05 Fevereiro 2018
“A vontade de educar a recordar, a aprender com a história, é impotente diante da amnésia, se não houver as condições que tornem possível e significativa a memória. As forças xenófobas ou racistas estão em grande expansão em todo o mundo e governam em várias democracias ocidentais.”
A opinião é do psiquiatra e psicanalista greco-italiano Sarantis Thanopulos, em artigo publicado por Il Manifesto, 03-02-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O “dia da memória”, um rito cansado, defensivo, é expressão de um conflito não resolvido entre resistência e rendição ao esquecimento. Já no fato de não ter um objeto (recordação do quê?) manifesta-se sua contradição.
A vontade de educar a recordar, a aprender com a história, é impotente diante da amnésia, se não houver as condições que tornem possível e significativa a memória. As forças xenófobas ou racistas estão em grande expansão em todo o mundo e governam em várias democracias ocidentais.
Na Itália, a nomeação como senadora de uma sobrevivente dos campos de concentração é contrariada, nos fatos, pela sintonia de quase todas as forças políticas sobre a necessidade de manter, não importa de que modo, os migrantes longe das nossas fronteiras.
O desinvestimento nas ciências humanísticas e no campo da cultura em favor do espetáculo e da tecnologia faz com que apenas uma pequena minoria de cultos disponha de instrumentos adequados para uma leitura crítica do passado. A nossa memória não é feita da recordação objetiva dos fatos individuais que são evocados sempre modificados. Não só pela deformação imposta pela remoção do conflito em que podem estar envolvidos, mas também porque o seu apelo objetivo interferiria na interpretação subjetiva que torna significativa sua presença na nossa recordação.
Freud disse que a objetividade de uma recordação engana, porque nos coloca na condição de observador externo, enquanto que, quando a experiência recordada acontecia, nós estávamos “no centro da situação com a nossa atenção voltada ao mundo exterior”.
Recordamos a nossa relação com o mundo, a sensorialidade, a sensualidade dos gestos que nos abriram, nos abrem, desequilibrando-se, para a vida, temos memória do passado vivo que, com sua presença, dá a sensação da profundidade e da amplitude do nosso movimento no espaço-tempo.
O extermínio, a irrupção fria da morte que veio para colonizar a vida, o agir desprovido de sentido em si mesmo que não pode ser experimentado nem pelo autômato que o executa, nem pelo ser humano que o sofre, é o real bruto: o fato na sua total concretude congelado em uma atualidade glacial e percebido por aqueles que sobreviveram como uma ameaça incumbente do futuro.
Não encontraremos aquilo que não passa no passado suspenso, porque não foi feito o luto, a transformação interna necessária para enfrentar as mudanças inevitáveis das nossas condições de vida. Nem mesmo no inatual, o fora do tempo linear que o expande lateralmente e torna os seres humanos contemporâneos para além da localização histórica da sua existência. Ele apaga o tempo, não pode ser recordado nem esquecido. Permanece inscrito dentro de nós como um vazio de matéria viva.
Não é esse vazio o objeto da nossa memória, mas aquilo que hoje pode preenchê-lo, aquilo que, na época, poderia ter evitado sua gênese, mas foi posto de lado. Aquilo que nos liga ao outro como coconstitutivo da nossa subjetividade.
O que aconteceu com o componente judaico da civilização europeia, o nosso vínculo com ela, sua respiração no nosso sangue? Quando faremos o luto por aquilo que perdemos, de modo a encontrá-lo em formas novas e preencher o espaço aberto no coração da nossa existência?
Obra impossível se continuarmos substituindo o luto pelo refinado negacionismo da restauração que cobre o vazio (que cresceu a partir do êxodo na Palestina) e da retórica do “martírio”. Se continuarmos exaltando os judeus mártires e discriminando aqueles de carne e osso, se chorarmos pelos migrantes afogados e rejeitarmos aqueles que sobreviveram.
Isso também é morte que devora a vida.
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O extermínio, a memória, o esquecimento. Artigo de Sarantis Thanopulos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU