18 Outubro 2017
Os seus protagonistas – através de proclamações altissonantes e de ações surpreendentes, projeções de expectativas e divisões buscadas – foram grandes grupos da galáxia “progressista” (e um pouco “revolucionária”) e círculos menos numerosos da constelação “tradicionalista” (e um pouco “reacionária”). Os primeiros, convencidos de subverter as instituições, abalando a sociedade para mudar a Igreja, e a Igreja, para transformar a sociedade. Os segundos, decididos a conter todo passo em odor de “modernidade” (e, aos seus olhos, de “modernismo”), prontos para fomentar preocupações generalizadas até mesmo entre bispos e teólogos.
A reportagem é de Marco Roncalli, publicada no jornal Avvenire, 17-10-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Uns, próximos das reivindicações de 1968 – e depois de 1977 –, dos protestos estudantis e operários, das sucessivas batalhas pela democracia, pelo divórcio, pelos direitos do Terceiro Mundo, tenazes em acusar os privilégios concordatários, o colateralismo entre Igreja e Democracia Cristã, a cumplicidade entre hierarquias católicas e classes burguesas “funcionais à conservação do sistema capitalista”, pegando de empréstimo slogans da retórica marxista e harmonizando-os com o Evangelho ou com o espírito das primeiras comunidades cristãs.
Os outros, nostálgicos da ordem, da autoridade, da ortodoxia, de princípios necessitados de restauração, afeiçoados à liturgia pré-conciliar, à missa more antiquo, ligados a projetos de restauração hierocrática.
Sim, falamos da temporada da contestação católica que se seguiu ao Concílio, entre os anos 1960 e 1970; de eventos que dividiram paróquias e dioceses, leigos e clero, freiras e seminaristas. E nos referimos a tensões que prefiguraram dilacerações de resultados extremos: no sinal do abandono e do cisma.
Todo um mundo de fiéis não mais monolítico. E um tecido eclesial repleto de rasgos. No centro, o Vaticano II “traído” ou “traidor”. Aqui e ali, católicos militantes em frontes rivais. Com o sistema secular tendo entrado em crise, o dinamismo das elites intelectuais, mas também presenças mais compactas de associações de fiéis, e tantas energias liberadas de forma disruptiva. Isso ao menos aparentemente.
Mas é correto ler a dissidência católica, chamada apressadamente de “esquerda” ou de “direita”, considerando-a apenas como uma “versão religiosa” das agitações políticas de 1968? Tratou-se apenas de reivindicações eclesiais geradas por orientações antimoderadas ou de uma politização de posições teológicas dissidentes?
Marta Margotti, introduzindo o livro La rivoluzione del Concilio [A revolução do Concílio], volume a várias vozes editado por ela junto com Silvia Inaudi (Ed. Studium, 208 páginas), explica: “Certamente, a forte projeção política do catolicismo pós-conciliar, influenciada pelas correntes análogas que estavam investindo contra as sociedades ocidentais, e a divulgação dos debates teológicos pró ou contra a atualização da Igreja tiveram uma influência decisiva ao alimentar as dissidências opostas”.
No entanto, “o amálgama muitas vezes decomposto de elementos culturais e políticos, religiosos e sociais, geracionais e de gênero, mas também psicológicos e existenciais, encontráveis nas origens e nas escolhas dos grupos católicos da contestação pós-conciliar, leva a ampliar o olhar e a considerar tais formações não como elementos excepcionais [...], mas como parte do processo mais abrangente de reordenamento e de mudança do catolicismo diante dos fenômenos de modernização das sociedades contemporâneas”.
Portanto, reduzir a leitura da contestação pós-conciliar ao esquema dos dois “extremismos opostos”, conviventes sem nunca se tocar, não ajuda a compreender um quadro mais complexo. No qual, com a vivacidade das suas pertenças, influenciaram realidades locais, estruturas político-econômicas, estilos episcopais, modelos de clero etc.
Tudo para delinear um panorama multiforme que os artigos dessa coleção investigam, em parte, apresentando casos italianos emblemáticos: a experiência do Vandalino de Turim (onde a crítica ao celibato eclesiástico e à moral católica desembocou na celebração do casamento de dois padres com duas jovens); a dos padres operários na Emília-Romanha (motivados por escolhas de luta contra a exploração, a dependência econômica da instituição eclesiástica, a separação da sociedade simbolizada pela batina); a da comunidade milanesa da Incoronata (onde se visou à reforma de pontos teológicos e pastorais firmes, e a uma revisão do ensino da religião nas escolas); a dos padres “extremistas” de Gênova (que o cardeal Siri “normalizou” isolando-os, sem cancelar espaços de não conformismo, como a comunidade animada pelo Pe. Andrea Gallo); a de Veneza (onde o patriarca Luciani curvou – dissolvendo os seus grupos – os desobedientes da Fuci [Federação Universitária Católica Italiana] favoráveis ao divórcio).
Resta um fato que leva a refletir: a politização do catolicismo da dissidência no “longo 1968”, que, naquele período, o apoiou, tornou aqueles fiéis mais frágeis à queda dos paradigmas totalizantes absorvidos. No entanto – conclui Margotti - “permaneceu, para muitos crentes que tinham vivido aquelas experiências de ‘subversão religiosa’, a adesão a uma forma de ascese que se exercia no esforço de construção política de um mundo mais justo e solidário. O compromisso social e cultural continuado nos anos seguintes por muitos ‘revolucionários do Concílio’ dentro de grupos de inspiração religiosa ou individualmente em organizações sem conotação confessional, continua sendo, talvez, uma das heranças mais duradouras daquela temporada”.
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O Concílio na tempestade cultural de 1968 - Instituto Humanitas Unisinos - IHU