01 Novembro 2017
“A maior dificuldade está em que os organizadores eclesiais da vinda do Papa construíram um muro intransponível para impedir que esse descontentamento que existe contra a hierarquia chilena se expresse durante a visita do Papa”, escreve Marco Antonio Velásquez Uribe, em artigo publicado por Religión Digital, 31-10-2017. A tradução é de André Langer.
A próxima visita do Papa ao Chile, que se realizará entre os dias 15 e 18 de janeiro de 2018, voltou a colocar a Igreja chilena nos holofotes do mundo. Embora os preparativos não sejam livres de polêmica, os oportunismos também não estão ausentes, quando se trata de aproveitar a imagem do Papa da misericórdia, para lavar um certo passado ou para obter mais de algum dividendo reputacional ou econômico, que, sem dúvida, reportará a sua visita.
As expectativas de sua vinda cobrem todo o espectro de possibilidades, desde aqueles que nada esperam, até aqueles que esperam verdadeiros milagres. Entre aqueles que anseiam por tais prodígios, há muitos bispos que confiam em que a visita do Papa traga de volta a credibilidade a uma instituição desacreditada.
No entanto, e sem pretendê-lo, existe o risco de que a mesma hierarquia que defraudou não apenas as esperanças do Povo de Deus, mas também da sociedade chilena, possa acabar por endossar os custos a um Papa que representa uma grande esperança de mudança na Igreja universal.
Enquanto a Igreja institucional, com sua ampla rede de paróquias, mobiliza-se para financiar a visita, as comunidades cristãs se preparam com o cuidado para não transformar esse acontecimento em uma pirotecnia pastoral alienante. Nesse sentido, a visita de Francisco ao Chile move-se sobre o fio de uma dolorosa história recente, cheia de contradições eclesiais, e um presente caracterizado pela apatia e pela frustração espiritual, com a perspectiva de um futuro incerto, onde não é fácil rearticular a confiança entre determinada hierarquia e os leigos.
As feridas deixadas pelas atuações do clero em uma ampla gama de escândalos, não apenas sexuais, não cicatrizarão com a vinda do Papa. Pelo contrário, sofrimentos, antigos e novos, tornam-se sensíveis, acentuados pela suspeita de manipulação e omissão que está subjacente à preparação desta visita.
De fato, a maior dificuldade está em que os organizadores eclesiais da vinda do Papa construíram um muro intransponível para impedir que esse descontentamento que existe contra a hierarquia chilena se expresse durante a visita do Papa.
Agora como nunca antes, recorda-se com saudades que há exatamente 30 anos, em plena ditadura, a visita de João Paulo II converteu-se um evento de liberdade e de coragem pastoral que apressou o retorno à democracia. Eram dias em que os pastores, impregnados com um espírito profético, guiavam o Povo de Deus pelos caminhos da libertação. Esse contraste está presente na memória de muitas comunidades.
Agora, ao contrário, insiste-se em que "a roupa suja lava-se em casa" e não na presença do Bispo de Roma. Mas as comunidades sabem que, na Igreja, o dono de casa é o Vigário de Cristo. Por isso, muitos querem que a vinda do Papa seja uma oportunidade para mostrar a ele essa dolorosa realidade da Igreja chilena, que chega distorcida e falseada a Roma, porque é sabido que "de Roma sai, o que a Roma chega".
Sendo este o preâmbulo da visita do Papa, não é fácil encontrar um indicador objetivo que dimensione a verdadeira frustração e impotência que se vive em muitas comunidades cristãs.
Em boa hora, no dia 26 de outubro, foi publicado o Relatório Latinobarómetro 2017, uma pesquisa que recolhe a opinião de 20.200 entrevistas presenciais, realizada em 18 países latino-americanos, cujo trabalho de campo foi realizado entre 22 de junho e 28 de agosto de 2017.
Este relatório mostra que a Igreja (católica e outras) é a instituição com maior confiança no continente, superando amplamente as Forças Armadas, a polícia, o Poder Judiciário, os governos, os congressos e os partidos políticos. Nesse espectro, 65% da população latino-americana confia muito ou algo na Igreja, seguida muito abaixo pelas Forças Armadas, que captam 46% da confiança da população.
O país da América Latina em que a Igreja goza de maior confiança é Honduras, onde 78% da população lhe tributa tal consideração. No extremo oposto, a menor confiança do continente na Igreja registra-se no Chile, onde apenas 36% da população confia nela; está mesmo abaixo do Uruguai, reconhecidamente o país mais secularizado da América Latina, onde 41% desse povo confia na Igreja.
Os números indicados são reveladores da profundidade da crise vivida pela Igreja chilena, porque advertem que 64% dos chilenos manifestam desconfiança nela. A situação assim descrita é desoladora.
É isso que se tenta ocultar do olhar do Papa com distrações pastorais. No entanto, e sem inibições, o descontentamento aflora espontaneamente nas ruas, nas famílias, nos círculos sociais e, evidentemente, nas comunidades cristãs.
O Chile é um país caloroso e acolhedor. Assim espera-se que o Papa Francisco seja recebido, mas também com participação, com verdade e com a expressão dessa frustração e indignação que existe pela forma como a Igreja chilena foi conduzida nos últimos anos.
Ninguém, menos ainda uma Igreja que aspira a ser católica, pode negar-se a ver essa realidade. Menos uma Igreja que já foi mãe e mestra, e que ensinou que toda ação cristã começa por contemplar essas realidades complexas que, iluminadas com o prisma do Evangelho, devem ser julgadas profeticamente para garantir a fecundidade da ação cristã. Somente dessa maneira é possível transformar as realidades temporais e eclesiais distorcidas pelo pecado, a fim de encontrar uma saída para uma crise de grandes proporções.
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Chile. “Os bispos esperam que a visita do Papa devolva a credibilidade à Igreja” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU