20 Junho 2017
A era do presidente Emmanuel Macron, eleito em maio passado, começa realmente nesta segunda-feira com um amplo e livre território de ação política. Seu partido, A República em Marcha, obteve a maioria absoluta no segundo e último turno das eleições legislativas. Seus adversários, de esquerda ou de direita, ocuparão uma modesta sombra parlamentar ao lado da poderosa fonte de poder que os eleitores lhe entregaram nos três processos eleitorais consecutivos: as eleições presidenciais e os dois turnos da consulta legislativa.
A reportagem é de Eduardo Febbro, publicada por Página/12, 19-06-2017. A tradução é do Cepat.
A onda macronista foi menos massiva que o previsto, mas não por isso priva o presidente de uma confortável maioria para governar. Segundo estimativas da imprensa, das 577 cadeiras, A República em Marcha conquistou 361 deputados, a direita de Os Republicanos conseguiu 128, o Partido Socialista foi reduzido a 46, França Insubmissa, a esquerda radical de Jean-Luc Mélenchon chegou a 26 e a extrema-direita da Frente Nacional cerca de 8. Sua líder, Marine Le Pen, ingressa pela primeira vez na Assembleia Nacional, após ter disputado o segundo turno das eleições presidenciais com Macron.
O dado que ofusca a vitória presidencial é o da abstenção. Entre os eleitores, 57% não foram votar e, com isso, se desenha o que o matutino Libération chama de “França invisível”. Essa França não se mobilizou para limitar os poderes presidenciais, o que testemunha uma incapacidade crítica das oposições em suscitar um entusiasmo em torno de suas propostas. O macronismo teve, ao final, efeitos analgésicos que fez os eleitores mais militantes dormirem.
Sem surpresa alguma, o Partido Socialista é o mais afetado pelo efeito Macron. Saiu de uma maioria de 264 deputados para os 46 de hoje. É a vítima mais afetada por suas incapacidades políticas, suas querelas de egos e o antagonismo nunca resolvido entre social-liberais e socialistas natos. Emmanuel Macron empurrou o partido a uma aclaração que acabou lhe custando a própria identidade. Seu primeiro secretário, Jean-Christophe Cambadélis, apresentou sua renúncia. Questionado de todas os lados, há vários anos, Cambadélis disse que era “consciente de seu dever e do momento crucial que a esquerda atravessa”. Ele, junto ao ex-presidente François Hollande e seu último primeiro-ministro, Manuel Valls, terão sido os que enterraram o socialismo francês. As urnas não perdoaram suas ambivalências, suas traições e suas insuspeitadas inoperâncias.
Tampouco perdoaram a direita. Ainda que saia com uma vitória parcial, com seus 126 deputados, os conservadores também se viram forçados à renovação. A quantidade de dirigentes políticos célebres que desapareceram do mapa eleitoral com estas eleições é alucinante. A lista de derrotados é uma coleção de ex-ministros e de homens e mulheres que, até agora, detinham as rédeas do grande poder. Quase tudo o que se construiu como eixo de poderio se diluiu na renovação impulsionada pelo macronismo triunfante.
De fato, a maioria presidencial é constituída por dirigentes novos, que jamais haviam entrado nas engrenagens da política e que, adiante, tem a missão de apoiar as reformas econômicas do presidente. Nem a direita, nem a esquerda radical, nem os socialistas ou a extrema-direita contam com a capacidade de exercer uma oposição eficaz na Assembleia. Macron se reforçou ao mesmo tempo que se fragilizava o equilíbrio democrático. O desencanto francês desembocou em uma espécie de absolutismo que reduziu os demais a uma minoria sem influências decisivas. O antigo sistema político se tornou pó em meio a uma indiferença democrática provada pelas porcentagens históricas de abstenção. Os dois partidos que constituíram o pilar das construções democráticas, os herdeiros do gaullismo, hoje agrupados em Os Republicanos e no Partido Socialista, sucumbiram diante do imparável avanço de outro partido: A República em Marcha, que surgiu há pouco mais de um ano, com o inconsistente nome de Em Marcha.
A partir daí, sem outro respaldo a não ser uma narrativa que apontou para o coração da sociedade, Emmanuel Macron, o ex-ministro de Finanças de François Hollande, foi cortando os troncos da árvore doente até chegar ao cume. A partir de uma ideia de extremo centro e sempre com a aposta em uma superação do esquema esquerda-direita, com seus 39 anos, Macron, respaldado por minorias diversas, derrotou tanto os populistas de extrema-direita, com os discursos anti-Europa, que colocavam em causa o capitalismo, a direita ultraliberal e católica e a social-democracia amparada no Partido Socialista. Todos são agora minoritários na Assembleia. O centro liberal do macronismo funcionou como um encantador de serpentes. Os inexperientes candidatos que se apresentaram com as siglas LRM (A República em Marcha), quase todos desconhecidos e oriundos da sociedade civil, deslocaram aguerridos deputados proeminentes.
A mudança é, no entanto, aparente: o essencial da Quinta República não se move. Há sempre um presidente quase rei, uma figura tutelar por cima de tudo. O abstencionismo de todo o processo eleitoral deixa outro dado: a refundação se realiza com um cenário de fundo de indiferença.
Agora vem o melhor. A vitória esmagadora é quase uma humilhação para os demais e uma promessa de antagonismos políticos densos. Jean-Luc Mélenchon prognostica um “golpe de Estado social” por parte do macronismo. Sua primeira missão já está agendada: completar a reforma trabalhista iniciada sob o mandato de François Hollande. Na França, ontem à noite, havia um grande silêncio. Os derrotados estavam desconcertados. Só emergiu uma voz combativa, a de Jean-Luc Mélenchon. O líder de França Insubmissa advertiu que assumiria a “resistência” diante da maioria presidencial e, quando interpelou ao poder, disse “que nem um só metro do direito social lhe será cedido sem luta”. Com a falta de uma oposição parlamentar de peso, as próximas batalhas se deslocam para o terreno onde se movem as maiorias sociais: a rua.
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França. Maioria absoluta para a República em Marcha - Instituto Humanitas Unisinos - IHU