29 Janeiro 2017
Merton | Foto: AT GETHSEMANI
No cotidiano de uma existência frenética, Thomas Merton, surge como “imperativo” fecundo de um novo modo de se perceber no mundo através do cultivo de uma vida interior. Não é um intimismo obsoleto, mas uma vida nutrida por uma presença na solidão sonora, que ao tocar o Mistério: Nele e através Dele se abre “a plenitude do amor que não rejeita nada e ninguém, que se abre para Todos em Tudo” (Diário, 14 de abril de 1966).
No dia 31 de janeiro de 1915, em Prades – França, nasceu um menino cuja vida seria marcada pelo paradoxo: vida religiosa e pública, solidão e interlocução mundial, contemplação e ação. Ele assume uma vida paradoxal na entrega generosa e total a Deus, mas não fez de sua entrega causa de esquecimento consecutivo das questões sociais e públicas de seu tempo. Thomas Merton é considerado o autor católico norte-americano mais influente do século XX. Sua autobiografia A Montanha dos Sete Patamares (Petrópolis: Vozes, 2005), já vendeu mais de um milhão de cópias e foi traduzida para mais de quinze idiomas. É autor de mais de 60 outros livros e centenas de poemas e artigos. Sua temática vai da espiritualidade monástica aos direitos civis, não violência e da corrida armamentista nuclear.
“Merton era, acima de tudo, homem de oração,
um pensador que desafiou as certezas do seu tempo
e abriu novos horizontes para as almas e para a Igreja.
Foi também homem de diálogo, um promotor de paz entre povos e religiões”.
Papa Francisco
Discurso no Congresso Norte-Americano em 2015
Depois de uma juventude de indisciplina, Thomas Merton foi convertido ao catolicismo romano. Em 1941, entrou na Abadia de Gethsemani, uma comunidade de monges pertencentes à Ordem Cisterciense da Estrita Observância (trapistas). Os 27 anos que passou no Gethsemani trouxe mudanças profundas na sua autocompreensão. Esta conversão permanente impeliu para a arena política, onde se tornou, de acordo com Daniel Berrigan, a consciência do movimento pacifista da década de 1960. Ainda foi defensor do movimento não violento dos direitos civis. Por seu ativismo social, foi duramente criticado por católicos e não católicos.
“Merton é o tipo de companheiro de viagem
que nos fortalece no caminhar e não nos deixa esmorecer da esperança”
Sibélius Cefas Pereira
Revista IHU On-Line 460
Durante seus últimos anos, dedicou-se a religiões asiáticas, particularmente o Zen-Budismo. Durante uma viagem para a conferência Leste-Oeste sobre Diálogo Monástico Thomas Merton morreu, em Bangkok, em 10 de dezembro de 1968, vítima de um choque elétrico acidental. A data marcou o vigésimo sétimo aniversário de sua entrada para Gethsemani. O livro Thomas Merton na intimidade - Sua Vida em Seus Diários (Rio de Janeiro: Fisus, 2001) é uma seleção extraída dos vários volumes do diário de Thomas Merton, autor de livros famosos como A Montanha dos Sete Patamares (São Paulo: Itatiaia, 1998) e Novas sementes de contemplação (Rio de Janeiro: Fisus, 1999).
“A vida no amor constitui-se o ápice
de seu itinerário espiritual e contemplativo”
Faustino Teixeira
Revista IHU On-Line 460
É um itinerário nutrido por um amor fonte no compromisso com o outro. É amar e ser amado por Deus, no encontro com o outro, sobretudo na sua vulnerabilidade mais radical. É também encontro com o simplesmente outro, que me exige acolhida, reciprocidade, disposição em querê-lo bem. Não é raro confundirmos amor com poesia, com palavras açucaradas. Porém, o amor fonte e compromisso, é encarnação, que impulsiona o ser-agir místico na direção de uma ação amorosa e vinculante com e na experiência real e concreta da vida, sobretudo dos vulneráveis. A poética do amor nas veredas do outro se torna o drama apaixonado de uma com-paixão amorosa que supera a ojeriza humana na ação de socorrê-lo com paixão.
