10 Janeiro 2018
O Papa é o primeiro líder mundial que, por ocasião do 50º aniversário das manifestações estudantis de 1968 reconhece o valor daquela experiência social que até agora costuma ser analisada sob o signo da contradição e é pouco compreendida pelas instituições.
O comentário é de Carlo Di Cicco, vaticanista, publicado por Tiscali, 09-01-2018. A tradução é de Luisa Rabolini.
O Papa Francisco promove o Movimento Estudantil de 1968. É o primeiro líder mundial a fazê-lo e isso é um evento, considerando quanta aversão e resistência causou aquele ano da pacífica revolta estudantil. Dois aspectos tornam ainda mais densa de significado a posição do papa sobre o movimento de 1968: foi pronunciada diante do Corpo diplomático creditado junto à Santa Sé por ocasião das festividades de ano novo; em outubro deste ano será realizado no Vaticano o Sínodo mundial dos bispos católicos dedicado totalmente aos jovens e à questão da juventude. Também é interessante destacar que no discurso de Francisco centrado nos direitos humanos ele cita repetidamente o Papa João da encíclica Pacem in Terris e o Papa Paulo VI da encíclica sobre o desenvolvimento dos povos. Temáticas e perspectivas culturais em sintonia com as esperanças dos jovens que por novos direitos saíram às ruas.
A citação do papa sobre o Movimento de 1968 foi uma verdadeira surpresa, tanto quanto a sintonia sobre os direitos evidenciada pelo Papa entre aquele movimento da juventude e a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Foi o mesmo que dizer que os estudantes saíram às ruas com a melhor das intenções, pedindo às instituições educacionais e políticas para aplicar a Convenção Universal. Mas, como bem se sabe, essa reivindicação colocou em xeque o palácio, os poderes políticos, econômicos e religiosos que os confrontaram com a repressão mais mesquinha, assustados ao ver atacados e indefensáveis antigos privilégios das classes dominantes e o autoritarismo que governava a família, a escola, a sociedade e a própria Igreja.
"A Declaração Universal dos Direitos Humanos. Para este importante documento, setenta anos após a sua adoção pela Assembleia Geral das Nações Unidas, que teve lugar em 10 de dezembro de 1948, eu gostaria de dedicar o nosso encontro. Para a Santa Sé, de fato - disse o Papa em seu discurso – falar sobre os direitos humanos significa, antes de tudo, repropor a centralidade da dignidade da pessoa, como desejada e criada por Deus à sua imagem e semelhança. O próprio Senhor Jesus, curando o leproso, restaurando a visão ao cego, relacionando-se com o cobrador de impostos, salvando a vida da mulher adúltera e convidando a cuidar do viajante ferido, fez compreender como cada ser humano, independentemente da sua condição física, espiritual ou social, seja digno de respeito e consideração". De um ponto de vista cristão, portanto, existe uma relação significativa entre a mensagem do Evangelho e o reconhecimento dos direitos humanos, no espírito dos redatores da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Os direitos do homem, explicou Francisco "extraem suas premissas da natureza que é compartilhada pelo gênero humano. Eles foram criados para remover os muros de separação que dividem a família humana e para promover o que a doutrina social da Igreja chama de desenvolvimento humano integral. Uma visão redutiva da pessoa humana abre, ao contrário, o caminho para a propagação da injustiça, da desigualdade social e da corrupção".
Nesse ponto aconteceu a referência de Francisco ao Movimento estudantil de 1968, pela primeira vez nos documentos pontifícios. "No entanto, deve-se constatar que, ao longo dos anos, especialmente após as convulsões sociais de 1968, a interpretação de certos direitos foi gradualmente s modificando de modo a incluir uma variedade de novos direitos, muitas vezes em contraposição entre si. Isso nem sempre favoreceu a promoção de relações amistosas entre as Nações, pois se afirmaram noções controversas dos direitos humanos que entram em conflito com a cultura de muitos países, que não se sentem respeitado nas próprias tradições sócio-culturais, mas sim negligenciados diante das necessidades reais que devem enfrentar. Pode haver o risco, portanto, sob alguns aspectos paradoxais que, em nome desses mesmos direitos humanos, sejam estabelecidas formas modernas de colonização ideológica dos mais fortes e mais ricos à custa dos mais pobres e mais fracos. Ao mesmo tempo, é preciso ter em mente que as tradições de cada povo não podem ser invocadas como um pretexto para negligenciar o devido respeito pelos direitos fundamentais contidos na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Setenta anos depois, dói notar que muitos direitos fundamentais ainda hoje são violados".
O resto do discurso do Papa foi uma crítica forte e pontual sobre quais direitos são mais violados, tais como o direito à vida das crianças descartadas às vezes antes mesmo de nascer, os direitos dos idosos, das mulheres, vítimas de tráfico, imigrantes e o direito das pessoas afetadas por qualquer forma de exclusão. O direito à vida inclui o direito à paz para o qual cada um dentro de seu âmbito deve se esforçar incansavelmente. Em segundo lugar Francisco recordou a necessidade que as controvérsias sejam resolvidas por meio de negociações e não através do recurso à guerra, relembrando os focos perigosos para a paz ou já em situação de conflito em várias partes do mundo. Foram citados explicitamente a Coréia do Norte, Síria, Iraque, a necessidade de resolver pacificamente a disputa entre palestinos e israelenses com a formação de dois estados e o reconhecimento de um estatuto internacional para Jerusalém; a Venezuela, muitos países africanos e a Ucrânia. Muito espaço foi dedicado aos fenômenos que angustiam mais e mais, também as populações europeias que interpretam o problema dos imigrantes com a ótica de medo.
"Hoje se fala muito de migrantes e migrações, às vezes apenas para despertar medos ancestrais. Não devemos esquecer que as migrações sempre existiram. Na tradição judaico-cristã, a história da salvação é essencialmente a história das migrações. Devemos, portanto, sair de uma retórica generalizada sobre o argumento e partir da consideração essencial que diante de nós estão essencialmente pessoas".
O Papa agradeceu aqueles Estados que se empenharam em favor dos migrantes e refugiados, países na Ásia, África, Américas que acolhem inúmeras pessoas. "Conservo ainda vivo no coração o encontro que eu tive em Daca com alguns membros do povo Rohingya e desejo renovar os sentimentos de gratidão para com as autoridades de Bangladesh pela assistência que prestam em seu próprio território". Para a Itália, Francisco expressou profunda gratidão, pois nestes anos "mostrou um coração aberto e generoso e foi capaz também de fornecer exemplos positivos de integração. Minha esperança é que as dificuldades que o país atravessou nos últimos anos, cujas consequências ainda permanecem, não levem a fechamentos e exclusões, mas sim a uma redescoberta daquelas raízes e tradições que alimentaram a rica história da nação e que constituem um inestimável tesouro a oferecer para o mundo inteiro". Igual apreço para Grécia e Alemanha. Por último, como citação, mas não como a preocupação do Papa, o direito ao trabalho que quando é respeitado e praticado contribui para a manutenção da paz social.
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Papa Francisco e o elogio surpresa ao Movimento estudantil de 1968: "Espalhou os direitos humanos" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU