16 Outubro 2017
Teresa aparece como uma mulher ousada, dinâmica, que se atreveu a discutir com as autoridades do seu contexto (teólogos, intelectuais), sobre o processo do que é verdadeiramente se encontrar com o Deus. O seu modo de atuar, bem como a leveza de encarar a vida e a espiritualidade são uma rica contribuição para os nossos dias", escreve Assunta Romio, doutoranda de teologia na Escola Superior de Teologia - EST, São Leopoldo, RS.
Segundo ela, "encontramos muitas pessoas que dão sinais evidentes de terem feito a experiência do itinerário teresiano até a sétima Morada. São os orantes, comprometidos com a causa de Jesus Cristo, especialmente com os mais necessitados e sofridos da sociedade; não se cansam de trabalhar pelo Reino de Deus, na construção de uma humanidade nova".
Teresa de Jesus escreve o livro das Moradas, com a preocupação de narrar a sua experiência de vida espiritual. [1] Ela o faz de forma pedagógica, conduzindo o leitor a entrar na dinâmica do encontro com o Sagrado. Desde o início dessa magnífica narração, deixa claro que, quando alguém deseja fazer a experiência de encontro com Jesus Cristo, a porta da entrada é a oração. Para isso deve deixar-se conduzir por esse Deus que se revela apaixonado pela pessoa humana.
Na narrativa das Moradas, Teresa apresenta um caminho que conduz a pessoa ao centro do Castelo, [2] onde mora Deus. Ela se coloca como alguém que percorreu este caminho. Deixa clara a necessidade de se colocar em atitude de caminhante, errando e acertando, mas com clareza de horizonte, sabendo onde quer chegar. Ela insiste que é preciso aprofundar o autoconhecimento, a autoaceitação, a acolhida da própria realidade e a interiorização.
O livro das Moradas ou Castelo Interior é repleto de simbologias, que ajudam a compreender a beleza da pessoa humana. A partir da concepção antropológica unitária, criada no amor e para o amor, Teresa apresenta um caminho, um itinerário de amor, a ser percorrido rumo ao centro do Castelo. Este processo gradativo, leva a pessoa a um encontro consigo, com os outros, com a criação, com Deus.
Ao iniciar a descrição das primeiras Moradas, Teresa afirma que é preciso tomar uma decisão firme: entrar no Castelo. Desta forma inicia uma relação de amizade com Quem sabemos que tanto nos ama. [3] Esta experiência exige da pessoa um autoconhecimento em perceber a dinâmica interna do encontro com a Transcendência, o sagrado. O encontro com Jesus Cristo e sua humanidade a transforma interiormente: da fraqueza e debilidade à fortaleza de saber-se amada e agraciada. A experiência se dá numa relação de amizade e de diálogo, com Jesus Cristo e assim, experimenta o amor apaixonado de Deus pela sua criatura. [4]
Teresa expressa a plenitude da experiência de encontro com Deus, com o símbolo da antropologia Teresiana: a pessoa é como o Castelo habitado com muitas moradas. [5] No delinear da narração utiliza-se do símbolo de morador e morada, expressando o encontro entre Deus e a pessoa, de entrar e tornar a entrar no Castelo. A porta é a oração como relação de amizade. [6]
Nas primeiras Moradas, Teresa enfatiza que a história do ser humano, é uma biografia de amizade, de reencontro, solidariedade radical, onde descobre a sua dignidade, percebe o sentido de ser para o outro. Se não existir diálogo, não acontece o encontro com Ele. Dialogar é prazeroso, uma relação deliciosa. [7]
Nestas Moradas, a Santa descreve que Deus que se comunica com a pessoa, não com palavras internas ou externas, mas uma compreensão mais profunda, na qual ela verbaliza como uma voz interior. Um sinal evidente de um encontro profundo relacional são os efeitos nas palavras e obras. A pessoa vai identificando esta voz interior que a chama, e aos poucos se torna cada vez mais familiar e não perde uma silaba do que se ouve, pois fica na memória e jamais se pode esquecer. [8]
Impressiona perceber que Teresa, em seu caminho de oração constantemente pede luz para o momento que está vivendo. Insiste que o importante é descobrir a motivação de continuar o processo de amar e dialogar com este Alguém que nos transcende, que dá sentido ao nosso viver. Diz que escutou claramente – “Não tenhas medo, filha, Sou Eu e não te desampararei, não temas”. [9] Assim, ela se sente segura e amparada ao começar uma nova caminhada, acreditando estar no caminho certo. Os sinais são evidentes como: a quietude, paz, certeza, segurança, alegria interior. Ela faz um convite ao seu leitor, colocar os olhos somente n’Ele. A relação com Ele é uma aventura de amor. A linguagem é única, a do Amor. Pedimos a Teresa que nos acompanhe nesta caminhada de entrar no Castelo Interior e encontrar ali, a verdadeira felicidade.
Nas segundas Moradas, Teresa dá ênfase à necessidade de ter coragem para reconhecer os dinamismos interiores, principalmente àqueles com os quais, temos dificuldade de lidar e aceitar. Ela orienta ao leitor a fazer um exercício de entrar em si, acolher o mistério da própria vida, escutar a Palavra animadora de acolhida, que Deus faz a cada momento. Incentiva o leitor, a partir da experiência de encontro com Deus, a organizar um programa de vida: de oração, de seguimento e de encontro consigo. É evidente, na sua narrativa, a forma como anima as pessoas a continuarem o processo iniciado, e se for necessário buscarem algum grupo ou amigos onde possam partilhar as experiências de oração.
Na reflexão destas Moradas, Teresa resgata o significado da prova do amor. O amor é capaz de gerar no ser humano a necessidade de ir ao encontro do outro e lançar-se à missão. Ela descreve em detalhes a experiência como superou os momentos de aridez e impotência. Através da descoberta de sentir-se amada e acolhida, foi percebendo como Deus é misericordioso, revelando-lhe as verdades mais profundas do significado do amor. Usa muita criatividade em vislumbrar estas duas Moradas.
Destaca que, neste estágio o ser humano se percebe num desconforto físico e espiritual, mas, ao mesmo tempo, vive um espaço de liberdade. O orante experimenta uma mescla de sentimentos de alegrias, desconforto, certezas, dúvidas, verdades, mentiras. Por outro lado, são experiências que provocam profunda tensão interior, porque entra em contato com a sua própria realidade como criatura humana, pois nem sempre consegue lidar com o medo da crise, ou o vazio existencial.
A Santa tem um modo peculiar e simples de escrever suas experiências espirituais. Tem como objetivo animar e orientar as pessoas. Percebe-se, nas entre linhas destas duas Moradas uma descrição objetiva e direta, ao mesmo tempo um especial cuidado de orientar com leveza e suavidade. Ela é clara, quando escreve que, para caminhar, se faz necessário ter uma firme decisão. Sugere que seja com dignidade, maturidade, respeitando o seu ritmo e acolhendo a própria realidade interior. Porém, é importante tomar consciência, de que não se está sozinho. É necessário ter a coragem de permitir que Deus entre na sua vida. [10]
Teresa é por natureza uma mulher pedagógica no seu modo de ser, agir e atuar. Evidencia-se que, sua preocupação com o leitor é que ele possa entender a própria dinâmica de superação de si mesmo. Pelo acima dito, sabemos que a história humana está cheia de paixões, desejos infantis, às vezes gratificantes, frustrações, compensações. Teresa define este momento como único, andar na verdade. [11] Esta é uma atitude de clarividência interior, de uma mirada real de si mesmo. A presença d’Ele irradia transformando a pessoa a focar o princípio do amor. Por isso, deixa de lado tudo, ao descobrir a presença amorosa de Deus na vida, pois esta a conduz ao verdadeiro amor.
No entanto, nas segundas Moradas, ela se lembra do processo de sentir-se ferida, mas precisa ter cuidado para não desanimar, alimentando o desejo de voltar. [12] Nesta confusão se sente chamada por Deus, apesar de suas quedas, rupturas, temores. Ao mesmo tempo recomeça o caminho com novas possibilidades. Na sua pedagogia, Teresa fala, por experiência, que é necessário fazer o esforço para compreender a realidade existencial e acreditar que é possível mudar. Ela descreve como chegou à maturidade humana e à libertação das suas amarras. Nas terceiras Moradas, Teresa dedica um bom espaço para falar da mistagogia, ou seja, de como orientar a outros no caminho espiritual de encontro com o Senhor. Aqui, o exercitante é acompanhado no processo de entrar e perceber as contradições, as verdades, os enganos e discernir por qual trilha seguirá.
Ao ler estas duas Moradas percebe-se que Teresa aponta os passos para percorrer e avançar no caminho, rumo ao centro do Castelo Interior. É próprio destas Moradas, em alguns momentos, o caminhante perceber que avança e, ao mesmo tempo, faz a experiência de um retrocesso. Isso faz parte da dinâmica do itinerário humano-espiritual. O que chama atenção, na descrição destas Moradas, é que a oscilação faz parte da própria estrutura humana no seu processo de amadurecimento espiritual.
Nas quartas Moradas, Teresa utiliza a simbologia de uma fonte, para explicar o que acontece no interior da pessoa. A experiência relatada expressa o quanto foi sofrido superar a autosuficiência. Com esta conquista compreendeu que Deus a amava acima de tudo e que podia deixar-se conduzir por Ele.
Teresa narra nestas Moradas, como percorrer um caminho pedagógico de estar com Jesus, pois Ele é a fonte da água viva! Este é um passo rumo à experiência mística. A pessoa vive, por alguns momentos, no recolhimento da mente, no amor místico e na quietude da vontade, até chegar a unificação interior. Relata que Deus começa, nesta Morada, a dar algumas alegrias interiores. [13]
A narrativa teresiana destas Moradas enfoca a transcendência como mistério, não por este estar além da realidade que se vive, mas pela capacidade que a pessoa adquire em relação a transcender as dimensões do humano. O mistério da presença de Deus potencializa a pessoa a viver e atuar. A transcendência vivida como presença misteriosa é capaz de desinstalar e romper barreiras e provoca a compreensão do mistério da vida e as transformações que ocorrem na pessoa. Aqui acontece a oração como encontro no Amor, para o Amor. Por isso, a súplica, a oração e preces fazem parte do ritual da experiência que acontece lentamente, provocando assim, verdadeiros milagres. [14]
É essencial tomar contato com a própria condição humana e da riqueza que o encontro oracional pode provocar. Esta oração pode ser pessoal, individual ou comunitária. Como consequência desta experiência, a pessoa irradia luz, verdade, confiança. Sente-se perdoada e amada pelo Senhor, que a faz entrar nesta Morada para estar com Ele, a sós. [15]
Conhecedora da fragilidade do ser humano, Teresa apresenta, nestas quatro primeiras Moradas, o movimento de iniciar o processo de travessia da fronteira. É necessário experimentar-se, deixar-se moldar pela Transcendência. Estrategicamente Teresa começa a mudar a linguagem. Introduz a imagem do “silvo do Pastor”, o assobio que chama para o redil, para estar com Ele. Relata o empenho, o trabalho que teve para entender este processo de aproximar-se de Deus, entrar em si e chegar ao centro do Castelo, ter intimidade com o Amigo de todas as horas. A pessoa experimenta um amor muito grande de Deus que a transforma, impulsionando-a à missão. Teresa lembra que o Senhor dá a graça, quando quer, como o quer e a quem o quer, como dom e tesouro no coração. [16] Interessante é a advertência da Santa que, para aproveitar muito deste caminho e avançar nas Moradas, não está em pensar muito, senão em amar muito. [17] Não resta dúvida, que a pessoa humana precisa passar pela prova do crisol, para se autoafirmar e desejar, com veemência, seguir rumo ao interior do Castelo, e ali se encontrar com Deus. [18] Ele nos dá a conhecer a sua luz, diz ela, que nos faz ficar absortos. Ela convida para a entrega, deixar-se nos braços do Amor.
Podemos observar que os efeitos citados por Teresa, ocorrem tanto na vida pessoal, comunitária e social. Na verdade são efeitos significativos, pois a pessoa acaba tendo um novo olhar sobre si. Aqui nasce uma nova pessoa, a qual não se apoia sobre obras boas, mas sustentada por uma Presença suave que lhe dá leveza no seu modo de ser e agir. E então contagia outras pessoas na busca deste caminho. Hoje, mais do que nunca, o mundo precisa de pessoas enamoradas, confiantes e esperançosas, que amem e valorizem a vida, sendo presença do amor de Deus.
Nas quintas Moradas, Teresa se utiliza de recursos da natureza, para dar a entender as transformações que a pessoa passa quando se deixa moldar por dentro, isto é, quando decide deixar que Deus atue nela. É uma narrativa rica de símbolos, iniciando com transformação metamorfósica de uma borboleta, comparada com as etapas da vida mística e uma profunda união com Deus, refletindo no amor ao próximo. Um convite a entrar na dinâmica da vida mística, com a oração de união com Deus. Os sinais desta união são evidentes, ou seja, sentir-se plenificada interiormente e a certeza de estar na presença de Deus. Porém, é necessário fidelidade e perseverança.
O interessante desta Morada é a forma como Teresa descreve a pessoa, quando esta decide buscar a vida além dela mesma, apesar de todas as dificuldades enfrentadas. A afetividade vai se configurando na medida em que conhece Jesus Cristo, e, quando se desvia deste processo, fica sem referência, tudo se torna ilusão e acaba. Neste caso é possível acreditar que a ação do Espírito provoca mudanças no ser humano. Neste movimento, a pessoa percebe um novo chamado, porque o Espírito do Senhor sussurra aos ouvidos e grita constantemente: podes sair, coloca-te a caminho, não importa onde estás, segue em frente. Teresa deixa claro que, no processo espiritual, Deus sempre toma a iniciativa. Na experiência da oração de união, Deus vai atuando como presença amorosa e permanente na pessoa. [20]
Aqui Teresa continua usando diversas simbologias para se fazer entender sobre o que passa entre Deus e o ser humano. Por exemplo, ela faz menção do bicho da seda, que, embora aparentemente esteja dentro do casulo sem vida, ele se transfigura numa linda borboleta. [21] Com este exemplo, Teresa mostra o resultado da transformação que ocorre na pessoa, que faz a experiência de se encontrar e estar com Deus; não se reconhece mais como a mesma de antes. [22] Outro sinal da experiência é que provoca profundos desejos de se dedicar a uma causa, isto é, fazer algo pelos outros mais necessitados. [23] Ela se utiliza também de outro recurso para explicar a união. Compara a experiência mística como se fosse um profundo olhar de comunicação entre duas pessoas enamoradas, antes de seu compromisso definitivo do casamento. [24] Utiliza também o símbolo do selo com a cera para verbalizar a experiência de união. É o que deixa a alma selada com seu selo de filhos e filhas de Deus, a tem tal certeza que de nenhuma maneira pode duvidar, que esteve com Deus e Deus nela. [25]
É interessante perceber como Teresa emocionada narra o processo de crescimento e conhecimento de Jesus Cristo e sua humanidade. Fala da união do humano com o divino em sua pessoa: esta é sua expressão suprema - Jesus Cristo. Porém, esta união entre Deus e a pessoa passa pela morte. Neste processo surge o novo horizonte, com nova abertura ao transcendente, com desejo de estar mais perto de Deus vivendo a união: união, morte, mística e vida nova.[26]
O sinal da presença de Deus na alma, nesta Morada, é evidente, pois deixa na pessoa a experiência impressa do encontro com Ele. Este encontro com o Sagrado é tão forte que a pessoa se esquece de si mesma, vive uma profunda paz interior e a certeza de ser possuidora de um grande tesouro, que deseja partilhar com outros. A imagem de Deus fica gravada tão profundamente no interior da pessoa que, ainda que passem anos, mantém a certeza total desta presença divina. [27]
Nas sextas Moradas, Teresa prioriza os efeitos que acontecem no corpo e no interior da pessoa, quando faz a experiência de encontro com o sagrado. Ajuda o leitor a perceber e detectar quando a experiência é verdadeira e quando o fruto é da imaginação. Lembra das tensões interiores que a pessoa experimenta quando percebe a grandiosidade de Deus em sua vida, conduzindo-a a uma missão.
O estudo desta Morada mostra, como Teresa convida o leitor a acompanhar e compreender o processo de uma pessoa que experimenta profundamente a Deus. É normal passar por situações, que muitas vezes, não se conseguem entender: dificuldades de não aceitação da própria realidade de vida; necessidade de olhar um horizonte maior e buscar novas luzes; desejo de ter um encontro com Jesus Cristo no centro do Castelo.
Nas sextas Moradas, a pessoa já entrou num estágio oracional, em que nada vê, nem experimenta com os sentidos ou a imaginação, porém, tem certeza que está cada vez mais a sós com Deus. No entanto, percebe que o sofrimento faz parte da própria experiência de vida. Fica claro nesta Morada, a presença constante de Deus Trindade. O interessante é que a pessoa não consegue ficar sozinha com tantas graças, sentindo necessidade de partilhar as experiências com alguém muito espiritualizado. Neste sentido, Teresa faz um alerta importante: procurar alguém que já tenha trilhado por caminho semelhante e que compreenda o processo. [28]
Ela narra com detalhes o significado da experiência profunda de encontro com o sagrado e como consequência natural, o grande desejo de estar com Ele, a sós, por longos tempos. Ela simplifica dizendo, que a imagem do Amado fica esculpida com aquela visão, que todo o seu ser deseja tornar a reviver para gozar. E diz que a alma já está bem determinada a não tomar outro esposo. No entanto, a pessoa se sente segura porque está junto d’Ele, e, é donde lhe vem a fortaleza, tudo por Ele. Como consequência, vive um processo de plenificação, se esquece de si mesma e empenha-se em estar fazendo sempre o bem. [29]
Na narrativa, Teresa insiste que o Senhor se utiliza de várias maneiras para despertar a pessoa para o encontro: pela oração vocal e com a repetição parece que, lhe vem um deleitoso abrasamento; uma comunicação que parece vir do exterior, outras do mais íntimo da alma. [30] O critério é claro para Teresa. Se a comunicação é de Deus, a pessoa experimenta uma profunda paz interior, um desejo de fazer algo específico de boa ação e fica uma marca profunda que jamais esquece. [31] Com esta experiência ela se torna atenta aos movimentos interiores, para as coisas de Deus. O entendimento e sentidos se acalmam de tal forma que entendem os segredos mais profundos, pois ficam registrados na memória para sempre. [32] Tenta, também explicar o que acontece com a pessoa, utilizando uma série de analogias, como o surgir do sol, raios fortes que podem queimar, o sol da justiça, o voo do espírito que passa rapidamente. Porém, ficam as sequelas, como conhecimento da grandeza de Deus, autoconhecimento, não quer mais ofender com as transgressões no pecado, perceber a grandeza do Criador. [33]
No entanto, Teresa lembra, que ao estar nesta Morada a pessoa vislumbra o caminho para a sétima Morada, onde naturalmente deseja estar completamente com o Amado para louvar e agradecer constantemente, em atitude de encontro com Ele. [34] É uma alegria tão excessiva que a pessoa quer estar sozinha com Jesus Cristo e sua humanidade. [35] No entanto, a Santa adverte insistentemente que esse tipo de oração não deve ser considerado definitivamente superado, porque será necessária a ajuda do entendimento para inflamar a vontade. [36] Esta é uma preparação imediata para chegar ao cume da vida da Graça, possível de ser alcançada na terra. A profunda experiência interior de encontro leva à transformação, que repercute no modo de ser e de agir da pessoa, no dia a dia.
Ao descrever as sétimas Moradas, Teresa afirma que este é o momento ápice da experiência mística. Relata as graças recebidas do conhecimento profundo de Jesus Cristo e sua humanidade e a percepção clara da Trindade. Ela verbaliza, nesta Morada, a plena configuração com Cristo, que a conduz à vivência, em plenitude, do mistério na missão, onde Marta e Maria sempre andam juntas. [37]
Na leitura do texto percebe-se como Teresa, desde o epílogo, alerta sobre a importância de uma atitude de decidir entrar no Castelo. [38] Mas, ao mesmo tempo, afirma sobre a certeza de que Deus faz morada no interior do ser humano. E desde este lugar estabelece a relação da união transformante de sua vida em ação permanente. Teresa convida a abrir um espaço para entender que o processo de purificação interior de uma alma, bem como as graças sobrenaturais, estão ligadas aos êxtases. É necessária a contemplação da humanidade de Cristo, para chegar aos últimos graus da vida mística. [39]
A contemplação, para Teresa, não é subjetiva, mas transcende a pessoa, levando-a a esquecer-se de si e a entregar-se a Cristo e à missão eclesial. Impressiona quando Teresa fala da grande companhia e como entende as coisas, porém, ela nem sempre a vê com a mesma claridade como da primeira vez, que se colocou nas mãos de Deus, que a conduz a uma contemplação plenificada. [40] Apresenta também os efeitos do matrimônio espiritual, como sendo um esquecimento de si e não esquece o que escutou dentro de si. [41] Ali, afirma ela, nasce o desejo de fazer unicamente a vontade de Deus. [42] Com esta experiência Teresa deseja viver muitos anos para servi-Lo e amá-Lo. [43] Deseja dedicar tempo para estar a sós com Ele em oração. [44] Tudo isso se passa na alma com muita quietude e silêncio. [45]
Teresa de Ávila retoma um texto bíblico significativo para a síntese de sua vida: Maria a contemplativa e Marta, a trabalhadora. Porém, diz Teresa, Marta e Maria hão de andar juntas para bem hospedar o Senhor, e tê-lo sempre consigo. Marta e Maria são facetas de uma mesma pessoa. O verdadeiro místico não se limita a contemplar, mas se empenha em tornar o mundo melhor. Contemplação e trabalho se unem na personalidade do místico. Da mesma forma como a fé sem obras é morta, a contemplação sem a ação perde o seu valor. Santa Teresa tem a preocupação de fazer entender que Marta e Maria sempre andam juntas. O Senhor quer hospedagem, mas é necessário que o acolhamos, lhe demos de comer e em seus pés nos coloquemos à escuta. Assim seremos verdadeiros discípulos, fiéis na contemplação e na ação. Nesta dinâmica, Teresa diz se lembrar de São Paulo, que depois da conversão, não deixou de trabalhar, enfrentando perigos e tormentas para pregar a boa nova, além de prover o próprio sustento, como tecelão. É o encontro com Deus que gera um grande desejo de amá-Lo e servi-Lo. Por fim, a necessidade de uma dedicação total à obra de Deus, transformar a humanidade semelhante a Jesus Cristo. [46] O segredo é colocar os olhos fixos no Senhor. [47] Ali, olhando a Jesus Cristo que deu a vida por amor, descobrir a grandiosidade da nossa opção por uma causa maior, a entrega total a Jesus Cristo, sendo continuadores da Sua missão.
No caminho das Moradas, Teresa partilha um itinerário de amor. Um caminho de muitas oscilações, superações e possibilidades de autoconhecimento, do outro, de Jesus Cristo e sua Humanidade. A dinâmica apresentada por Teresa ajuda a acolher e compreender a realidade que nos envolve, isto é, o contexto social, político, religioso e espiritual. Anima para não desanimar na caminhada, mas confiar em Deus, pois Ele é uma presença constante na nossa vida e nos ama com infinito amor.
Teresa aparece como uma mulher ousada, dinâmica, que se atreveu a discutir com as autoridades do seu contexto (teólogos, intelectuais), sobre o processo do que é verdadeiramente se encontrar com o Deus. O seu modo de atuar, bem como a leveza de encarar a vida e a espiritualidade são uma rica contribuição para os nossos dias.
Com criatividade, a Santa de Ávila utiliza alegorias para explicar as Moradas, uma forma pedagógica e agradável de apresentar um itinerário espiritual tão complexo. Ela o faz com serenidade, alegria, transmitindo paz e confiança. Mostra que é possível, sim, seguir este itinerário das sete moradas. Para isso, é necessário colocar-se em atitude de caminhante, errando e acertando, mas com clareza de horizonte: pelo caminho do autoconhecimento, autoaceitação, acolhida da própria realidade, interiorização rumo ao centro do Castelo Interior, lá onde está “o Rei”.
Por que Teresa enfatiza a importância de entrar no Castelo Interior? Ela parte da sua experiência, pois é ali que ela encontrou o profundo sentido existencial, que lhe deu coragem e força para se integrar, ser missionária do Reino de Deus, ajudando as pessoas a também se encontrarem com o Deus da vida. Assim, ela escreve narrando com detalhes, a sua caminhada de encontro com o Senhor, com o objetivo de que outros possam também seguir este caminho.
Portanto, as Moradas teresianas apontam que Deus se comunica com a pessoa e a transforma. Esta dimensão mística de Teresa é acessível. Encontramos muitas pessoas que dão sinais evidentes de terem feito a experiência do itinerário teresiano até a sétima Morada. São os orantes, comprometidos com a causa de Jesus Cristo, especialmente com os mais necessitados e sofridos da sociedade; não se cansam de trabalhar pelo Reino de Deus, na construção de uma humanidade nova. O que alimenta a jornada destas pessoas? Com certeza, é o encontro com o Deus amigo, no mais profundo do Castelo Interior, que impulsiona à ação, à missão de serem testemunhas do Seu AMOR.
Notas:
[1] Teresa de Jesus: trata-se de Teresa de Cepeda y Ahumada, Teresa de Ávila, Teresa de Jesus, nascida em Ávila, Espanha (1515-1582). Os espanhóis, carinhosamente a chamam de Teresa, a Santa, ou ainda, a Santa de Ávila. Teresa de Jesus escreveu o livro das Moradas ou Castelo Interior em 1577 aos 62 anos de idade. O livro das Moradas relata a experiência mística, fazendo uma síntese de sua vida espiritual e de monja. A estrutura da obra está dividida em VII Moradas.
[2] SANTA TERESA DE JESUS. Obras Completas: Tomás Alvarez (Ed.). Introduções e notas. Tradução de Vasco Dias Ribeiro. Arcos, Portugal: Carmelo, 2005. p. 642. Livro das Moradas, cuja abreviatura será usado M (1M1). Teresa utiliza a simbologia do Castelo, que representa a pessoa humana e faz alusão ao Evangelho de João 14,2.
[3] SANTA TERESA DE JESUS, 2005, p. 56. Livro da Vida, cuja abreviatura será usado V (V8,5).
[4] SANTA TERESA DE JESUS, 2005, p. 85. (V 12, 2).
[5] TERESA DE JESUS. Obras completas. (Coord.) Frei Patrício Sciadini. Tradução do texto estabelecido por Tomás Alvarez, 5. ed. São Paulo: Carmelitas/Loyola, 2013. p. 442. (1M1,3).
[6] SANTA TERESA DE JESUS, 2005, p. 646. (1M1,7).
[7] TERESA DE JESUS, 2013, p. 501. (5M3,8).
[8] TERESIANAS STJ. Teresa de Jesús exploradora, itinerante y guía: taller de lectura Teresiana Las Moradas. In Proyetonudo: Curso formativo on-line de espiritualidad teresiana. Disponível aqui; e aqui. Acesso em: 15 maio 2013.
[9] SANTA TERESA DE JESÚS, 2005, p. 208. (V25,18)
[10] SANTA TERESA DE JESUS, 2005, p. 88. (V13).
[11] SANTA TERESA DE JESUS, 2005, p. 210. (V25,21).
[12] SANTA TERESA DE JESUS, 2005, p. 649. (2M2,4).
[13] SANTA TERESA DE JESUS, 2005, p. 690. (4M1,4).
[14] TERESIANAS STJ. En el camino del amor: un tiempo para dejarse atraer por Jesús y su reino. In Teresa de Jesús exploradora, itinerante y guía: taller de lectura Teresiana Las Moradas. In Proyetonudo: Curso formativo on-line de espiritualidad teresiana. Disponível aqui. Acesso em: 15 maio 2013. Ficha de trabajo tema 4.
[15] SANTA TERESA DE JESUS, 2005, p. 718. (4M3,8).
[16] SANTA TERESA DE JESUS, 2005, p. 643. (4M1,2).
[17] SANTA TERESA DE JESUS, 2005, p. 686. (4M1,7 conferido com V11,1 e no livro das Fundações 5,2).
[18] TERESA DE JESUS, 2013, p. 479. (4M2,8).
[19] TERESA DE JESUS, 2013, p. 484. (4M3,8).
[20] TERESIANAS STJ. En el camino del amor: un tiempo para ‘ordenar el amor. In Teresa de Jesús exploradora, itinerante y guía: taller de lectura Teresiana Las Moradas. In Proyetonudo:Curso formativo on-line de espiritualidad teresiana. Disponível aqui. Acesso em: 15 maio 2013. Ficha de trabajo tema 5.
[21] TERESA DE JESUS, 2013, p. 477. (5M2,2).
[22] SANTA TERESA DE JESUS, 2005, p. 7163. (5M2,7).
[23] SANTA TERESA DE JESUS, 2005, p. 719. (5M2,11).
[24] SANTA TERESA DE JESUS, 2005, p. 729. (5M4,4).
[25] SANTA TERESA DE JESUS, 2005, p. 719. (5M2,12).
[26] TERESIANAS STJ. Disponível aqui. Acesso em: 15 maio 2013. Ficha de trabajo tema 5.
[27] SANTA TERESA DE JESÚS, 2005, p. 711. (5M1,9)
[28] TERESIANAS STJ. En el camino del amor: un tiempo de prueba para el amor. In Teresa de Jesús exploradora, itinerante y guía: taller de lectura Teresiana Las Moradas. In Proyetonudo: Curso formativo on-line de espiritualidad teresiana. Disponível aqui. Acesso em: 15 maio 2013. Ficha de trabajo tema 6.
[29] SANTA TERESA DE JESUS, 2005, p. 735. (6M1,1-2).
[30] SANTA TERESA DE JESUS, 2005, p. 749-750. (6M3,1-4).
[31] SANTA TERESA DE JESUS, 2005, p. 743. (6M3,5.7).
[32] SANTA TERESA DE JESUS, 2005, p. 759-760. (6M4,3-5).
[33] SANTA TERESA DE JESUS, 2005, p. 772. (6M5,9-10).
[34] SANTA TERESA DE JESUS, 2005, p.775. (6M6,3).
[35] SANTA TERESA DE JESUS, 2005, p. 779. (6M6,10).
[36] SANTA TERESA DE JESUS, 2005, p. 778. (6M7.7).
[37] TERESIANAS STJ. El ‘tesoro escondido’del camino del amor: la unión que transforma. In Teresa de Jesús exploradora, itinerante y guía: taller de lectura Teresiana Las Moradas. In Proyetonudo: Curso formativo on-line de espiritualidad teresiana. Disponível aqui. Acesso em: 15 maio 2013. Ficha de trabajo tema 7.
[38] SANTA TERESA DE JESUS, 2005, p. 848. (7M4,21).
[39] TERESIANAS STJ. Disponível aqui. Acesso em: 15 maio 2013. Ficha de trabajo tema 7.
[40] SANTA TERESA DE JESUS, 2005, p. 823. (7M1.9).
[41] SANTA TERESA DE JESUS, 2005, p. 643. (7M7.9).
[42] SANTA TERESA DE JESUS, 2005, p. 833. (7M3,4).
[43] SANTA TERESA DE JESUS, 2005, p. 834. (7M3,6).
[44] SANTA TERESA DE JESUS, 2005, p. 643. (7M3,8).
[45] SANTA TERESA DE JESUS, 2005, p. 836. (7M3,11).
[46] SANTA TERESA DE JESUS, 2005, p. 845. (7M4,14).
[47] SANTA TERESA DE JESUS, 2005, p. 842. (7M4,7).
Referências:
SANTA TERESA DE JESUS. Obras Completas: Tomás Alvarez (Ed.). Introduções e notas. Tradução de Vasco Dias Ribeiro. Arcos, Portugal: Carmelo, 2005.
TERESA DE JESUS. Obras completas. (Coord.) Frei Patrício Sciadini. Tradução do texto estabelecido por Tomás Alvarez, 5. ed. São Paulo: Carmelitas/Loyola, 2013.
TERESIANAS STJ. Teresa de Jesús exploradora, itinerante y guía: taller de lectura Teresiana Las Moradas. In Proyetonudo: Curso formativo on-line de espiritualidad teresiana. Disponível aqui. Acesso em: 15 maio 2013.
TERESIANAS STJ. En el camino del amor: un tiempo para dejarse atraer por Jesús y su reino. In Teresa de Jesús exploradora, itinerante y guía: taller de lectura Teresiana Las Moradas. In Proyetonudo: Curso formativo on-line de espiritualidad teresiana. Disponível aqui. Acesso em: 15 maio 2013. Ficha de trabajo tema 4.
TERESIANAS STJ. En el camino del amor:un tiempo para ‘ordenar el amor. In Teresa de Jesús exploradora, itinerante y guía: taller de lectura Teresiana Las Moradas. In Proyetonudo: Curso formativo on-line de espiritualidad teresiana. Disponível aqui. Acesso em: 15 maio 2013. Ficha de trabajo tema 5.
TERESIANAS STJ. En el camino del amor: un tiempo de prueba para el amor. In Teresa de Jesús exploradora, itinerante y guía: taller de lectura Teresiana Las Moradas. In Proyetonudo: Curso formativo on-line de espiritualidad teresiana. Disponível aqui. Acesso em: 15 maio 2013. Ficha de trabajo tema 6.
TERESIANAS STJ. El ‘tesoro escondido’del camino del amor: la unión que transforma. In Teresa de Jesús exploradora, itinerante y guía: taller de lectura Teresiana Las Moradas. In Proyetonudo: Curso formativo on-line de espiritualidad teresiana. Disponível aqui. Acesso em: 15 maio 2013. Ficha de trabajo tema 7.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Moradas de Santa Teresa de Jesus: um itinerário de Amor - Instituto Humanitas Unisinos - IHU