08 Novembro 2017
Recentemente, dois livros foram publicados, ambos com autores proeminentes e ambos em resposta às “dubia” entregues há um ano ao Papa Francisco por quatro cardeais, sobre a exortação pós-sinodal Amoris Laetitia.
A reportagem é de Sandro Magister, publicada por Settimo Cielo, 06-11-2017. A tradução é de André Langer.
O primeiro desses livros, publicado na Itália pela editora Ares, já provocou muitas discussões. O autor é Rocco Buttiglione, conhecido estudioso de filosofia e intérprete autorizado do pensamento filosófico de João Paulo II, agora um defensor convicto das "aberturas" introduzidas por Francisco sobre a comunhão para os divorciados recasados e igualmente resoluto proponente da perfeita continuidade entre o magistério do atual Papa em matéria moral e a encíclica Veritatis Splendor do Papa Karol Wojtyla.
Mas ainda mais do que por tudo o que Buttiglione escreveu, o que já era conhecido, a discussão foi suscitada pelo prefácio ao mesmo livro, assinado pelo cardeal Gerhard L. Müller, ex-prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé.
Com efeito, esse prólogo pareceu, para muitos, contraditório.
Por um lado, de fato, Müller escreve que ele concorda completamente com as teses de Buttiglione e recomenda vivamente a sua leitura.
Por outro lado, no entanto, o próprio cardeal provê – explicitamente – apenas um caso de possível acesso à comunhão por um católico que passou a uma segunda união e cujo primeiro cônjuge ainda está vivo. É o caso em que o primeiro matrimônio, embora celebrado pela Igreja, deve ser considerado inválido devido à ausência de fé ou de outros requisitos fundamentais no momento da celebração, embora essa invalidez "não possa ser comprovada canonicamente".
Nesse caso, Müller escreve: "É possível que a tensão aqui verificada entre o status público-objetivo do ‘segundo’ casamento e a culpa subjetiva possa abrir, nas condições descritas, o caminho para o sacramento da penitência e da Sagrada Comunhão, passando por um discernimento pastoral no foro interno".
Agora, ninguém notou que o caso aqui levantado como hipótese por Müller é o mesmo que Joseph Ratzinger já havia explicitado e discutido em numerosas ocasiões, tanto como teólogo quanto como Papa, também admitindo ele o eventual acesso aos sacramentos, sempre e em qualquer caso com uma decisão tomada "no foro interno" com o confessor e tomando o cuidado para não provocar um escândalo público.
De acordo com o que ele escreve no prefácio, este é, portanto, o limiar – completamente tradicional – sobre o qual se assenta o cardeal Müller, no que diz respeito ao acesso à comunhão para pessoas divorciadas que se casaram novamente.
Buttiglione, no entanto, vai mais longe, com o testemunho pouco compreensível de benevolência do ex-prefeito da doutrina. Uma "dubio" a mais, esta, em vez de a menos.
* * *
Há também o segundo livro de resposta às "dubia" dos quatro cardeais. Tem como autor dois renomados teólogos franceses: o jesuíta Alain Thomasset e o dominicano Jean-Miguel Garrigues.
O livro também sai em defesa da continuidade e da "complementaridade" entre a exortação Amoris Laetitia do Papa Francisco e a encíclica Veritatis Esplendor de João Paulo II.
E isso também está animando uma discussão, como se pode ver nesta intervenção crítica do filósofo Thibaud Collin, escrita expressamente para Settimo Cielo.
Collin é professor de filosofia moral e política no Collège Stanislas, de Paris, e é um dos seis estudiosos leigos que se reuniram em Roma no dia 22 de abril para o seminário de estudo sobre a Amoris Laetitia, com o significativo título Esclarecer, recordado pelo cardeal Carlo Caffarra em sua última carta – e não ouvida – ao Papa Francisco.
Nestes tempos de confusão, tudo o que parece avançar na direção do esclarecimento é bem-vindo. Grande é, então, a esperança daqueles que abrem o pequeno livro Une moral souple mais non sans boussole [Uma moral flexível, mas não sem bússola], dos padres Alain Thomasset e Jean-Miguel Garrigues, o primeiro jesuíta e o segundo dominicano. Sob a bandeira do cardeal Schönborn, que assina o prefácio, nossos dois teólogos pretendem responder às cinco "dubia" expostas pelos cardeais sobre a maneira de entender certas passagens da exortação Amoris Laetitia.
Ao terminar a leitura do livro, é inevitável constatar que essas "dubia" não desapareceram. Pode-se inclusive dizer que, infelizmente, elas saem fortalecidas, tanto que os argumentos usados para dissipá-las produzem o efeito inverso. Certamente, isso não é motivo para se alegrar, porque a dúvida é uma indeterminação dolorosa do espírito. E a matéria em questão nas "dubia", a vida moral e sacramental dos fiéis, é suficientemente grave para considerar que a caridade deve obrigar a dissipá-las com a máxima urgência. Como se sabe, o Santo Padre ainda não considerou que seja bom consentir em realizar tal gesto.
Enquanto se espera que o papa tome uma decisão, o debate continua e a divisão cresce. E quanto mais o tempo passa, mais fica claro que a recepção da Amoris Laetitia está prestes a cruzar os 50 anos da Humanae Vitae e os 25 anos da Veritatis Splendor. Agora, a encíclica de João Paulo II respondia às objeções dirigidas à encíclica de Paulo VI, referindo-se às suas raízes mais profundas. E quando hoje lemos tantos textos consagrados à Amoris Laetitia, tem-se a impressão de que a história se repete. Experimentamos uma sensação estranha diante dessa regressão. Os quatro cardeais, com o cardeal de Bolonha na primeira fila por razões históricas óbvias, concentraram-se justamente no capítulo 8 da Amoris Laetitia... que parece ter sido escrito como se a Veritatis Splendor nunca tivesse existido.
A tese central do livro é comum aos dois autores: existe uma complementaridade entre a Amoris Laetitia e a Veritatis Splendor, e as "dubia" não têm, portanto, nenhuma razão para existir. Somente aqueles que fazem uma leitura intransigente da encíclica de São João Paulo II consideram que a articulação dos dois textos traz problemas.
O padre Alain Thomasset apresenta, em primeiro lugar, as principais linhas da Veritatis Splendor, situando-a em seu contexto histórico: o desafio do relativismo, que volta a questionar "os pontos de referência indispensáveis para a consciência no momento da decisão" (p. 30); daí o benefício de ter reafirmado a existência de atos intrinsecamente maus.
Duas observações:
1) essa colocação no contexto não é ela mesma sugestiva? De fato, o padre Thomasset não apresenta nenhuma das doutrinas que a Veritatis Splendor contesta, e ele tem motivos para isso, porque ele é um herdeiro daqueles que as desenvolveram.
2) o contexto de hoje é tão diferente do de ontem? O acompanhamento do texto vai confirmar os nossos medos. Pode-se julgar com base nessas passagens:
"É suficiente, para definir e avaliar, em termos morais, um ato conjugal que recorre à pílula, dizer que essa maneira de agir busca evitar a procriação, quando, ao contrário, poderia ser, em certos casos, o único meio eficaz de controle de natalidade em vista de uma paternidade responsável? [...] Do mesmo modo, como levar em consideração a diferença entre um ato de adultério de uma pessoa casada e uma relação sexual no coração de um casal estável de pessoas que se casaram novamente, onde as circunstâncias e as intenções são diferentes As definições dos atos intrinsecamente maus por si só não são suficientes para esta avaliação moral, permanecendo muito abstratas e genéricas. Elas não podem levar em consideração toda a complexidade das situações vivenciadas e a totalidade do contexto, que se tornou mais importante do que no passado para julgar a aplicação das normas. Uma intervenção muito imediata bloquearia muito rapidamente a intervenção da razão e da consciência para a definição do ato em questão e sua avaliação moral "(pp. 77-78).
Aqui vemos que o padre Thomasset, após ter aderido à doutrina da Veritatis Splendor que afirma a existência de atos intrinsecamente maus, nega-a! Ele não percebe a contradição, porque, para ele, a noção de intrinsecamente mau desenvolve-se em um nível tão estratosférico e em tal nível de generalidade que não pode, como tal, ser determinante na prática. Por conseguinte, cabe à consciência qualificar o objeto do ato, isto é, dar-lhe um sentido ao refletir sobre ele em seu contexto e a partir de suas intenções. Tudo acaba dependendo de uma questão de vocabulário. A avaliação moral baseia-se na definição, isto é, na determinação do sentido para a consciência situada no contexto. A noção de "ato intrinsecamente mau" não é mais do que uma concha vazia, no máximo um ponto de referência, um valor formal da orientação da escolha.
Portanto, isso não significa mais o mesmo que na Veritatis Splendor: um ato que nunca pode ser escolhido, independentemente das circunstâncias e da intenção do sujeito, porque se ele o realizasse, a pessoa negaria seu verdadeiro bem, ela se separaria de Deus e de sua própria felicidade. O pressuposto do padre Thomasset é que a lei moral é uma norma que se opõe à liberdade, e a consciência deve ser determinada arbitrando entre seu possível conflito. O padre Thomasset projeta então na Veritatis Splendor uma ‘forma mentis’ legalista, daí a contradição em que ele cai.
Pois bem, de acordo com Santo Tomás [de Aquino], retomado pela Veritatis Splendor, a lei moral é uma luz que ilumina a razão sobre o verdadeiro bem da pessoa e permite que ela ordene o ato em direção à sua felicidade. A ação é, portanto, chamada de bom ou mau, de acordo com a concordância ou não com a razão em relação aos objetivos da pessoa. A consciência é essa luz da verdade sobre a ação individual que deve ser realizada. Como muitos hoje, o teólogo jesuíta refere-se a Santo Tomás para contestar o alcance universal da lei natural, incapaz de abarcar a contingência e a complexidade da vida prática. Mas a virtude da prudência nunca consistiu em autorizar exceções ou arbitrar conflitos de dever. Ela é aquilo com que o sujeito determina "hic et nunc" o caminho da realização de seu verdadeiro bem.
O juízo da prudência é prático e não substitui o juízo da consciência. Somente aqueles que concebem a lei natural de acordo com o modelo da lei política podem apoiar-se na doutrina de Santo Tomás [de Aquino] para validar as chamadas exceções aos preceitos negativos. O adultério nunca será uma ação boa para a pessoa que é colocada nessa situação, mesmo que ela lhe dê um novo nome. Esta tática é tão antiga quanto o mundo: todos tendem a apresentar à própria consciência a situação nos aspectos mais vantajosos, para que ela pare de incomodá-los. A casuística, oficialmente tão vituperada hoje, nunca esteve tão à vontade. E devemos apostar que a beatificação de Pascal também não mudará nada a este respeito!
O padre Jean-Miguel Garrigues reconhece que as "dubia" aguardam uma resposta, mas acusa o cardeal Gerhard Müller, "por causa de sua posição imobilizadora", de não ter "possibilitado uma colaboração frutífera da Congregação para a Doutrina da Fé com o Papa" (p. 114). Pode-se objetar a isso que o cardeal prefeito fez o que podia para preservar a continuidade e a coerência da posição da Igreja a este respeito. Ainda em 1999, na introdução de um livro explicitamente apoiado por São João Paulo II, o cardeal Ratzinger afirmava que a posição da Familiaris Consortio n. 84 "está fundamentada na Sagrada Escritura" e que, neste sentido, "ela não é uma regra puramente disciplinar que poderia ser alterada pela Igreja. Ela deriva de uma situação objetiva que, por si só, torna impossível o acesso à santa comunhão". O sucessor do cardeal Ratzinger estava, portanto, mais do que justificado ao sustentar que se o Papa quisesse mudar uma prática tão antiga e consolidada, ele não teria feito isso com uma nota de rodapé, nota cujo significado não está claro, porque não precisa o tipo de fiéis envolvidos.
O padre Jean-Miguel Garrigues considera que os contratempos atuais são provocados por "uma escola teológica" que contribuiu para a redação da Veritatis Splendor, mas que acabou por absolutizá-la sem perceber os limites de seu campo de aplicação. A encíclica de João Paulo II aborda principalmente a questão moral em termos da especificação objetiva do ato baseado na razão, enquanto que a Amoris Laetitia aborda o plano do exercício a partir do apetite e, portanto, dos condicionamentos. As duas abordagens são complementares, porque ambas, a razão e a vontade, estão na raiz do ato humano. Em resumo: não se deve confundir a objetividade do ato e a imputabilidade do sujeito agente; trata-se, pois, de distinguir para unir.
O padre Garrigues, em vez disso, acusa esta "escola teológica" de se recusar a levar em consideração o sujeito na reflexão moral. As "dubia" seriam o produto de uma rigidez mental e de uma redução pastoral, que se manifestaram por ocasião da publicação da Amoris Laetitia. Uma leitura não rígida da Veritatis Splendor, como proposta pelo padre Garrigues, permitiria não apenas responder às "dubia" enfatizando a complementaridade dos dois textos, mas também permitira denunciar formalmente esse ressurgimento do "tuciorismo" em plena pós-modernidade. Mas a tática que consiste em separar o bom grão da Veritatis Splendor da cizânia desta "escola teológica" não resiste à análise.
E, de fato, o padre Garrigues nunca cita esta escola e nunca discute este ou aquele texto. Isso lhe teria tomado muito tempo e, acima de tudo, o teria levado a perceber o vazio de uma acusação como essa. Certamente, pode-se discordar do cardeal Carlo Caffarra ou de dom Livio Melina (porque são, certamente, os principais acusados, mas nunca chamados por seu nome), mas parece intelectualmente desonesto reduzir sua reflexão e seu compromisso pastoral (se se quiser pelo menos reconhecer-lhes um deles) a um "tuciorismo" ou a uma infidelidade a João Paulo II devidos a um excesso de zelo! Na verdade, seria preciso nunca ter lido uma linha de seus escritos para acusá-los de ignorar o sujeito moral e a ordem de exercício do ato. Por exemplo, tenho na minha frente o texto de uma palestra que dom Caffarra fez em Ars no começo dos anos 1990. É sobre a subjetividade cristã. E, precisamente, a problemática era (já nessa época!) a do legalismo moral, do qual o proporcionalismo é apenas uma variante. Agora, apenas uma análise cuidadosa da dinâmica da ação humana captada na intenção voluntária que se torna uma escolha permite sair de uma aproximação na qual a lei e a consciência são vistas como dois pólos opostos. Ouçamos a pessoa que São João Paulo II escolheu como seu colaborador próximo em um dos temas pastorais mais próximos ao seu coração, a ética sexual, o matrimônio e a família:
"No homem, a intenção não pode ser realizada senão através e na escolha. Na existência humana, o que é mais decisivo não é o julgamento da consciência, mas o julgamento de escolha. Ninguém se torna cristão porque pensa em fazê-lo, assim como não existe se pensa em existir. Não sou muito mais cristão pensando mais profundamente sobre o cristianismo: o pensamento do homem não cria a existência. Há apenas uma maneira de se tornar cristão: escolher, decidir ser cristão. Mas o julgamento da consciência só é potencialmente prático, enquanto o julgamento de escolha é realmente prático: é o exercício da razão no próprio ato de escolher (Ia IIae, Q. 58, a.2 c). O conhecimento produzido pelo julgamento da consciência é insuficiente, porque pode ser deixado de lado pela pessoa no momento da escolha, pode ser um conhecimento que não considera a pessoa enquanto é esse indivíduo, aqui, com seus desejos e que deve agir nesta situação dada. Se esse conhecimento não expressa o que o indivíduo realmente quer, é inoperante".
Carlo Caffarra era um fino conhecedor de Newman e Kierkegaard. Ele também assimilou muito bem o personalismo wojtyliano baseado na experiência integral da pessoa em sua ação. Afirmar que esta "escola teológica" ignora a ordem do exercício prático é tão absurda quanto isolar o capítulo central da Veritatis Splendor do seu primeiro capítulo – no qual reflete sobre o chamado do jovem rico – e de seu terceiro capítulo – que exorta ao martírio por fidelidade à vontade salvífica de Deus.
O padre Garrigues responde sim às cinco "dubias". O discernimento dos condicionamentos que limitam a consciência e a vontade do sujeito permite optar, em determinados casos, pela imputabilidade fraca do sujeito situado em um estado de vida em contradição com o Evangelho. Mas, como muitos já enfatizaram, isso não é suficiente para legitimar a recepção dos sacramentos, a menos que alguém esteja pensando em romper com a maneira como a Igreja pensou até hoje a articulação entre a fé, a vida moral e a ordem sacramental. Dizer isso não é negar a subjetividade em benefício de uma objetividade mortal. É, pelo contrário, possibilitar uma subjetivação que seja adequada à verdade integral do ser humano. Este é o papel de todo pastor. Esta era a preocupação mais profunda desse magnífico pastor que foi Karol Wojtyla. Sem dúvida, uma certa interpretação da Amoris Laetitia pode permitir precisar e aprofundar as modalidades desta subjetivação. Somente o Santo Padre pode determinar a maneira de receber corretamente a exortação. Nesse caso, o texto não será mais uma ocasião para divisão e confusão, mas para amadurecimento e comunhão.
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As “dubia” estão mais vivas do que nunca. E o cardeal Müller acrescenta uma de sua própria autoria - Instituto Humanitas Unisinos - IHU