31 Março 2015
"Teresa é uma peregrina na via sacra interna e externa. Não só os opositores de suas reformas do Carmo, os conflitos de sua família e as contradições de seu país e de sua época, também as fases de ateísmo espiritual, de medo do inferno e de deserto transformaram etapas de sua vida em purgatório.", escreve Paulo Suess, assessor teológico do Cimi, em artigo publicado pelo sítio Pontifícias Olbras Missionárias, 28-03-2015.
Eis o artigo.
Dia 28 de março de 2015 faz 500 anos, que a mística e reformadora da Ordem Carmelita, Teresa d´ Ávila (1515-1582), nasceu na Espanha. Em 1622, quarenta anos depois de sua morte, Teresa foi canonizada pelo papa Gregório XV. Em 27 de setembro de 1970, Paulo VI proclamou Teresa Doutora da Igreja. É bom lembrar, que ainda em 1923, o papa Pio XI considerou uma doutora da Igreja impossível: “obstat sexus”.
Por ocasião do 4º centenário da reforma teresiana e da canonização de Teresa, no Carmelo de Milão, em agosto de 1962, o então cardeal Montini, falou do segredo do caminho contemplativo de Teresa, de sua audácia, de seu modo severo e despojado de aparatos exteriores, de sua busca da comunhão com a fonte, com a essência da vida, que é Deus: “É na audácia de uma forma de vida como esta que consiste a dedicação. Dedicação quer dizer renúncia. [...] É a pérola da busca vigilante e contemplativa de Deus”.
A biografia de Teresa é o espelho de uma Espanha conturbada e contraditória. Em 1485, seu avô, Juan Sanchez de Toledo, descendente de Conversos, como foram chamados judeus convertidos ao cristianismo, foi condenado à penitência pública pela Inquisição espanhola por causa de práticas judaizantes. Na época, Alonso, o pai de Teresa, tinha cinco anos.
Na Espanha dos séculos XV e XVI, os direitos civis eram uma prerrogativa dos cristãos ou dos convertidos ao cristianismo. Ao mesmo tempo, os judeus convertidos eram suspeitos de serem conversos oportunistas que clandestinamente praticavam sua antiga religião. Esse clima de suspeitas era o motivo que, cinco anos depois de sua penitência pública, fez a família de Juan Sanchez migrar de Toledo para Ávila, onde se integrou na classe de comerciantes bem sucedidos. No decorrer dos anos, o nome Sanchez, que indicava a origem judaica, foi substituído por um título comprado de nobreza, medidas que protegeram a família de Teresa. Ela mesma se chamou nos primeiros decênios de sua vida: Doña Teresa de Cepeda y Ahumada, adotando os sobrenomes da linhagem materna.
A expulsão dos judeus dos territórios da coroa espanhola em 1492, pelos Reis Católicos, Fernando e Isabela, mostra como naquele país eram importantes a certidão de batismo e o certificado de nobreza. Mas a história se vingou da Igreja católica espanhola. A lei iníqua do governo de Mendizábal, de 1835, efeito tardio da Revolução Francesa, despojou a Igreja de suas propriedades e todas as Ordens Monásticas foram proibidas. Os conventos carmelitas desapareceram por completo da Espanha e só em 1875, com a restauração da monarquia e a chegada de Alfonso XII, iniciou-se a restauração carmelitana naquele país.
Quem era Santa Teresa d´Àvila?
O carmelita frei Maximiliano Herráiz distingue três etapas na vida de Teresa: a primeira, na casa paterna, vai até os vinte anos (1515-1535), a segunda abarca 27 anos de vida religiosa carmelita, no Mosteiro da Encarnação, em Ávila. Em sua inquietude espiritual, Teresa fez um voto de que haveria de seguir sempre o caminho da perfeição. Numa noite do mês de setembro de 1560, Teresa d´ Ávila decidiu reunir um grupo de freiras na sua cela e, tomando a inspiração primitiva da Ordem do Carmo e a reforma descalça de São Pedro de Alcântara, propôs-lhes a fundação de um mosteiro de tipo eremítico, proposta que se realizou em 1562.
No terceiro período, de 1562 até 1582, Teresa se encontra com João da Cruz (1567), ele com 25 anos e ela com 52. Entre ambos nasceu uma intensa afinidade mística e prática reformadora. Para Teresa são anos de fundações de mosteiros de monjas e monges, de reformas (carmelitas descalços!), de conflitos e de produção literária de textos norteadores para as suas reformas. Todos os livros de Teresa foram escritos nessa época.
Entre os Carmelitos da Antiga Observância e os Carmelitos Descalços surgiram conflitos profundos. Em 1577, Teresa sofreu cárcere domiciliar em Toledo e João da Cruz foi encarcerado pelos Carmelitas da Antiga Observância. Para apaziguar a situação interna da Ordem, em 1593, o papa Clemente VIII concedeu total autonomia ao ramo dos Carmelitas Descalços. Depois de sua morte, o culto à Santa Teresa se espalhou pela Espanha durante a década de 1620. Ao lado de Santiago Matamoros, Teresa foi declarada padroeira da Espanha.
Em seu “Caminho de Perfeição”, de 1567, Teresa de Jesus, como também foi chamada, apresentou às suas irmãs seu ideal da vida carmelita: “Não penseis, minhas amigas e irmãs, que serão muitas as coisas a serem recomendadas. [...] O primeiro é o amor de umas para com outras; o segundo, o desapego de todo criado; o terceiro, a verdadeira humildade”. Humildade significa, segundo o papa Francisco: vencer a autorreferencialidade e as atitudes apologéticas. E Teresa explica: “Vede como respondeu o Senhor pela Madalena em casa do fariseu e quando foi acusada pela própria irmã. Não vos tratará com tanto rigor como a ele próprio, que já estava na cruz, quando permitiu que um ladrão falasse por ele” (Caminho, XV,7).
Teresa é uma peregrina na via sacra interna e externa. Não só os opositores de suas reformas do Carmo, os conflitos de sua família e as contradições de seu país e de sua época, também as fases de ateísmo espiritual, de medo do inferno e de deserto transformaram etapas de sua vida em purgatório. No sofrimento se tornou sábia, autocrítica e humilde. Das tempestades saiu de cabeça erguida e, segundo o testemunho de seus contemporâneos, nunca perdeu a sua simpatia humana e seu foco espiritual. Foram os encontros com seu amigo Jesus que transformaram seus gritos em canção: “Nada te perturbe, nada te espante [...]”. O que pode parecer alienante em Teresa são sinais de emancipação de uma mulher que, com sua humildade e seu despojamento, nadou contra muitas correntes de sua época. Como padroeira da Espanha e Doutora da Igreja começou a abalar o machismo de Santiago (“Matamoros” que nas Américas se tornou “Mataíndios”), e das Faculdades Teológicas. Mesmo depois de 500 anos, suas vitórias ainda estão por vir. “Santa Teresa de Jesus, mística militante, rogai por nós!”
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Mulher emancipada e mística militante: 5º centenário do nascimento de Teresa d´ Ávila - Instituto Humanitas Unisinos - IHU