Por: Patricia Fachin | Edição: Vitor Necchi | 29 Janeiro 2019
A expressão “maldição da mineração” refere-se a um fenômeno observado nos municípios onde ocorre este tipo de atividade. Uma parcela do efeito positivo que decorre do incremento da economia “é absorvida pelos efeitos negativos da atividade que seriam os impactos sobre o meio ambiente e sobre a saúde das pessoas”, além de geração de subempregos e má distribuição de renda. Nas regiões de base mineral, as taxas de crescimento são inferiores às das regiões nas quais a atividade é inexpressiva.
Esta análise é consequência de uma pesquisa realizada pela professora Heloísa Pinna Bernardo. Ela publicou recentemente um artigo apresentando uma série de estatísticas para contrapor o argumento da relação entre mineração e desenvolvimento local. O objetivo da pesquisa que originou o texto foi avaliar o impacto da atividade mineradora no indicador de desenvolvimento humano nas cidades do estado de Minas Gerais. Os resultados indicaram que, embora a atividade mineradora gere receitas para o município, a presença dela tem um efeito negativo sobre o índice de desenvolvimento municipal.
“Foi observado no período apurado que nas 18 cidades mineras mineradoras com CFEM [Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais] relevante – ou seja, com a CFEM representado mais que 5% das receitas correntes – existia um efeito negativo dela sobre o IFDM [Índice FIRJAN de Desenvolvimento Municipal]”, explica Bernardo em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line. Desta forma, a professora considera “razoável supor que, em média, os benefícios econômicos gerados não são revertidos em desenvolvimento humano”.
Do ponto de vista teórico, é possível praticar a atividade mineradora de forma sustentável, “sendo necessária uma série de boas práticas dos gestores municipais e das empresas mineradoras para que tal objetivo seja alcançado”. No entanto, salienta Bernardo, “não se tem exemplos no Brasil de empresas com esse perfil”.
Heloísa Pinna Bernardo é doutora em Contabilidade e mestra em Controladoria e Contabilidade pela Universidade de São Paulo – USP e graduada em Engenharia Mecânica pela Fundação Armando Álvares Penteado – FAAP. Leciona Finanças da Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF, onde coordena o Mestrado Profissional em Administração Pública em Rede.
A entrevista foi publicada, originalmente, aqui nesta página, no dia 15-01-2018.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Como foi feita sua pesquisa acerca do impacto da atividade mineradora no desenvolvimento local de Minas Gerais?
Heloísa Pinna Bernardo – Para avaliar o impacto da mineração sobre o desenvolvimento econômico, foram utilizados os seguintes indicadores: PIB [produto interno bruto], porte do município e o Índice FIRJAN de Desenvolvimento Municipal – IFDM. O IFDM é o resultado de um estudo do Sistema FIRJAN que acompanha anualmente o desenvolvimento socioeconômico de todos os mais de 5 mil municípios brasileiros nas áreas de Emprego e Renda, Educação e Saúde. Criado em 2008, ele é obtido, exclusivamente, com base em estatísticas públicas oficiais, disponibilizadas pelos ministérios do Trabalho e Previdência Social, da Educação e da Saúde. A última edição do índice disponível atualmente refere-se a 2013.
Abarcou-se o período de 2009 a 2013 e foram analisados dados de todas as cidades mineiras que disponibilizaram informações das receitas correntes do município no período, do PIB e tiveram o Índice FIRJAM divulgado. A pesquisa teve por base os dados fornecidos pelo IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística] para a obtenção do PIB per capita e da população, dados do Tesouro Nacional para a mensuração das Receitas Corrente, os levantamentos fornecidos pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) para a Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM) e o índice FIRJAN de Desenvolvimento Municipal (IFDM), divulgado pelo Sistema FIRJAN.
Os municípios com atividade mineradora relevante, para efeito do estudo, são aqueles em que a CFEM corresponde a pelo menos 5% das receitas correntes do município, refletindo o grau de dependência da atividade mineral.
Também se considerou que o efeito dos investimentos dos recursos sobre os indicadores econômicos e sociais que compõe o índice FIRJAN (lembrando que o índice FIRJAN usa estatísticas de Trabalho e Renda, Educação e Saúde) tem um tempo de maturação e, logo, os indicadores econômicos também foram considerados como uma média no período.
Foi usado o método da regressão linear múltipla para avaliar o efeito da atividade mineradora sobre o IFDM. A regressão linear possibilita a avaliação do impacto conjunto de diversas variáveis sobre uma variável dita dependente. No caso do estudo em tela, a variável dependente foi o IFDM, com base na hipótese de que ele depende de vários fatores como atividade econômica, medida pelo PIB; do porte do município, avaliado pela população; e pelo efeito (positivo ou negativo) da atividade mineradora. Então, nesse estudo buscou-se avaliar se a atividade mineradora relevante teria algum impacto no indicador de desenvolvimento econômico, após serem retirados os efeitos do porte e da atividade econômica sobre o IFDM dos municípios.
É fato que a atividade mineradora tem impacto sobre a atividade econômica e consequentemente sobre o PIB dos municípios em que essa atividade está presente, mas o que o estudo se dispôs a avaliar é se essa atividade econômica adicional teria um impacto positivo, indicando que a atividade mineradora traz benefícios para o município ou se parcela do efeito positivo decorrente do aumento da atividade econômica é absorvida pelos efeitos negativos da atividade que seriam os impactos sobre o meio ambiente e sobre a saúde das pessoas.
Esse viés de absorção dos benefícios é tratado na literatura como a “maldição da mineração”, propiciando a geração de subempregos, a má distribuição de renda e taxas de crescimento das regiões de base mineral inferiores às das regiões nas quais a mineração é inexpressiva.
IHU On-Line – Qual é, segundo os resultados da sua pesquisa, o impacto da atividade mineradora no indicador de desenvolvimento humano nas cidades do estado de Minas Gerais? Esses impactos ocorrem por conta do próprio funcionamento das empresas ou por conta de uma má gestão dos municípios em que as empresas estão instaladas?
Heloísa Pinna Bernardo – Os achados do estudo indicam que a atividade mineradora relevante teve um efeito negativo sobre o IFDM [índice FIRJAN de Desenvolvimento Municipal], após serem eliminados os efeitos da atividade econômica (PIB) e do porte em termos de população. Foi observado no período apurado que nas 18 cidades mineras mineradoras com CFEM [Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais] relevante – ou seja, com a CFEM representado mais que 5% das receitas correntes – existia um efeito negativo dela sobre o IFDM.
Com isso é razoável supor que, em média, os benefícios econômicos gerados não são revertidos em desenvolvimento humano. Lembrando que o IFDM abarca as dimensões Emprego e Renda, Educação e Saúde.
O estudo, de caráter exploratório, não se debruçou nos aspectos da atividade mineradora que pudessem impactar nos indicadores de desenvolvimento municipal que compõe o IFDM: Emprego e Renda, Educação e Saúde. O estudo avaliou de maneira agregada e em termos médios. Na média, as cidades com atividade mineradora têm IDH menor do que as cidades sem atividade mineradora, expurgando-se os efeitos sobre o IFDM do porte do município e do PIB per capita do município.
Esse achado é importante para que se justifiquem estudos em que sejam aprofundadas justamente as questões relativas aos efeitos da mineração sobre os indicadores de desenvolvimento. Não se pode também deixar de mencionar que a forma como o gestor municipal administra os recursos oriundos de todas as fontes influencia os indicadores. Essas questões merecem ser aprofundadas em outros estudos daqui para a frente.
IHU On-Line – Quais são os impactos sociais, econômicos e ambientais gerados pela mineração nos locais estudados?
Heloísa Pinna Bernardo – Tradicionalmente a mineração pode gerar problemas ambientais, como remoção da cobertura vegetal, poluição e inundação; problemas sociais e econômicos com o aumento da população e demanda por serviços públicos. Estudos apontaram a geração de subempregos, a má distribuição de renda e taxas de crescimento das regiões de base mineral inferiores às das regiões com mineração inexpressiva. Contudo, o impacto dos problemas apontados acima não é objeto da presente pesquisa, não sendo possível afirmar que esse seja o caso das cidades estudadas.
IHU On-Line – Que tipo de indicadores socioeconômicos deveriam ser esperados em uma região onde há atividade mineradora?
Heloísa Pinna Bernardo – Como a CFEM é um excedente que somente as cidades mineradoras fazem jus, o que se esperava é que elas – por terem uma renda adicional e com isso uma vantagem econômica – tivessem um desenvolvimento mais pujante do que as cidades não mineradoras. Mas o que se observou é que a CFEM funcionou mais como um contrapeso do que um trampolim para o desenvolvimento. Explicando, ao invés de catapultar o IFDM para valores elevados, a CFEM pesou demais em sentido contrário, minimizando e até mesmo desfazendo a obtenção de um melhor índice socioeconômico.
IHU On-Line – É possível estimar qual é a receita gerada pela atividade mineradora para os municípios de Minas Gerais?
Heloísa Pinna Bernardo – O DNPM divulga que todos os municípios recebem em razão da exploração. Contudo, a CFEM é a receita direta obtida da exploração mineral, mas há outras receitas que acabam vindo de forma indireta, como o IPTU recebido das instalações e toda a dinâmica econômica que a existência da mineração pode gerar.
O impacto financeiro da atividade mineradora sobre o orçamento dos municípios não foi mensurado neste estudo. No entanto, nele foram identificados 18 municípios com atividade mineradora relevante (arrecadação da CFEM supera 5% das receitas correntes do município), dos quais 12 tinham população inferir a 50 mil habitantes. Em São Gonçalo do Rio Abaixo, a arrecadação da CFEM correspondeu a 73,47% das receitas correntes, sendo o município com maior relação entre arrecadação da CFEM e as receitas correntes no período 2009-2013. Em seguida estava Mariana, onde a arrecadação da CFEM correspondeu a 45,55% das receitas correntes.
Cabe aqui uma consideração importante: o estudo abordou um período anterior ao desastre da Samarco. Em 2016, pelo critério adotado de relevância da atividade mineradora medida pela relação entre a arrecadação da CFEM e as receitas correntes, Mariana não seria um município com atividade mineradora relevante. Contudo, os indicadores de Emprego e Renda, Educação e Saúde foram afetados negativamente em função justamente da atividade mineradora, ou melhor, pelas consequências dessa atividade. Se formos além, é razoável supor que outros municípios sem atividade mineradora e que foram afetados pelo desastre da Samarco possam ter seus indicadores de desenvolvimento afetados desfavoravelmente. Isso é outro ponto que merece ser investigado como provocação a partir dos resultados desse estudo.
IHU On-Line – É possível praticar a atividade mineradora de uma forma sustentável?
Heloísa Pinna Bernardo – Do ponto de vista teórico, sim. Há teóricos que defendem que a mineração pode ser conciliada com o desenvolvimento sustentável, sendo necessária uma série de boas práticas dos gestores municipais e das empresas mineradoras para que tal objetivo seja alcançado. No entanto, não se tem exemplos no Brasil de empresas com esse perfil.
IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?
Heloísa Pinna Bernardo – O estudo traz mais perguntas do que respostas. Os achados nos provocam a questionar esse modelo de desenvolvimento tão agressivo como o da atividade mineradora. Quando se anuncia que a mineração vai levar desenvolvimento para uma localidade, trazendo empregos, há que se perguntar sobre a qualidade desses empregos e se esses empregos beneficiarão a população local. Esse estudo é o início de uma investigação sobre aspectos econômicos e sociais da atividade mineradora comparativamente a outras atividades econômicas.
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Benefícios econômicos gerados pela mineração não revertem em desenvolvimento humano. Entrevista especial com Heloísa Pinna Bernardo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU