08 Julho 2017
“Aonde levará o impulso de Francisco? Ele teorizou o início de processos. Espera-se que façam surgir novos líderes, capazes de falar à Igreja e para fora. O impacto de Bergoglio no mundo global é forte. Na Igreja, porém, permanece em aberto a opção entre ser uma minoria em estreitamento ou um cristianismo de pessoas.”
A opinião é do historiador italiano Andrea Riccardi, fundador da Comunidade de Santo Egídio e ex-ministro italiano, em artigo publicado por Corriere della Sera, 07-07-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Para aqueles que diziam que a reforma da Cúria precisava de novos chefes de dicastério, o Papa Bergoglio respondeu que não era um “cortador de cabeças”. Ele fez poucas mudanças, mantendo também personalidades incômodas.
Não se comportou assim o cauteloso Paulo VI, que mudou a cúpula curial e quis o limite de cinco anos para os mandatos de ponta. Familiar da teoria das classes dominantes, acreditava que, sem um novo pessoal, o Concílio não seria recebido. Com a sua cultura do projeto, ele tinha um radical desenho de reforma da Cúria, realizado em apenas dois anos.
Francisco não é orgânico no governo como o seu antecessor italiano, embora tão amado por ele. Agora, porém, parece querer um governo mais homogêneo para ele. Assim, não confirmou no ex-Santo Ofício o cardeal Müller, teólogo próximo de Bento XVI. A partida do cardeal Pell (para a Austrália, para se defender das acusações de pedofilia) abre uma posição-chave, criada pelo papa à frente da Secretaria da Economia justamente para ele, que se qualificou como reformador das finanças, mas distante de Bergoglio, crítico contra os italianos e a Secretaria de Estado. O auditor-geral das finanças, Libero Milone, foi-se embora.
A reforma vaticana se arrasta sobre a economia. Avança na mídia. O papa fundiu alguns dicastérios, como acontece periodicamente nos governos. Mas a obra do C9 dos cardeais, escolhidos por ele para reformar a Cúria, em geral, não é ágil. E não há desenho, senão a simplificação.
Mas estão mudando algumas posições-chave na Igreja: o presidente da Conferência Episcopal Italiana (agora é o cardeal Bassetti, filho da Florença de La Pira), o vigário de Roma, com a nomeação de uma figura pastoral como Angelo De Donatis, o arcebispo de Milão (espera-se um bispo pastoral, como Dom Mario Delpini [que realmente foi nomeado]). Na Itália, já há cerca de 80 bispos desse tipo, nomeado por Francisco. Na Espanha, Madri e Barcelona são guiadas por dois bispos muito alinhados com o papa.
Porém, não está se chegando a um governo de bergoglianos, mas à escolha de figuras disponíveis a receber a mensagem pastoral do papa. Para Paulo VI, foi diferente: ele era a alma de um grupo coeso que se tornou grande parte da classe dominante da Igreja. Mas Francisco não levou para Roma nenhum homem dele, nem qualquer argentino.
Desde o início, ele teve uma abordagem carismática, suscitando um forte movimento em torno da sua mensagem. Assim, expressou a ideia de que a Igreja deve sair dos esquemas e se tornar uma “comunidade de povo”, nas palavras de Martin Buber. É a proposta da Evangelii gaudium, verdadeiro programa do papa (não prescritivo e necessitado da recepção dos bispos).
Francisco pediu isto em 2015 aos bispos italianos em Florença: “Tentem iniciar, de modo sinodal, um aprofundamento da Evangelii gaudium, para obter dela critérios práticos e para implementar as suas disposições”. O convite foi aceito? Para alguns, era simplista ou desprovido de conteúdo doutrinal.
A mensagem evangélica do papa encontra consenso entre as pessoas, enquanto as estruturas da Igreja parecem um pouco cansadas. Faltam padres, especialmente jovens. Para alguns, seria preciso ordenar adultos casados, como ocorre para os anglo-católicos (Ratzinger o quis) ou para os católicos orientais também no Ocidente (por escolha de Francisco). O papa não dá sinais nesse sentido. Ele poderia ter escolhido o clero como tema do próximo Sínodo, mas não o fez.
Os quadros da Igreja rangem: os religiosos e as freiras diminuem em países históricos. Muitas vezes, as dioceses fundem as paróquias em “unidades pastorais”: mais do que uma reforma, uma restrição. As fragilidades estruturais da Igreja se situam em um século religiosamente vivo, às vezes com resultados problemáticos: os fundamentalismos ou o vasto movimento neoprotestante, verdadeiro desafio para a Igreja, especialmente na África e na América Latina.
Aonde levará o impulso de Francisco? Ele teorizou o início de processos. Espera-se que façam surgir novos líderes, capazes de falar à Igreja e para fora. O impacto de Bergoglio no mundo global é forte: é uma referência respeitada para a paz, a ecologia, os pobres. Na Igreja, porém, permanece em aberto a opção entre ser uma minoria em estreitamento ou um cristianismo de pessoas.
Bergoglio fez cair os aspectos de contraposição ao mundo e oferece impulsos e mensagens para uma dimensão mais ampla. Mas muito será jogado na vida concreta da Igreja. Nada é óbvio.
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A mensagem do papa é forte, mas a Igreja é frágil demais. Artigo de Andrea Riccardi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU