12 Novembro 2010
Quatro anos depois da tragédia que dizimou milhões de peixes no Rio dos Sinos, localizado na região do Vale do Rio dos Sinos, em São Leopoldo-RS, uma nova mortandade aconteceu. Falam-se em dez mil peixes mortos desta vez, mas a IHU On-Line entrevistou por telefone o professor Uwe Schulz que questionou: “Qual é o método de avaliação? Quem contou? É uma estimava grossa? Alguém olhou para o rio e inventou o número dez mil? Ou existe um método científico aplicado a esse tipo de situação? Parece-se que a Fepam não tem protocolo para esse tipo de levantamento e não usa as normas internacionais que normalmente devem ser aplicadas nesse tipo de investigação”.
Uwe Horst Schulz é graduado em Biologia pela Universität Bielefeld (Alemanha), onde fez o doutorado na mesma área. Desde 1996 é professor na Universidade do Vale do Rio dos Sinos. É autor de Programa permanente de Educação ambiental da Bacia Sinos: Etapa Formação de multiplicadores, Projeto Dourado (São Leopoldo: OIKOS, 2008).
Confira a entrevista.
IHU On-Line – O que está havendo com o Rio dos Sinos? Parecia que tudo ia bem e, quatro anos depois, estamos diante de uma nova crise no rio...
Uwe Schulz – Era previsível que isso iria acontecer novamente um dia. Numa bacia que tem um uso tão intenso como a do Rio dos Sinos é muito provável que ocorram acidentes. Agora, a situação vai provavelmente se agravar durante o verão, pois estamos diante de um período de seca, segundo a meteorologia.
IHU On-Line – Já se sabe que produto que permitiu a mortandade?
Uwe Schulz – Nem a Fepam sabe. Tenho algumas informações, mas não estive lá ainda porque a Fepam, assim como outros órgãos ambientais, não consulta as universidades nestes casos. Não existe uma causalidade comprovada entre o lançamento dessa substância azul que foi mencionada na imprensa e a mortandade dos peixes. Essa substância foi, segundo informações que obtive, lançada várias vezes no rio. A primeira vez foi na segunda-feira e neste dia não causou mortandade. Então, é atitude muito prematura achar uma causalidade nessa substância. A Fepam deveria avaliar isso. Meu medo é que, de novo, a Fepam não consiga entregar resultados palpáveis e precisos pela maneira como ela levanta esses dados.
IHU On-Line – O senhor sabe se tem alguma empresa envolvida com o lançamento desse produto azul no rio?
Uwe Schulz – É prematuro apontar alguém. Da última vez esse “achismo” trouxe consequências desastrosas para as empresas da bacia. A Fepam saiu culpando seis empresas e, tecnicamente, apenas uma foi responsável pelo desastre de 2006. Aparentemente isso está acontecendo novamente e sem nenhuma prova estão apontando a indústria como culpada. Só podemos fazer isso com dados técnicos. A Fepam não apresentou qualquer dado sobre substâncias envolvidas, ela nem sabe se foi a falta ou não de oxigênio (que é a causa clássica de mortandade). Numa entrevista, uma das técnicas da Fepam afirmou que não encontrou peixes agonizando e essa seria a prova de que não é a falta de oxigênio a causa. Porém, tecnicamente, ela nem fez a medição, a Fepam não tem sonda para medir isso. Para mim, parece tudo amador a maneira como esse assunto tem sido tratado.
A informação de que dez mil peixes morreram vem de onde? Qual é o método de avaliação? Quem contou? É uma estimava grossa? Alguém olhou para o rio e inventou o número dez mil? Ou existe um método cientifico aplicado a esse tipo de situação. Parece-me que a Fepam não tem protocolo para esse tipo de levantamento e não usa as normas internacionais que normalmente devem ser aplicadas nesse tipo de investigação de mortandade de peixes. Eu nunca vejo isso nos relatórios da Fepam.
IHU On-Line – Poucos dias antes desse episódio, o prefeito de São Leopoldo chegou a afirmar que em alguns anos seria possível voltar a tomar banho no Rio dos Sinos. Por que a realidade, em tão pouco tempo, se mostrou diferente?
Uwe Schulz – Ary Vanazzi [prefeito de São Leopoldo] fez menção aos projetos que estão ocorrendo na bacia e estão relacionados a redes e estações de tratamento de esgoto. O esgoto municipal hoje é o maior problema do Rio dos Sinos, não é o esgoto industrial. O estresse crônico do sistema vem dos municípios e essa situação, em dez ou 15 anos, poderia melhorar caso essas estações de esgotos continuem como previsto no PAC.
Mas não podemos esquecer que a população também está crescendo, o planejamento está sendo feito para as capacidades de hoje. Se essas estações de tratamento vão suportar a população em 15 anos, isso não sei. Outro problema são os lançamentos esporádicos da indústria, que tem estações de tratamento de esgoto que operam dentro das normas. No entanto, às vezes, ela faz lançamentos clandestinos que podem causar problemas como esse, ainda que ninguém saiba se foi a indústria, o município ou outra causa.
O problema principal que sempre deixa de ser mencionado é que não tem dado científico, todos estão fazendo adivinhações, montando cenários secundários falando de clima e temperatura da água. Com isso, acabamos discutindo esses assuntos num “achismo” excepcional, o que é ruim para quem trabalha nessa área.
IHU On-Line – Quais as diferenças entre essa mortandade e a de 2006?
Uwe Schulz – Não é comparável porque este é um evento muito menor. Mas há outros paralelos, como as consequências para a população. As companhias de abastecimento público não têm um plano de emergência que os avisa quando é preciso desligar as bombas. Então, a população de Novo Hamburgo e São Leopoldo bebeu a água que causou essa mortandade nos peixes. Como ninguém sabia se haviam substâncias tóxicas ou não, é possível que essa água também tenha sido fornecida para a população.
IHU On-Line – Como o senhor avalia, depois da tragédia de 2006, o trabalho da Fepam?
Uwe Schulz – Não mudou muito. A Fepam, para esse tipo de evento, tecnicamente, não está preparada.
IHU On-Line – O que deve ser feito agora para resolver o problema do Rio dos Sinos?
Uwe Schulz – A primeira coisa a ser feita é tratar da segurança pública e assegurar a qualidade da água potável. As empresas que fornecem água para a comunidade têm que ter um plano de emergência que diga para eles: “nessas condições, as bombas precisam ser desligadas”. É preciso ter um sistema de alerta e critérios para o desligamento das bombas.
E quero colocar a universidade à disposição da Fepam e outros órgãos ambientais para atuar em conjunto e com nível científico quando esses eventos ocorrem. Acho uma lástima que a Fepam não se lembre da capacidade técnica que nós temos.
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A nova agonia do Rio dos Sinos. Entrevista especial com Uwe Schulz - Instituto Humanitas Unisinos - IHU