-Line – Peixes foram encontrados agonizando em Nova Santa Rita, Canoas e até no Lago Guaíba. O que isso significar?
Jackson Müller – Isso foi uma situação bastante preocupante porque essa pluma de poluição que desceu o rio se represou junto ao Jacuí em função do vento sul. Isso gerou uma carga de oxigênio muito elevada. Nas medições que fizemos no domingo, percebemos que os níveis de oxigênio na foz do Rio dos Sinos eram próximos à zero. Quando essa pluma de poluição foi liberada, ela entrou de supetão para dentro do Jacuí e levou muito tempo para ser dissipada pelas águas deste rio e do Guaíba. O resultado foi o que a mídia mostrou. Isso demonstra a importância da nossa ação preventiva a curto e médio prazo. A poluição do Rio dos Sinos já está surtindo efeito no Guaíba e no Jacuí.
IHU On-Line – Essa situação pode ser comparada com a que deu início à mortandade de 2006?
Henrique Prieto – Nosso pessoal percorreu o rio e foram até Taquara. Lá perceberam que houve uma possível contaminação com produtos de lavouras. A situação atual é triste, mas nem de perto comparado com a mortandade de 2006.
IHU On-Line – A fiscalização melhorou depois da mortandade de 2006?
Henrique Prieto – Creio que melhorou, mas é preciso lembrar que as condições do rio também melhoraram. Parecia que agora teríamos uma estiagem grande, mas hoje [ele se refere ao dia 07-12-2010] ele está relativamente bem. No próximo sábado vamos navegar novamente e vamos tentar subir o rio até a Ponte Nova da Viação Férrea e isso só é possível fazer quando o nível do rio está alto.
Roberto Naime – De 2006 para cá houve uma tomada de consciência do setor público em relação ao tratamento de esgoto muito baixo. Hoje, municípios como Campo Bom, São Leopoldo e Novo Hamburgo ou têm projetos ou já estão instalando sistema de tratamento mais eficientes. Em São Leopoldo mais da metade do esgoto da cidade já está sendo tratado depois da implementação da estação de tratamento do bairro Feitoria. Quanto à fiscalização das empresas, a impressão que dá é que continua tudo na mesma situação.
Jackson Müller – Eu penso que essa estrutura fiscalizatória está bastante precária. Ela atinge todas as estruturas de governo: estadual, municipal... O Rio dos Sinos está jogado a própria sorte, mas é importante para a região metropolitana. Dentro da Bacia dos Sinos temos 35% do PIB gaúcho, ou seja, é uma região de importância econômica singular para o estado. Portanto, o Rio dos Sinos precisa da nossa atenção. Não consigo entender porque uma bacia tão pujante é desconsiderada nesse cenário e tão abandonada pela fiscalização e pelas medidas de saneamento. Nossa esperança é com o novo governo do estado que nos dá alento no que diz respeito à fiscalização para revertermos esse quadro.
IHU On-Line – O que é pior: o tratamento do esgoto das casas ou o das empresas?
Jackson Müller – Temos aí duas situações distintas. Ambas com gravidade. Os efluentes industriais carregam consigo uma alta carga poluidora com alto impacto no meio ambiente. Se considerarmos a população da bacia dos Sinos, veremos que ela também tem impacto expressivo na poluição do rio. É mais de um milhão e meio de habitantes. Precisamos de medidas de saneamento e fiscalização e responsabilidade sócio-ambiental para mudar esse quadro. Desde 2006 só damos notícias ruins sobre o Rio dos Sinos.
Roberto Naime – Há uma concorrência forte entre um e outro. Nós, técnicos, nos perguntamos a mesma coisa. Porém, creio que a situação do esgoto doméstico será solucionada em pouco tempo e a questão industrial, na grande maioria das empresas, está muito bem resolvida. O problema vem de empresas pontuais cuja fiscalização, que não é feita, não pode punir.
IHU On-Line – Poucos dias antes desse episódio, o prefeito de São Leopoldo chegou a afirmar que em alguns anos seria possível voltar a tomar banho no Rio dos Sinos. Por que a realidade, em tão pouco tempo, se mostrou diferente?
Henrique Prieto – Sonhamos com isso. Sonhar não é proibido, mas não acredito nessa afirmação. Acompanho a situação do Rio dos Sinos há mais de 20 anos e sei que não é possível tornar essa afirmação uma realidade em tão curto período. Espero que o prefeito continue sonhando com essa realidade, pelo menos sabemos que ele está trabalhando para que isso se torne possível. São Leopoldo tem aumentando sensivelmente o tratamento do esgoto da cidade, mas isso não vai salvar o rio em apenas dez anos.
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A situação crítica do Rio dos Sinos. Entrevista especial com Henrique Prieto, Roberto Naime e Jackson Müller - Instituto Humanitas Unisinos - IHU