Fonte: www.habanaradio.cu
Em Tempos de Misericórdia, momento que vivemos na experiência eclesial, podemos recorrer a narrativa do Evangelho (Lc 10, 30-37). Lucas nos conta que certa feita, um homem esta a caminho de uma cidade. Ele é surpreendido por dois homens que saqueiam tudo que tem e lhe dão uma boa surra. O homem está muito mal e caído à margem do caminho. Depois passam outros dois homens, um era sacerdote e o outro um mestre da Lei, ambos de uma mística “invejável” e estavam apressados para encontrar-se com seu Deus. Eles não podiam ir ao encontro daquele homem caído, pois imagina chegar atrasado ao encontro com Deus, nem mesmo cogitavam a possibilidade de encostarem-se àquele homem “impuro” para impedi-los do encontro “santo” com Deus.
Eis que surgem outros dois no caminho: um homem e um jumento. O homem não tinha credenciais, era um viajante e para complicar era um samaritano. Ele olha e vê que um homem estava caído, então se coloca na marcha para socorrê-lo. Ele tem uma única pressa: ir ao encontro desse anônimo e ser para ele “salvação”. Ele não pergunta nome, cidadania, se é beneficiário de programas sociais/governamentais. Ele simplesmente coloca tudo a disposição: vinho, azeite, faixa, e seu companheiro (seu jumento). Não se constrange em pedir ajuda, busca uma hospedaria como alternativa, para que lhe possam cuidar melhor. A mística do caminho nas veredas do vulnerável – nutrida pelo amor e pela misericórdia – não anula a mística do Templo, pois se a do Templo for autêntica, ela será impulsionadora do encontro com Deus no caminho, no seu rosto sofredor. É uma mística que impele dispor de si e encontrar as melhores alternativas para “so-correr” ao outro (mesmo sem nome, não importa!): O Deus que buscas no Templo, na verdade, te espera e te convida à comunhão no Caminho dos vulneráveis.
“Arriscou-se no diálogo inter-religioso pelo viés da experiência
na qual qualquer comparação entre uma religião e outra parece, a princípio, absurda"
e abriu novos horizontes para as almas e para a Igreja.
Norma Ribeiro Nasser
Revista IHU On-line 460
Fonte: maniacosporfilme.wordpress.com Nessa dinâmica de encontro com o outro, sobretudo que crê diferente encontramos o filme Homens e Deuses (2010) que conta a historia de monges cistercienses na convivência sinfônica com pessoas muçulmanas. Inspirado em fatos reais, ocorridos na Argélia em 1996, o filme do diretor francês Xavier Beauvois ("O Pequeno Tenente"), sustenta a tensão da crônica de uma morte anunciada. Mas o cineasta empenha-se de tal maneira em aprofundar um perfil de seus personagens, monges católicos sitiados pelo fundamentalismo islâmico, que seu filme torna-se um libelo pela tolerância. A atitude ascética não os impede de atender a necessidades mais urgentes da empobrecida população local, que faz diariamente enormes filas para procurar o irmão Luc, único médico e fornecedor de remédios num raio de centenas de quilômetros na cordilheira do Atlas. Com inteligência sutil, o filme permite que se reflita sobre essa benevolência do Ocidente diante das populações do antes chamado Terceiro Mundo - que a França, entre outros países, colonizou, instituindo um modelo de dependência e pobreza em diversas dessas ex-colônias, inclusive a Argélia. Quem verbaliza este sentimento, não por acaso, é o prefeito local, que não esconde a rejeição aos franceses, monges ou não.
Clique aqui para assistir o filme completo
Por Jéferson Ferreira Rodrigues
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Thomas Merton, a vida no amor e no encontro com o outro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU