19 Dezembro 2017
“Foi um dia doloroso”. Com essa frase curta, mas contundente, Alejandro Guillier, reconhecia a derrota, por volta das 19h45 de ontem. Falou com dor e fidalguia. “É uma noite triste, mas sairemos fortalecidos... ao final serão os nossos princípios que reinarão no Chile... Obrigado a minha família, tivemos um ano duro, mas maravilhoso”, acrescentou o sociólogo e jornalista, apoiado por sua mulher e um de seus filhos que estavam ao seu lado naquele que, talvez, tenha sido o momento mais difícil de sua carreira.
A reportagem é de Christian Palma, publicada por Página/12, 18-12-2017. A tradução é do Cepat.
O Hotel San Francisco, em pleno centro de Santiago, foi o cenário indicado para conferir um discurso pujante e esperançoso para a centro-esquerda, iniciativa que, no entanto, faltou na campanha. Além do mais, o também senador perdeu em sua região, Antofagasta. Talvez seja por isso que os aplausos foram tíbios, por mais que tentasse diminuir a hemorragia, afirmando que “o Chile já mudou, os vencedores acolheram várias de nossas bandeiras”, disse. Estes tópicos são educação, saúde, reforma das AFP e reformas sociais e tributárias, para citar algumas. “Sofremos uma derrota dura. Temos que levantar nosso ânimo e sair em defesa das reformas que acreditamos... É uma derrota eleitoral, mas não será uma derrota política”, apontou.
Guillier foi um candidato fraco, mais inclusive que Eduardo Frei, em 2009, quando venceu pela primeira vez a presidência de maneira democrática, em cinquenta anos. Hesitante em momentos fundamentais e com pouca “pachorra”, diferente do vencedor, o bilionário Sebastián Piñera.
A vitória veio após uma campanha dirigida a captar 7,93% dos votos que José Antonio Kast (ex-candidato presidencial da extrema-direita, que ontem foi insultado no Estádio Nacional) obteve no primeiro turno, assim como também ao eleitorado de centro-esquerda. Para isto, o candidato de Chile Vamos deu uma guinada em alguns temas de seu programa e prometeu avançar na gratuidade da educação técnico-profissional.
Minutos antes, Guillier telefonou ao vencedor, parabenizando e reconhecendo seu sólido triunfo. Do outro lado da linha, ouviam-se as aclamações: “se sente, se sente, Piñera presidente”. Por fim, relaxados, seus adeptos podiam saborear o triunfo, pois apesar de o empresário bilionário ter conquistado 54% das preferências versus 45% do jornalista, seus partidários estavam preocupados. A campanha Todos Contra Piñera e a possível transferência de votos da Frente Ampla (a terceira força política chilena), por semanas, trouxe a eles instabilidade, daí os gritos e caravanas de adeptos festejando fortemente. Este triunfo, que coloca Sebastián Piñera pela segunda vez no Palácio de La Moneda até 2022, e o torna o oitavo a conquistá-lo duas vezes na história republicana do Chile, será recordado pela folga nos resultados, mas também pelo nervosismo que sobrevoou todo o processo.
O dia do vencedor começou cedo, na manhã deste domingo. Após tomar café junto com sua família e a imprensa, dirigiu-se ao Colégio República Alemanha para dar seu voto. O processo foi rápido e não fez declarações, segundo contou La Tercera. Após acompanhar sua esposa, Cecilia Morel, para votar em seu local, o candidato de Chile Vamos agradeceu o apoio e fez um convite para que o Chile “volte para os caminhos da unidade”.
“Quero manifestar minha grande esperança em que, após esta eleição, apesar das diferenças, podemos ter diferenças e é bom que seja assim, mas isso não nos torna inimigos (...) Quero cumprimentar a Alejandro Guillier, tenho-lhe apreço, trabalhamos juntos no passado. Também espero que continuemos trabalhando juntos no futuro”, apontou Piñera.
Nesta linha, pediu pela última vez o apoio dos eleitores. “Estou convencido, porque conheço meus compatriotas, que nós, os chilenos e chilenas, iremos escolher o caminho que conduz a tempos melhores (...) Quero dizer a todos os meus compatriotas que nos ajudem e apoiem, porque juntos iremos construir esse caminho que sonhamos”.
O dia teve outro momento alto quando, às 20h15, Michelle Bachelet telefonou a Piñera. A conversa foi televisionada conforme reza a tradição republicana neste país. O presidente eleito a convidou para tomar café, hoje, às 9h30 da manhã, para coordenar a transição de mandato, que ocorrerá no próximo dia 11 de março, repetindo o mesmo que ocorreu, em 2010, quando a atual mandatária substituiu ao empresário. Nas duas ocasiões, Bachelet não pôde ou não soube repassar sua adesão cidadã, atualmente de 40%, para seu continuador lógico. Foi uma conversa formal, mas em nada muito feliz, compreendendo Bachelet que por mais que sua segunda administração apareça nas pesquisas e que seu legado seja valorizado com o rigor que merece, em sua história ficará gravada que entregou o poder duas vezes à direita e, pior ainda, a Sebastián Piñera, dizem em seu setor.
O presidente eleito Piñera venceu Guillier em 13 das 15 regiões do país, e em dez delas o superou por cinco ou mais pontos percentuais. Por essa razão, e apesar de, há quatro dias, Gabriel Boric ter confirmado seu apoio ao candidato da situação frente às eleições presidenciais, o líder da Frente Ampla se mostrou crítico a respeito do trabalho realizado por Guillier durante a campanha, após saírem os primeiros resultados que apontavam Piñera como o vencedor.
Por meio de sua conta no Twitter, o deputado por Magallanes manifestou que “fica claro que não bastava o ‘anti-Piñera’ para convocar uma maioria”, e questionou Guillier por não se comprometer “com transformações profundas e este é o resultado. A principal responsabilidade de sua derrota é daqueles que lideraram a campanha”. Além disso, após o triunfo do candidato de Chile Vamos, Boric retirou qualquer responsabilidade da coletividade que lidera e adiantou o trabalho que realizará durante o próximo governo. “Irão existir vários nova-maioristas que tratarão de encontrar na Frente Ampla uma desculpa para o seu fracasso. Nós nos dedicaremos a ser oposição firme, responsável, com projeto próprio e junto aos movimentos sociais” (sic), expressou o deputado na mesma rede social.
As declarações de Boric são as primeiras que vem da Frente Ampla, movimento que teve um papel central no primeiro turno, mas que na última hora antes das eleições de ontem decidiu expressar sua preferência.
Ao final do dia, Guillier chegou ao hotel onde estava o comando duro de Piñera para saudá-lo e afirmar que será uma oposição construtiva, em outro gesto republicano deste país.
Por sua vez, o presidente eleito falou que “na intimidade de minha história e minha vida, tenho carinho e estima por Guillier e sua esposa e estou certo que seguiremos trabalhando no futuro. Há legítimas diferenças e também coisas que nos unem como o amor ao Chile e a entrega do melhor de nós para que todos os chilenos, os mais vulneráveis e a classe média, tenham uma vida mais plena e mais feliz. Se há mais acordos que enfrentamentos, os países crescem”, disse Piñera.
Por fim, sustentou que “os caminhos nos unem, o futuro é mais importante que o passado. Li o programa de Alejandro, há ideias muito boas. Disso falaremos com mais calma para ver onde temos acordos para impulsionarmos juntos, e das diferenças falaremos com espírito republicano”.
No fechamento desta edição, havia a previsão de que Piñera falaria de um hotel central de Santiago e que seguiria comemorando esta nova vitória nas urnas, que lhe permitirá governar o Chile por quatro anos.
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Chile. Com Piñera avança a onda da direita - Instituto Humanitas Unisinos - IHU