31 Março 2018
Diego Fares, jesuíta argentino do grupo da revista La Civiltà Cattolica, traça um decálogo do pensamento de Bergoglio sobre os padres de hoje, entre qualidades humanas e graça recebida com a ordenação.
A reportagem é de Maria Teresa Pontara Pederiva, publicada por Vatican Insider, 28-03-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Ao término do ano dedicado à vida sacerdotal, o Papa Francisco havia dirigido aos padres algumas recomendações – não percam a oração; não percam de se deixarem olhar por Nossa Senhora e de olhá-la como Mãe; não percam o zelo, tentem fazer; não percam a proximidade e a disponibilidade para com as pessoas; não percam o senso de humor –, mas certamente não são as únicas que Bergoglio lhes indicou desde as primeiras frases de seu pontificado.
Um motivo a mais para ir em busca do seu pensamento sobre a identidade e a missão do padre na Igreja de hoje, levando-se em conta que Francisco não esqueceu, nesses anos, de traçar as coordenadas também para o serviço dos pastores e dos cardeais da Cúria Romana.
Muitos vão lembrar o texto sobre a figura do bispo, escolhido como presente do papa aos membros do último Sínodo (Il profumo del pastore [O perfume do pastor], Ed. Ancora, 2015): um ensaio de Diego Fares, jesuíta argentino do grupo de escritores da revista La Civiltà Cattolica, um religioso bem conhecido por Bergoglio.
Fortalecido por essa sintonia com seu pai espiritual, Fares também publicou posteriormente, junto com Marta Irigoy, a visão de Francisco sobre as Bem-aventuranças, na ótica de uma revisão no contexto atual (Il programma della felicità [O programa da felicidade], Ed. Ancora 2016).
Agora, é a vez da ideia do padre: “São desejos e sugestões, aqueles que surgem espontaneamente do coração quando um bispo fala com os seus sacerdotes”, reconhece o Papa Francisco nas breves palavras de agradecimento inicial, nas quais enfatiza aquele núcleo que consiste em “não perder o zelo apostólico”.
(Foto: Divulgação)
“Eu sempre acreditei – escreve Bergoglio – que essa é a grande graça do Espírito à Igreja e aos seus pastores: sair com coragem pelas ruas, pelas periferias, onde tantos irmãos precisam provar a alegria do evangelho, que Deus é Pai misericordioso que realmente não quer que se perca nenhum dos seus pequeninos”.
Digno de nota é justamente aquele “não perder” (que em outros lugares se torna “não se deixem roubar”), que, na acepção bergogliana, assume o significado de algo que já se possui, especificamente algo que o Senhor deu a cada um no dia da ordenação sacerdotal, e que cada padre é chamado a dar, por sua vez.
Nessa ótica, Fares – que em Buenos Aires havia trabalhado por cerca de 20 anos no Hogar de San José, um centro de acolhimento para adultos em perigo, e na Casa de la Bondad, uma casa de saúde para doentes terminais – retoma o costume expressivo do pontífice para retraçar nos seus discursos outras quatro “recomendações”, misturando tudo um pouco, com uma licença entre o literário e o espiritual, até a síntese final sobre as qualidades reconhecidas a um bom sacerdote.
O resultado é uma espécie de breve “decálogo” que, nas intenções do autor, deveria servir de ajuda para “alargar o coração em um movimento que vai da contemplação à ação”. Um texto, portanto, destinado principalmente aos padres, mas que também faz com que os leigos reflitam, especialmente aqueles que se deixam interrogar pela mensagem, às vezes inquietante, de Francisco.
Na sensibilidade da Fares, suas instruções aos padres, expressamente indicadas no dia 2 de junho de 2016 ao término do retiro, são completadas pela série: “Ofereçam o ombro, metam o coração, ajudem as pessoas a discernir o bem, na confissão, ajudem a iluminar o espaço da consciência pessoal com o amor infinito de Deus, falem ao coração das pessoas”.
“Quando oferecemos o ombro às necessidades dos nossos irmãos – explica o jesuíta –, então experimentamos, com estupor e gratidão, que Outro nos carrega nos ombros, e Francisco é uma daquelas pessoas que ‘te oferecem’ sempre o ombro, porque metem o coração” (um coirmão jesuíta de Bergoglio gosta de sublinhar o “cardiognóstico”, observa o autor).
Para o padre, isso significa “oferecer o ombro à sua gente, às famílias, aos jovens, aos idosos, aos mais pobres que a sociedade descarta e abandona às margens da estrada”, mas também à ovelha perdida, assim como os homens de Deus – Abraão, Moisés, São José... – cujos exemplos Bergoglio frequentemente apresentou nas suas conversas e homilias.
O agir com o coração (também “a unção é uma questão de coração”, dirá ele na conclusão, em que o leitor registra que o coração é um pouco o pivô de todo o decálogo) representa a consciência da grandeza do dom da vocação sacerdotal, um dom que não nega a fraqueza humana, mas a vivifica e a fortalece através da graça.
Só assim será possível a um padre ajudar (e acompanhar!) as pessoas ao discernimento cotidiano em relação ao bem, mesmo sem ser especialistas, mas sempre na convicção da necessidade de uma “moral da situação”. Ou abrir espaço na confissão para iluminar a consciência pessoal ou aproximar as pessoas, sempre com aquela disponibilidade que brota de um coração que reconhece no próximo o rosto de Cristo e falar ao coração de todos (seja nas homilias, sejas nos encontros pessoais ou com a linguagem dos gestos). Sem nunca perder o zelo que, em um dia, distante para alguns, fez pronunciar aquela adesão ao fazer-se semelhante a Cristo: é o instinto evangélico de ir às pressas para anunciar com impulso alegre, como aconteceu a Emaús, a Boa Notícia para todos.
Comportamentos que não nascem exclusivamente de qualidades humanas, mas brotam de uma intensa vida de oração (“uma oração repleta de rostos e discernimento”) – e do fato de se confiar ao olhar de Maria, reconhecendo-a como Mãe: não um devocionalismo piedoso, mas sim a guia de “um olhar materno que cuida dos detalhes – se o filho sai bem coberto ou se comeu – e, nesses detalhes, bate a preocupação pelo estado do coração do filho”.
E, então, as qualidades humanas também podem vir em socorro. Um exemplo, nas palavras da oração de São Tomás Moore, é o senso de humor, que “te levanta, te faz ver o provisório da vida e tomar as coisas com um espírito de alma redimida”, como disse Bergoglio em uma entrevista (enquanto, muitas vezes, estigmatizou a “cara fúnebre” do evangelizador decadente).
Com essas premissas, o padre terá consciência de ser “um pastor e não um funcionário, mercenário ou empresário”, ou, como escrevia ele aos seus padres na Argentina em 1999, “um pastor aberto, e não fechado”.
“Quando o Senhor nos escolhe e nos envia numa missão, ele o faz a partir do íntimo do seu coração”, conclui Fares, e “nada do que fazemos como sacerdotes pode deixar o coração”.
É o coração do pastor que reconhece o cheiro das ovelhas e vai em busca da ovelha perdida, que se faz próximo com aqueles que encontra na “disponibilidade e prontidão de servir a todos, sempre e do melhor modo”, à imagem de Maria, que corre para servir a prima Isabel ou se esforça pelo inesperado de Caná.
É “a disponibilidade do sacerdote que faz da Igreja a Casa das portas abertas, refúgio para os pecadores, lar para aqueles que vivem pelas ruas, casa de cuidados para os doentes, acampamento para os jovens, sala de catequese para os pequenos da Primeira Comunhão...”.
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Livro aponta dez coisas que o Papa Francisco propõe aos sacerdotes - Instituto Humanitas Unisinos - IHU