17 Agosto 2017
"A blindagem do Banco Central do Brasil (BACEN) e da equipe econômica – Fazenda e Planejamento – é parte da distopia liberal onde as finanças e recursos coletivos são geridos de forma discricionária pelo andar de cima. Nesta 'blindagem', as necessidades da população são secundárias diante da panaceia 'das regras da economia'".
O comentário é de Bruno Lima Rocha, cientista político e professor de relações internacionais, Luizi Ravel, mestranda e graduada em relações internacionais, e Ricardo Camera, estudante de relações internacionais.
Diariamente somos bombardeados de informações supostamente “econômicas” prevendo o desastre, defendendo o congelamento das contas públicas e redução de “gastos” do governo central. Especialmente no Brasil pós-golpe (abril de 2016), a impressão levada para as grandes audiências é de um país à beira da falência. Os “especialistas” que veiculam suas versões nos conglomerados de mídia, abusam do uso do fontismo. Esta técnica jornalística trabalha com “fontes” onde, de forma oculta, e dando vez e voz ao leva e traz dos deformadores de opinião pública através da manipulação da opinião publicada, nos fazem crer em absurdos. Toda vez que um tema de governo é afirmado como pertencente ao universo da “técnica”, creiam, é porque existe uma razão indefensável e um sujeito oculto.
Os enunciados repetem como verdade “científica” e razão universal algo que pertence ao mais vulgar dos receituários do neoliberalismo: a “independência” do Banco Central, ou a ingerência “política” nas metas de gastos da União. Também faz parte do manancial de argumentos, a “necessidade de blindar” a equipe econômica. Blindar do que e de quem? Das vicissitudes e demandas paroquianas, clientelísticas e fisiológicas das elites políticas, quase todas também representantes ou intermediários profissionais dos capitais operando no país? Se sim, logo a solução para esta “contaminação” já está dada pela Constituição Federal de 1988, através do orçamento vinculado e sob algum tipo de controle público. Logo, uma vez que esta solução já está dada, a reação regressiva foi à aprovação e validade da PEC da DRU – Desvinculação das Receitas da União – cuja base na era FHC e nos governo do lulismo estava em vergonhosos 20% do orçamento e no Brasil pós-golpe, durante o governo Meirelles, chegou a 30%!
A blindagem do Banco Central do Brasil (BACEN) e da equipe econômica – Fazenda e Planejamento – é parte da distopia liberal onde as finanças e recursos coletivos são geridos de forma discricionária pelo andar de cima. Nesta “blindagem”, as necessidades da população são secundárias diante da panaceia “das regras da economia”. Cabe perguntar; regras estas feitas por quem? De quais teorias econômicas? Sobre quais experiências históricas?! Isolar as decisões de Estado e não avançar na luta reivindicativa pelos recursos coletivos forma uma meta permanente da restauração conservadora iniciada dentro do ocidente nos anos ’70 (no sentido de quebrar as políticas keynesianas e ampliar o abismo social mesmo nas economias de capitalismo central), chegando ao poder primeiramente no Chile, através da macabra aliança entre os Chicago Boys e o gabinete militar através do golpe liderado por Augusto Pinochet em 11 de setembro de 1973.
O protagonista desta farsa, falando através de porta-vozes oficiosos apresentados ao grande público como “jornalistas de economia” é o chamado “mercado”. Poderia se apresentar como “mercado de capitais” ou “financistas e rentistas” operando no Brasil. Seria ao menos mais honesto. O tal do “mercado” é um reduzido número de grandes empresas privadas – de propriedade familiar nacional ou transnacional – cujo total de importância não passa de 10, no ato de comercialização dos títulos do país.
A dívida pública consome hoje quase metade do orçamento executado da União (para dados do SIAFI de 2015, totalizados pela Auditoria Cidadã da Dívida, ver aqui). Esta dívida teria sido fundada (ou ampliada), segundo a CPI da dívida de 2009 (ver relatório final), por componentes financeiros bastante duvidosos. Esta composição e o estoque a ser pago, rolado, refinanciado, favorece as operações as quais contribuem para que os 13 dealers – isto é, bancos e corretoras de capital doméstico e transnacional, tal como num jogo, aqueles que dão as cartas - comprem os títulos da dívida e arrecadem bilhões de Reais. Lucros, estes, obtidos pelos juros propositalmente mais altos do mundo, alimentando esse ciclo rentista vicioso há décadas. Quem são os atuais 13 dealers? No período de 10 de agosto a 31 de outubro de 2017, segundo o Banco Central (ver aqui), os grandes negociadores dos juros da dívida são Banco do Brasil, Bank of America Merrill Lynch Banco Múltiplo; Banco Bradesco; BTG Pactual; JP Morgan Banco Santander (Brasil - cuja matriz espanhola foi salva durante a crise de 2008, graças aos lucros da filial brasileira obtidos pelas operações em nosso país); Caixa Econômica Federal/Mercado; Goldman Sachs do Brasil Banco Múltiplo; Itaú Unibanco S. A; Spread Máx. em Sistemas Eletrônicos; além das corretoras BGC Liquidez Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários LTDA; Renascença Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários LTDA; e Tullet Prebon Brasil Corretora de Valores Câmbio Ltda.
O ranking do volume de transações de investimento data de junho de 2017, segundo o Tesouro Direto (ver aqui) é este: 1º Easynvest; 2º Rico CTVM; 3º XP Investimentos; 4º Itaú; 5º BB Banco de Investimento; 6º Caixa Econômica Federal; 7º Bradesco; 8º Clear CTVM; 9º Santander CCVM; 10º Ágora CTVM.
Além destas dez maiores instituições em volume de transações com papeis do Brasil, o Tesouro organiza uma lista grande. Nesta, constam as instituições financeiras que são agentes integrados ao sistema do Tesouro e do Banco Central e também as que não têm essa integração de sistemas (ver aqui). A lista completa de quem está autorizada a transacionar papéis, letras e compromissos (títulos) do Tesouro Nacional é esta:
ATIVA INVESTIMENTOS S.A. CTCV (integrada); BANCO BTG PACTUAL (integrada); BANCO MODAL (não integrada); BGC LIQUIDEZ DTVM (não integrada); BRASIL PLURAL CCTVM S/A (integrada); CLEAR CORRETORA - GRUPO XP (não integrada); CM CAPITAL MARKETS CCTVM LTDA (integrada); EASYNVEST - TITULO CV S.A. (integrada); GERACAO FUTURO CV S/A (não integrada); GRADUAL CCTVM S/A (integrada); GUIDE INVESTIMENTOS S.A. CV (integrada); H.COMMCOR DTVM LTDA (integrada); INTERMEDIUM DTVM LTDA (não integrada); MIRAE ASSET WEALTH MANAGEMENT (não integrada); MODAL DTVM LTDA (integrada); RICO CTVM (integrada); SPINELLI S.A. CVMC (integrada); TULLETT PREBON (não integrada); XP INVESTIMENTOS CCTVM S/A (integrada); UBS BRASIL CCTVM S/A (não integrada); CONCORDIA S.A. CVMCC (integrada); NOVA FUTURA CTVM LTDA (integrada); PAX CVC S/A (não integrada); SOCOPA SC PAULISTA S.A. (integrada); ICAP DO BRASIL CTVM LTDA (integrada); INTERFLOAT HZ CCTVM LTDA. (não integrada); PLANNER CV S.A (integrada); RENASCENÇA DTVM LTDA (integrada); TERRA INVESTIMENTOS DTVM LTDA (integrada); AGORA CTVM S/A (integrada); BANRISUL S/A CVMC (integrada); CITIGROUP GMB CCTVM S.A. (integrada); COINVALORES CCVM LTDA. (integrada); FATOR S.A. CV (integrada); MAGLIANO S.A. CCVM (não integrada); MAXIMA S/A CTVM (não integrada); NOVINVEST CVM LTDA. (não integrada); PRIME S.A. CCV (não integrada); SITA SCCVM S.A. (não integrada); SLW CVC LTDA. (integrada); TALARICO CCTM LTDA. (não integrada); WALPIRES S.A. CCTVM (não integrada); ALFA CCVM S.A. (não integrada); AMARIL FRANKLIN CTV LTDA. (não integrada); BANESTES DTVM S/A (não integrada); ELITE CCVM LTDA. (integrada); ITAU CV S/A (integrada); LEROSA S.A. CVC (não integrada); MUNDINVEST S.A. CCVM (não integrada); ORLA DTVM S/A (não integrada); PETRA PERSONAL TRADER CTVM S.A (integrada); SCHAHIN CCVM S.A. (não integrada); UNILETRA CCTVM S.A. (não integrada); VOTORANTIM CTVM LTDA (integrada); CAIXA ECONOMICA FEDERAL (não integrada); HSBC CTVM S.A. (integrada); SANTANDER CCVM S/A (não integrada); SENSO CCVM S.A. (não integrada); SOLIDEZ CCTVM LTDA (não integrada); UM INVESTIMENTOS S.A. CTVM (integrada); J. SAFRA CVC LTDA. (integrada); ADVALOR DTVM LTDA (não integrada); BB BANCO DE INVESTIMENTO S/A (integrada); BRADESCO S/A CTVM (integrada); CODEPE CV S.A. (não integrada); CORRETORA GERAL DE VC LTDA (não integrada); ITAU CV S/A (integrada); PILLA CVMC LTDA (não integrada); SOLIDUS S/A CCVM (não integrada); BANCO DAYCOVAL (não integrada)
Outra composição do “mercado” é a lista dos “especialistas” do sistema financeiro que informam ao Banco Central suas expectativas, influenciando a autoridade monetária sobre sua própria decisão. Ou seja, quem informa ao Estado e influencia suas decisões são justamente aqueles que o governo deveria fiscalizar e limitar seu poder. O conjunto destas fontes “especializadas” assim como o perfil dos credores da dívida pública brasileira será abordado em posterior artigo. Neste, os dados colhidos em fonte oficial já bastam para evidenciar o conceito-chave contido no título deste texto.
É tamanha a promiscuidade que nos últimos 30 anos (a contar do governo Sarney), dos 26 presidentes do Banco Central, apenas cinco não eram banqueiros de carreira, mas que vieram a ingressar no mercado de capitais após deixar o cargo, com informações privilegiadas. A exceção é Alexandre Tombini, que continua na ativa. Os outros presidentes egressos do mercado de capitais são: Antônio Carlos Lemgruber (Banco Boavista e Banco Liberal), Fernão Carlos Botelho Bracher (Banco da Bahia S. A, Atlântica Companhia Nacional de Seguros, Bradesco e CA-BB Banco de Investimentos S.A.) Francisco Gros, (Kideer, Peabody and Co. Inc., BFC Banco S.A., Morgan Stanley), Fernando Milliet (Comind Seguros), Vadico Valdir Bucchi (Investbanco, Comind Seguros, Febraban) Ibrahim Eris (consultor em diversas empresas do mercado financeiro), Gustavo Loyola (Planibanc Corretora de Valores, Banco Planibanc S.A,), Pérsio Arida (Brasil Warrant, Unibanco), Armínio Fraga (Banco Salomon Brothers, Soros Fund Management LLC, Banco de Investimentos Garantia, Quantum Group of Funds), Henrique Meirelles (BankBoston, Fleet Financial Group) e Ilan Goldfajn (Gávea Investimentos, Ciano Investimentos, economista do FMI e economista chefe do Banco Itaú.
Para interpretar este mecanismo sugiro recorrer a um conceito evidente e de uso comum em quaisquer estudos de teoria das elites e formação de classe dominante. Trata-se da mais que consagrada “teoria das portas giratórias”. Das várias definições da mesma, optei por reproduzir a de Joseph Stiglitz, ex-Nobel da economia (prêmio de 2001, dividindo-o com outros dois pesquisadores) e parte dos economistas ligados ao Partido Democrata dos EUA e “arrependidos” da globalização dos anos ’90 (os outros dois são o camaleônico Jeffrey Sachs e Paul Krugman, prêmio Nobel de 2008).
Stiglitz define as “portas giratórias” dos conselheiros econômicos junto a Casa Branca, especificamente no Departamento do Tesouro, como presidente ou vice do Fed (Banco Central da Superpotência), no Departamento de Comércio e como assessores especiais de economia. O ex-assessor de Clinton critica a montagem da equipe do início do governo Obama (fevereiro de 2009) afirmando que:
“As portas giratórias de Washington e Nova York também alimentaram o movimento para evitar novas iniciativas regulatórias. Um grupo de funcionários que tinham vínculos diretos ou indiretos com o setor financeiro foi incumbido de formular regras para o seu próprio ramo de atividade (o grifo é de nossa autoria). Quando os funcionários que têm a responsabilidade de formular as políticas para o setor financeiro provêm do próprio setor financeiro, porque haveríamos de esperar que eles incorporem pontos de vista marcadamente diferentes daqueles que o setor deseja” (Joseph Stiglitz, O mundo em queda livre, página 89, Cia das Letras, 2010).
Como se observa, o padrão de governança é o mesmo! Logo, fica evidente que o cruzamento de nomes como sócios controladores dos agentes e instituições financeiras que transacionam os títulos brasileiros (dealers); os nomes correspondentes dos ex-presidentes do BC e os interesses diretos dos conglomerados financeiros aos quais estes servem ou serviram; observar quais controladores de fundos de previdência, fundos de investimento, instituições financeiras e seguradoras detêm a maior parcela do endividamento do Estado brasileiro e; por fim, listar os empregadores das fontes especializadas componentes da base informativa do Boletim Focus. Feito isso e cruzando os dados, eis a soma da fração de classe dominante e elite gerencial que domina o Brasil de forma hegemônica.
Simplificando, uma forma singela para desvendar os “mistérios do mercado” é observar quem estava fazendo o que e para quem antes de entrar no governo, e para onde foi depois. Estas correlações respondem as perguntas nunca feitas pelos especialistas em manipulação midiática.
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As portas giratórias e a “blindagem” do Banco Central - Instituto Humanitas Unisinos - IHU